— CAPÍTULO UM —

Um exército de dementadores

Já não era a primeira vez que uma forte chuva irrompia sob o condado de Surrey, e por isso era praticamente impossível acreditar que eram férias de verão, e uma pequena janela no meio da Rua dos Alfeneiros chamava a atenção pela luz acesa aquelas altas horas da madrugada em meio a escuridão e ao temporal.

Toda noite ela estava ali e permanecia nesse estado por horas, fazendo a vizinha da frente pensar sempre que tinham esquecido a luz acesa, ou quem morasse naquele quarto tinha medo do escuro.

Porém, se você adentrasse no cômodo veria que ali habitava um garoto que se encontrava sentado a escrivaninha fazendo os deveres de casa que os professores passaram para o recesso, contudo, ele não estudava matérias convencionais como matemática e ciências, muito pelo contrário, na escola em que Harry Potter estudava ele aprendia a fazer objetos levitarem, transfigurar camundongos em taças de vidro e a enfrentar lobisomens e o próprio bicho-papão.

Harry Potter era um bruxo, mas ele nem sempre sabia disso. Desde que começou a se entender por gente ele vivia com seus tios insuportáveis, que faziam de sua vida um verdadeiro inferno, e acreditava que seus pais tinham morrido em um acidente de carro.

Mas ao completar onze anos Harry descobriu a verdade e ingressou na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde fez amigos, inimigos e vivenciou muitas aventuras com risco de vida ou morte, a maioria delas envolvendo Lord Voldemort, o bruxo das trevas mais poderoso e perigoso de todos os tempos, responsável pela morte de seus pais e pela cicatriz em forma de raio na sua testa, sinal de que sobreviveu ao ataque dele, resistindo a Maldição da Morte com apenas um ano de idade, isso graças a sua mãe, que ao se sacrificar por Harry conferiu ao filho uma poderosa proteção contra o Lorde das Trevas, uma magia tão antiga e complexa que poucos conseguiam entender.

Mas Lord Voldemort não morreu treze anos antes, como a maioria acreditava, muito pelo contrário, ele conseguiu retornar com um corpo e plenos poderes alguns meses atrás graças a um ritual de magia negra que Harry presenciou, bem como o assassinato de Cedric Diggory, um colega da casa Hufflepuff que competia junto dele no Torneio Tribruxo, e esse era o principal motivo para Harry não se concentrar completamente em seu dever de Poções, afinal, seu maior inimigo estava a solta pelo mundo afora, sedento para ter sua cabeça em uma bandeja como um prêmio.

De repente a concentração de Harry se esvaiu quando ouviu um estampido forte do lado de fora em meio a aquela noite fria e tempestuosa, e um clarão atravessou a rua com uma velocidade extraordinária.

Surpreso, Harry se levantou da cadeira e olhou pela janela na esperança de conseguir avistar algo, mas diante do nada ele resolveu ir até sua cama, abaixando-se para apanhar seus tênis, sentou e os calçou, levantando-se novamente em seguida e pegou sua varinha em cima da escrivaninha, e segurou ela firme em seu punho direito.

Encaminhou-se em direção a porta de seu quarto, abrindo-a cautelosamente para que não rangesse para não acordar seus tios — aquela foi uma das raras vezes que eles não o deixaram trancado em seus aposentos —. Desceu as escadas na ponta dos pés, apanhou a chave da porta de entrada com muita dificuldade devido a escuridão no hall. Ao encontra-la, levou-a até a fechadura da porta e rodou-a duas vezes para finalmente conseguir abri-la.

Saindo do hall e se virando para a rua, Harry se viu defronte a uma tempestade descomunal, uma escuridão tão grande que foi difícil perceber que um dementador vinha em sua direção trazendo consigo o característico cheiro podre que infectava o ar.

Sentindo-se quase sufocado, Harry por impulso de algo que não soube controlar, gritou:

— Sirius não está aqui!

