Criada em: 31/07/2007
Capitulo Único
Você já sentiu aquele friozinho na barriga te falando quando tem algo muito errado? Aquela seqüência de arrepios que correm seu corpo, enquanto seu coração dispara e sua respiração falha? Tudo para te avisar que há algo muito errado com o seu corpo?
Se você já se sentiu assim, sabe do que estou falando. É uma sensação chata, que tenta te avisar que seja lá o que você tenha, pode não ser a única coisa com a qual você vai se preocupar: com ela, vai aparecer tantas outras coisas que podem fazer você se desesperar.
E era assim que eu tinha acordado na quarta-feira passada, além, claro, de estar me sentindo terrivelmente mal: minha cabeça girava, meu estômago parecia estar travando uma batalha colossal contra o meu jantar e meu humor estava uma droga.
E isso se repetiu na quinta, na sexta, no sábado e no domingo.
E o que mais me animou, foi o fato de que o safado sem vergonha do meu namorado – com quem eu tenho a infelicidade de dividir a mesma casa, aliás – sequer pareceu preocupado quando eu disse que estava morrendo – e isso não é nenhum exagero.
Ao contrário! Ele riu; gargalhou e, para melhorar mais ainda meu humor, ele segurou a ponta do meu queixo e, sorrindo divertido, disse um mero: "Você deve estar grávido, Dave, porque... Você sabe... Você que fica por baixo."
E é em momentos de "total apoio" como esse, que eu me pergunto como eu consegui me apaixonar por ele. Tudo bem que ele é lindo, sexy, tem o melhor beijo de toda Montreal, manda muito bem na cama e... Okay, esqueça! Eu estou em crise com Pierre; ele apenas não sabe disso.
De qualquer modo, na segunda-feira – hoje, pra ser mais exato –, eu finalmente cansei de acordar passando mal todos os dias e, tomando vergonha na cara, finalmente fui ao médico, afinal é estranho uma pessoa aparentemente saudável se sentir assim por quase uma semana, sem motivo aparente.
E o melhor de tudo, é descobrir que você é o que se pode chamar de: aberração.
Mas pior que isso, apenas uma coisa: Pierre, apesar de ser um idiota, e estar brincando quando disse, estava completamente certo: eu estou grávido!
E, acima da minha preocupação do que eu vou comer no almoço, porque a fome já está voltando, está a dúvida: como contar isso ao Pierre, sem ser taxado de idiota?
Sim, porque eu certamente vou ser taxado de idiota; até mesmo o médico me olhou estranho quando leu o resultados dos exames.
Aí eu te pergunto: tenho culpa se papai e mamãe me deram maneiras de engravidar e esqueceram de me avisar?
Pierre vai me matar, e não é apenas porque eu posso gerar – e estou gerando – um filho, mas sim pelo fato de que ele não quer ter filhos.
Ou ele só não é fã da idéia de adotar?
Bem, de qualquer modo não acho que estamos prontos para criar uma criança: ainda estamos na fase do sexo todas as noites e sair para namorar todo final de semana. Estamos na fase "mar de rosas", mesmo que estejamos juntos há uns cinco anos.
Eu sou, oficialmente, um defunto de vinte e sete anos, obrigado.
Bufando, eu finalmente me levanto do banquinho da sala de espera do pronto socorro e caminho o mais devagar que consigo para fora do prédio: minha mente trabalhando a mil, bolando milhões de formas de contar a ele, uma mais impossível que a outra.
Pierre vai me matar; meus pais vão me matar; meus amigos vão me matar; meu cachorro vai me matar. Até a velhinha de cem anos do apartamento do lado, vai me matar.
Eu vou me matar.
XxXxX
Quando eu finalmente chego ao prédio onde moro, começo a rezar todas as preces que eu conheço, pedindo para que o elevador quebre, e que eu ganhe, pelo menos, mais algumas horas para poder achar uma forma de contar ao Pierre – embora, eu esteja pensando sobre isso desde que recebi a noticia, há três horas.
Não tem jeito: é simplesmente ridículo demais.
Mas, como a minha sorte parece ter ido dar umas voltas pelo Pólo Norte, o elevador chegar ao meu andar sem problemas – nem mesmo parou em outro andar qualquer –, me obrigando a caminhar até o apartamento.
E eu paro; simplesmente travo. Fico olhando para a madeira branca, onde um simpático número "910", numa simpática plaquinha dourada, está reluzindo.
Sabe quando você tem certeza de que vai ser pior do que você pensou? Quando você sente que pode, e vai, ficar pior? Quando parece que ninguém te ama mais, e você é a pessoa mais azarada do mundo? É aquela velha história; quando você sabe que vai ser ruim, a coisa fica muito pior.
E foi isso que me fez travar: a certeza de que ia ser pior do que eu estava pensando. E não por Pierre, mas sim porque eu acabei de lembrar que de segunda-feira os nossos amigos vem passar à tarde com a gente, já que todos temos a tarde livre – sabe Deus porque.
Pior que isso, somente o fato de que eu não posso enrolar muito mais do que já fiz, para aparecer, porque o hospital é aqui do lado e... Bem, apesar de ser um idiota, estúpido, ridículo, altamente sexy e cativante, o Pierre vai estranhar a demora e – tenho certeza – vai me procurar.
