Chapter 1

Dallas, Texas – 10 anos antes.

Atendeu ao telefone que tocava insistentemente. Sabia que era Jared, e sorriu ao constatar que era mesmo o amigo.

"_Oi, Jens..."

_E aí, Jay? Você vem 'né?

"_Jens, eu não vou poder ir, me desculpe."

_Mas eu preciso de você aqui, Jay!

"_Eu não posso mesmo, é aniversário da minha avó, estamos indo para San Antonio agora."

_Mas...

"_Me desculpe, eu queria mesmo estar ai com você. Minha mãe 'ta me chamando, eu preciso ir. Eu 'to de volta na segunda."

_Tudo bem então. Tchau.

"_Tchau, feliz aniversário. Ah, tem uma coisa na caixa de correio pra você."

Jensen desligou e se olhou no espelho. Oras, um aniversário sem o melhor amigo, não era um aniversário. Sorriu tímido para sua própria imagem e depois fez uma careta.

_Então é isso.

Saiu do quarto e bateu a porta devagar. Desceu correndo as escadas e quando chegou ao fim dela, viu o olhar de reprovação da mãe.

_Eu já falei pra não descer correndo, Jensen! – a voz era amável, mas ainda assim, rígida.

_Desculpe, mãe, não vai acontecer de novo.

_Eu já ouvi isso antes, mocinho.

As bochechas de Jensen avermelharam-se, e ela sorriu.

_Donna, ele ainda é uma criança. Deixe o menino, quando ele 'tiver a minha idade, não vai poder nem descê-las direito.

_Pai! – o loiro sorriu e correu para abraçá-lo.

_Não seja exagerado, Alan. – Donna disse com um sorriso.

_Então, quem é que está ficando mais velho hoje?

_Sou eu!

_Uou, quantos anos?

_Dez, pai. – disse girando os olhos como se fosse óbvio.

_Ah, então já é um homem. Foi um bom garoto?

_Eu fui sim... Quero dizer, eu sou um bom garoto!

_Ah, então você merece o presente!

Os olhos de Jensen brilharam ao ouvir a palavra.

_Presente?

O pai gargalhou e deu a chave do carro para o filho.

_Está em cima do bando, na frente.

Jensen soltou um risinho, pegou a chave e saiu porta afora. Os olhos arregalaram-se ao ver a caixa enorme que repousava lá, um sorriso enorme abriu-se revelando que faltava um dos dentes.

Pegou o embrulho e correu novamente pra dentro de casa. A mãe e o pai estavam na cozinha, se encaminhou até lá e ouviu a mãe cantarolar uma música desconhecida, e o pai ao seu lado, segurava uma taça dando pequenos goles no vinho tinto.

_Você achou, querido? – a mãe sorria.

Acenou positivamente com a cabeça e mostrou o grande retângulo em sua mão.

_ E você não vai abrir?

Negou e sentou comportado, colocando o presente próximo ao lugar onde estava.

_Por quê? – perguntou a mãe pondo o bolo em cima da mesa.

_Vamos comer primeiro. – respondeu.

_Tsc, tsc. – o pai deixou a taça de laço e sentou junto ao filho. – Nada disso, eu estou curioso pra saber o que é.

_ Mas você comprou o presente, pai.

A mãe colocou os copos e os pratinhos na mesa, sorriu.

_Não, Jen. Foi a mamãe.

Jensen olhou pra ela, desconfiado.

_Eu não vi a mamãe sair.

_Fui no domingo, enquanto você foi a campo com o Jared. – ela respondeu e Jensen sorriu, sua mãe falava cantarolando, o que era meio esquisito, mas ele gostava. Encolheu os ombros pegando embrulho.

_E ele? Não vem?

_Ele acabou de me ligar. Disse que está indo pro Texas, é aniversário da avó dele. Vai voltar na segunda.

_Ah... Bem, eu tenho certeza que ele deixou um presente.

Os olhos de Jensen arregalaram-se, e a mão foi parar na testa.

_Está na caixa!

_Vá lá pegar, garotão. Eu, a mamãe e o bolo esperamos você.

Jensen sorriu, saindo novamente. Voltou e olhou receoso o pai.

_Que foi querido?

_Vai ficar chateado se eu abrir o do Jay primeiro?

A voz inocente fez o pai sorrir, acenou que não e abraçou Donna enquanto o filho abria o presente do amigo, deixando o envelope de lado. Uma miniatura de um Chevy Impala 1967, preto fez seus olhos brilharem.

_È um belo carro, além de ser um clássico, é claro.

_È, sim. – concordou.

O loiro sorriu olhando o pai.

_Vou ter um desse quando eu crescer. – disse sonhador.

_Bom, agora você tem que abrir o nosso. – disse Donna.

_Eu duvido que ele vá gostar mais que esse.

Jensen rasgou o grande pacote e os olhos arregalaram-se.

_Eu... Não acredito.

Era a carreta mais linda que ele já tinha visto. Vermelha, de rodas emborrachadas, cabine com portas que se abriam, era, com certeza, o sonho de todo menino de sua idade. Jared is se roer de inveja quando visse aquela beleza.