Não sabia porque estava dizendo aquilo, somente segurou a varinha mais firme possível e enunciou em direção ao dementador que avançava em sua direção:

Expecto Patronum!

Um cervo prateado irrompeu da ponta da varinha de azevinho e galopou pelo ar para atingir o dementador em cheio. Mesmo assim a criatura conseguiu retornar, e com uma velocidade surpreendentemente atacou Harry com fúria. O garoto sentiu a mão fria e esquelética tocando o seu rosto e o odor de podridão cada vez mais forte em suas narinas.

Já sem saída, Harry deixou sua varinha escorregar da sua mão e suas pernas trêmulas cederam, caindo de joelhos no chão. A chuva cada vez mais forte embaçava os seus óculos enquanto se sentia quase sem energia, sem ninguém para ajudar, não sabia como sair daquela situação. Estava encurralado.

EXPECTO PATRONUM!

Uma voz firme bradou o encantamento, e uma fênix prateada voou com ferocidade para atacar o dementador, atirando-o para longe.

Harry forçou sua vista esperançoso para tentar enxergar quem conjurou aquele patrono, porém a única coisa que conseguir avistar em meio as trevas foi algo branco que logo começou a rumar em sua direção.

Receoso, Harry se pôs de pé com dificuldade e começou a se afastar até tropeçar na calçada em frente à casa dos Dursley, e caiu no chão. A imagem prateada se aproximou vagarosamente, os trovões rasgavam o céu chuvoso, enquanto em plena escuridão Harry se via sem nenhuma defesa, com apenas uma única saída, fugir ou morrer.

Já tinha escolhido: iria fugir.

Assim que ele se levantou, e quando ia tomar o impulso necessário para correr, a voz do patrono disse em tom de oferecimento:

— Tome.

Harry já escutou várias vezes aquela voz e logo a reconheceu. Ao levantar a cabeça e identificar a barba prateada, sua suspeita tinha enfim se confirmado.

Albus Dumbledore, o bruxo mais sábio e habilidoso de todo o mundo, o único que Voldemort temia, com suas vestes roxas brilhantes, as luvas verdes de pele de dragão. O mago olhou para Harry com seus olhos azuis por trás dos oclinhos meia-lua e estendeu para ele um sapo de chocolate.

— Por... — Harry gaguejou, confuso, assustado e com frio. — Porque eles estão atrás de mim?

— Eles querem a chave secreta — o diretor de Hogwarts respondeu curto e breve, porém com extrema educação.

— Mas como? Que chave? Eu não sei de nada! — Murmurou Harry sentindo-se melhor após ter comido um pedaço do chocolate.

— Escute, Harry — Dumbledore se aproximou. — Talvez somente Sirius possa nos dizer, talvez mais alguém...

CRACK!

O dementador abatido por Dumbledore havia retornado velozmente atacando Harry com ferocidade, fazendo-o rolar várias vezes pela rua fria e encharcada.

Harry apanhou sua varinha e forçou-se a lembrar do momento em que ganhara a Taça das Casas pela primeira vez para enunciar:

Expecto Patronum! — Um pequeno cervo atingiu o vulto encapuzado que recuou por alguns instantes, mas logo em seguida avançou novamente.

EXPECTO PATRONUM! — Dumbledore bradou conjurando uma fênix maior que a primeira, afastando o dementador por definitivo.

Mas estava só começando, os trovões dominavam o céu e iluminavam a Rua dos Alfeneiros, mostrando bem no seu início, próximo a casa da velha Sra. Figg, um exército de dementadores que vinha voando em direção à Dumbledore e Harry.

Não acreditando no que estava vendo, Harry retirou seus óculos, apontou sua varinha para eles e murmurou:

Impervius — a partir daquele momento eles estavam imunes a água.

— Harry, saia daqui. Isso pode ser perigoso para você — disse Dumbledore ajeitando a sua luva esquerda com calma. — Vá, se cuide.