Guardou os dois presentes e sentou-se novamente. Estavam começando a cantar os parabéns quando a voz grossa e fria encheu a casa.

_Ora, parece que eu dei sorte. Um aniversário!

Um homem enorme ocupava a porta da cozinha quase que totalmente, usava uma camisa regata e uma calça jeans rasgada e cheia de graxa. O cabelo preto, na altura dos ombros, tinha pequenas ondas, a barba estava por fazer. Jensen escondeu-se atrás do pai quando viu a faca na mão do sujeito, e Donna tinha os olhos tão arregalados quanto filho.

_Como entrou aqui? – Jensen sabia que a voz do pai devia ter saído forme, mas não foi assim que ela entrou em seus ouvidos.

_Oh, a porta estava aberta. Deviam ter conferido! Podem ter pessoas más por aí. – disse com sarcasmo.

Telefone tocou e todos olharam o aparelho.

_Nem um passo. Não tente porque não vai conseguir. – disse.

A voz de Sharon, mãe de Jared ecoou estridente.

"_Donna, aqui é a Sharon, querida. Acabamos de ouvir no rádio que alguns detentos fugiram. Feche bem a casa, nós estamos voltando, mas vamos demorar um pouco, o trânsito está um horror. Passamos aí quando chegarmos para que Jay possa cumprimentar o Jensen, querida. Até."

Tudo silenciou por um instante.

_Olha, nós não temos muita coisa, mas nós...

_Cala a boca sua vadia! – o homem esbravejou.

Jensen viu o pai fechar o punho até os nós dos dedos se embranquecerem, tudo foi rápido e em alguns segundos o pai estava no chão, à garganta sangrando sem parar. Jensen ouviu a mãe berrar ao seu lado, mas estava assustado demais pra fazer qualquer coisa.

Viu o homem agarrá-la pelos cabelos e jogá-la no chão em cima do marido, o viu levantar-lhe a saia e rasgar-lhe a calcinha. Sentou-se no chão porque suas pernas não o agüentavam mais seu peso, os olhos arregalados enquanto as lágrimas caiam por seu rosto, ouvia a mãe gritar desesperado e o homem enorme em cima dela fazer movimentos repetidos, ao mesmo tempo em que a enforcava com as mãos.

Donna o arranhava, tirava sangue de sua pele, mas ele não parecia sentir, olhou para o filho uma última vez e então os olhos perderam o brilho.

Jensen soluçou baixo e o homem jogou a cabeça pra trás abrindo a boca enquanto soluçava em gemido gutural. Olhou na direção do loiro e seus olhos escureceram. Jensen tremeu.

_Sabe, eu não costumo simpatizar com garotinhos, mas você me agrada muito. – e sorriu, os dentes amarelados. – Os seus lindos e assustados olhos verdes, e essa sua boquinha.

O homem se ergueu e Jensen se encolheu mais ainda. Antes de poder fazer qualquer coisa sentiu as mãos enormes puxarem suas calças pra baixo junto com a cueca. Jensen gritou, mas ele lhe tapou a boca. Entrou com força fazendo o menino chorar ainda mais, movimentava-se vigorosamente entrando e saindo daquele corpo miúdo, Jensen sentia que ia se quebrar cada vez que o mais velho mexia-se dentro dele.

Sentiu algo quente explodia dentro de si, e ouviu o mesmo gemido de antes, dessa vez mais forte. O homem soltou-se dele, e o menino se deixou ficar ali, sangrando, no chão. O corpo parecia ter sofrido um acidente, tão machucado que estava.

Os olhos foram se fechando devagar, e antes de desmaiar ouviu o envelope de Jared bem a sua frente.

"Feliz Aniversário."

Era o que a letra de Jared dizia. Soluçou. Não, não estava sendo um dia feliz, e mesmo sendo pequeno demais Jensen entendia que nunca mais um dia seria feliz para ele.

Ouviu a porta da frente e a voz estridente de Sharon entrou por seus ouvidos como sinos.

_Donna, querida... Oh, meu Deus! Jensen, Donna, Alan. Oh, meu Deus!

Ela gritou e Jensen viu Gerald e Jared atrás dela. O último som que ouviu foi de sirenes, então seus olhos e seu corpo pesaram e ele sucumbiu ao desejo de dormir eternamente.

Vancouver, Canadá – Atualmente.

O despertador tocava sem parar, mas ele já estava acordado há algum tempo. Ele nem ao menos tinha conseguido dormir aquela noite. Criou coragem e levantou, desligou o aparelho antes que Jeffrey, seu tio, entrasse no quarto, invadisse sua privacidade e o desligasse ele mesmo.

Entrou no banheiro e se despiu. Olhou no espelho e lembrou. Balançou a cabeça e entrou no chuveiro, rezando pra que a água que caia levasse embora as lembranças também.

_Jensen.

A voz grossa soou abafada por trás da porta e Jensen mal pode ouvir seu nome. Saiu com a toalha enrolada no quadril e olhou homem de 40 anos encostado ao batente da porta. Ele não sorria como de costume.

_Que foi? – perguntou.

_Jared vem te buscar hoje?

Limitou-se a dar de ombros. O tio ergueu as sobrancelhas e suspirou.

_Tudo bem então... E Jensen...

O loiro virou-se novamente pra ele, os olhos verdes marcados pelas olheiras.

_Você precisa dormir, ou eu serei forçado a te levar no médico. Você não quer voltar a tomar os remédios não é?

_Não. – respondeu.

_Tudo bem então... Pelo menos tente está bem?

Jensen concordou fechando os olhos por um momento. E mesmo sendo um rápido fechar de pálpebras as imagens vieram como um filme em sua cabeça. O tio deixou o quarto assim que ouviu as buzinadas do carro de Jared. Jensen foi até a janela e viu o amigo descer do Chevy Impala 1967, o moreno olhou em sua direção e o mais velho leu seus lábios.

"To subindo JenJen."

O moreno riu e Jensen girou os olhos. Pouco depois o quase-gigante passava pela porta.

_E então... Oh, meus olhos! – disse os tapando para depois cair na cama macia, gargalhando.

_Não gosta, não olha, pé-grande.

_Devia ter me avisado que estava pelado. – disse fazendo gestos com as mãos.

Jensen girou os olhos novamente para depois se enfiar dentro de uma calça jeans e uma camisa verde de algodão. Jared lhe jogou a jaqueta e pegou a mochila do loiro. Jensen colocou o All Star preto, estava na hora de comprar outro, mas ele não ligava, gostava daquele, gasto, desbotado e sujo.

Jensen o comparava com sua vida.

Saíram juntos do quarto e Jared passou rápido por ele correndo em direção a escada.

_Hey, quem chegar por último é a mulher do padre!

O quase-gigante a desceu correndo, Jensen negou com a cabeça.

_Você não devia correr na escada, pode cair.

Jensen desceu devagar, um degrau de cada vez. O moreno o olhou como se ele fosse pirado, mas deu de ombros e respondeu risonho.

_Bom... Aí o hospital ia ficar cheio de meninas, porque eu tenho certeza que mais da metade das garotas da faculdade iriam lá me ver.

_É, claro. – Jensen passou pela porta com Jared atrás.

Chegaram ao carro e Jared jogou a chave para o amigo. Sorriu mostrando as covinhas e fez careta antes de responder a pergunta muda que os olhos verdes lhe faziam.

_Você dirige hoje. Ajudou a pagar, é tão seu quanto meu.

Jensen concordou. Não demorou a chegarem, já no estacionamento as líderes de torcida quase pularam no pescoço de Jared. O loiro se afastou, era sempre assim, as meninas chegavam e se apossavam do moreno e então Jensen saia. Encontravam-se na sala depois de Jared ter beijado algumas ou todas elas.

Jared entrou na sala, o loiro já estava sentado e viu o amigo chegar o canto da boca borrado com o batom vermelho de alguma garota. Jensen passou o dedo pelo canto da própria boca e o moreno entendeu, limpou-se na manga do casaco e sentou ao lado dele, ao mesmo tempo o professor Beaver entrou.

Vários 'Sshhiii' foram ouvidos e então a sala ficou em completo silêncio.

_Bom dia. – a voz rouca e cansada foi ouvida, mas não parecia querer dizer ou desejar o que expressava.

Ninguém respondeu, e ele pareceu gostar assim. Não gostava de conversas em sua aula. Começou a escrever, em silêncio.

_Com licença.

A voz clama fez com que todos se virassem em direção a porta, os olhos do professor encararam com rispidez o garoto, mas ele não parecia importar-se. Apenas entrou e sentou na última carteira, da última fila, na janela. Professor Beaver o encarava como se ele fosse um alienígena.

_Desculpe, quem é você?

Jensen estava atento, nunca tinha visto aquele garoto antes, e queria muito saber quem era, mesmo não sabendo o por quê.

_Sou Misha Dmitri Collins.

O loiro olhou-o de cima a baixo. A camisa, a calça, a jaqueta e o All Star, todos pretos, Jensen se perguntou se ele tinha algum problema com cor, mas admitia que o preto o deixava ainda mais misterioso. Misha parecia ter saído de um daqueles filmes adolescentes, o cara que era disputado por todas as garotas, e até alguns garotos.

Os cabelos negros estavam arrepiados, a única coisa que mais se destacava naquele conjunto que fazia o loiro perder o ar, eram os olhos, eles eram tão azuis que Jensen pensou nunca ter visto aquela cor antes, era um azul totalmente novo.

Perdeu-se naquelas íris que nem notou que o estava encarando até ver que o garoto lhe encarava de volta, sentiu o rosto queimar e o viu sorrir, a gengiva aparecendo minimamente.

Virou rapidamente pra frente e tentou prestar atenção no que restou da aula, mas não teve muito sucesso.

"Misha" repetiu mentalmente o nome dele antes do sinal bater, avisando que era hora de ir.