Harry balançou a cabeça positivamente, pois sabia que falar seria inútil com tantos trovões. Ao se virar para partir, viu que os dementadores estavam somente a dois metros de distância, e voavam em uma velocidade impressionante.

Um dos dementadores, assim que avistou os dois, avançou em sua direção, e atacou, enquanto o restante permanecia no alto, todos parados.

Expecto Patronum! — Harry berrou contra o dementador, e o cervo criado fez o dementador recuar, contudo, ele também voltou na mesma velocidade.

EXPECTO PATRONUM! — Dumbledore se impôs criando uma fênix prateada imensa que voou pela rua, riscou o céu desviando de vários raios e com uma guinada incrível se adiantou contra os dementadores com bravura.

Pasmo com tudo isso, Harry sentiu uma mão fria pairar sob seu ombro, fazendo-o gelar. A fênix distante soltou um rugido feroz, e vozes as suas costas lhe chamaram a atenção. Conhecia elas de algum lugar. Harry não se virou em momento algum, porém a voz mais familiar disse, alta e rouca:

— Agora é conosco, Harry.

Ao finalmente se virar, Harry ficou defronte a Remus Lupin, com suas vestes de segunda mão lavadas pela chuva e seus cabelos lisos diante dos olhos. Alastor "Olho-Tonto" Moody, ao seu lado, com seu olho azul elétrico girando loucamente e seu rosto cheio de cicatrizes iluminado pelos trovões, e do lado oposto, Sirius Black. Seu rosto magro parecia não ter mudado nada desde que Harry o viu pela última vez.

Harry observou o padrinho seguir Lupin e Moody na direção de Dumbledore, sem olhar um instante para atrás sequer. Assim que ficou em frente ao exército de dementadores, que esperavam ali, quietos, e berrou, como se estivesse adorando fazer aquilo:

— Vocês me querem, não é mesmo? Pois então, o que estão esperando?

Sirius deu um sorriso e juntamente com ele os trovões cobriram o céu em milésimos, clareando tudo, e a batalha se iniciou. A cena seguinte foi a melhor exibição de Patronos que Harry já poderia ter visto. Havia um exército furioso sendo desmanchado que voava para todos os lados, patronos prateados surgindo em meio a escuridão enquanto a fênix de Dumbledore esperava para atacar.

Quando metade dos dementadores já tinham sido vencidos, desaparecendo na escuridão das ruas, a fênix se adiantou e com mais um guincho iniciou seu ataque em meio a chuva tão forte quanto a vontade de afastar aquelas criaturas das trevas.

TUM!

Harry sentiu a cabeça bater em algo muito duro e frio, e assim que abriu os olhos assustou-se em ver que estava estatelado no chão de seu próprio quarto.

"Foi só um sonho?" Harry questionou-se mentalmente enquanto observava a cadeira em que estivera sentado caída ao lado da cama apinhada de livros e pergaminhos com inúmeras anotações.

— Potter, o que está havendo? — Tio Vernon gritou dando murros na porta trancada que por alguns instantes ameaçou quebrar. — Abra essa porta já!

Harry olhou para todos os objetos mágicos em seu quarto e disse, com a voz fraca:

— Eu... eu caí da cama... está tudo bem.

Sabia que tio Vernon não se importava com isso, porém precisava dizer algo que o acalmasse. Quieto para ver a reação dele, sentiu-se grato quando o ouviu dando risadas enquanto rumava para seu quarto parecendo realmente alegre.

Apesar das risadas propositalmente altas de tio Vernon, elas estavam longe de abafar os roncos de Duda no quarto central do corredor. A noite não foi nada agradável, os deveres de Transfiguração e Poções estavam excessivamente espinhosos e após termina-los decidiu deixar a lição de Feitiços para a noite seguinte. Assim, guardou os livros e pergaminhos no caldeirão de ferro ao seu lado e o empurrou para debaixo da cama, onde finalmente se deitou, cansado, sem tempo e energia para pensar naquele estranho sonho que tivera. Logo Harry adormeceu ao som da chuva escorrendo pela sua janela.