Maldito seja o dia em que eu disse que ali seria um bom lugar, por ter um hospital ao lado. Droga! David burro! Burro!
Okay, é só manter a calma. Inspira, expira... Inspira, expira. Procure sua paz interior; medite. É só fazer qualquer coisa do tipo. Não é como se ele fosse sair nesse mesmo momento e...
Maldita boca... Ou melhor, pensamentos!
Mal essa frase ecoou pela minha cabeça, a porta foi aberta e, saindo por ali, falando qualquer coisa para as pessoas no interior do apartamento, estava Pierre, caminhando na minha direção – mesmo que nem houvesse percebido que eu estava ali.
Okay, ele está distraído; olho para os lados, procurando o lugar mais perto em que eu possa me esconder, e quando eu o acho e estou preste a correr até ele, Pierre tromba comigo.
.no!
-Ah... – ele solta, antes de rir e pousar as mãos nos meus ombros. Forço um sorriso. – Aí está você, amor. – e, erguendo as sobrancelhas, embora ainda sorrisse, ele me puxa para o interior da nossa casa, fechando a porta com o pé, e me guiando até a sala, sem me dar tempo para nada...
A não ser me deparar com a típica bagunça e nojeira que eles criam em cima da mesinha de centro, e nossos amigos espalhados pelos sofás e pelo chão.
Santa porquisse!
Aliás, não sei do eu estou reclamando: eu nunca me importei com isso, mesmo porque não sou eu quem limpa; é nossa empregada. Mas seja lá o motivo celestial que for: isso me irritou profundamente hoje.
-Ah, eu não acredito nisso. – deixo escapar, olhando para a imundice de marcas de copos e latinhas sobre o vidro da mesinha. – Pierre! – olhei para ele de forma acusatória. – Por que você concorda em comprar porta-copos, se você não usa? – ergui uma única sobrancelha.
Ele me olha, parecendo confuso.
-Do que está falando? – idiota, estúpido, otário, safado, sem vergonha, lindo, sexy, charmoso e... Ah, cale a boca, David!
-Do que eu estou falando?! – repito, pondo as mãos na cintura e cerrando os olhos para ele. Cara, eu pareço a minha mãe. – Eu estou falando daquelas coisinhas bonitinhas e fofas que você escolheu para pôr sob os copos, latinhas e o inferno para não manchar a mesinha de centro, porque a empregada ia ter trabalho demais! – ergui as sobrancelhas. – Aposto que você adora olhar para a bunda dela quando ela se agacha para limpar o vidro!
Pierre, e nossos amigos metidos também, começam a rir. E, de qualquer modo, apesar de me irritar, não os culpo: da imagem da minha mãe, eu passei para a da minha avó, que sempre acha alguma amante nova para o meu avô.
-Davey, amor... – ele ri. – Nancy tem setenta anos!
Ri sarcástico, cruzando os braços sobre o peito e erguendo as sobrancelhas.
-Tem setenta anos, mas ta inteira. – bufei. Deus, qual o meu problema? Nancy é um anjo de cabelos brancos. – Ou você acha que eu não vejo os olhares que você lança pra ela, Pierre?
Dessa vez nossos amigos riem dele.
-Qual o seu problema, David? – Pierre perguntou, por fim, antes de caminhar até onde eu estou, e me segurar pelos ombros. – Você ta nervoso por causa do resultado dos exames, é isso?
Bem, é! É isso mesmo, me processe!
Imediatamente, eu senti meus olhos se encherem de lágrimas. Hãn? Qual o diabo do meu problema? Não é como se o mundo fosse acabar porque um homem vai parir.
E antes que eu mesmo consiga notar, as lágrimas correm, os soluços escapam e eu me agarro ao idiota a minha frente, me desidratando de chorar.
-A gente vai ser pai. – eu consigo dizer, entre um soluço e outro, enquanto puxo o ar. Pierre me aperta entre seus braços.
-Amor, eu já disse que não quero adotar. – burro; eu disse que a gente vai ser e não que a gente poderia ser.
É uma puta diferença, ta sabendo?
-Eu não estou falando disso. – resmunguei, me afastando dele, irritado, embora ainda chorasse. – Eu não sei como, nem quando... Aliás, o quando eu sei, mas isso não importa. – girei os olhos, falando tudo muito rápido e atropelando algumas palavras. – O que realmente importa é que... - funguei de modo infantil. – Eu sou uma aberração!
E fechei os olhos, abrindo o berreiro.
-Hãn?
Pierre, Jeff, Chuck, Seb e Pat perguntaram, ao mesmo tempo, quando ouviram o que eu tinha para dizer. Agora, eu os desafio a dizer que eu não sou uma aberração quando souberem o porquê eu estou afirmando isso.
-Amor... – Pierre murmura, parecendo perplexo, dando um pequeno passo para frente. – Você não...
-Não se atreva! – exclamo, sabendo exatamente o que ele vai dizer. Ainda fungando, eu tiro o envelope amassado do meu bolso. – Esse negócio aí está dizendo que eu sou. – e volto a chorar com vontade, enquanto ele abre o papel e o lê.
-Er... – pisca, por fim, erguendo a cabeça. – Tem certeza que esse é o seu exame? – e sorri, divertido.
-Tem meu nome, não tem? – ele olha para o topo da folha e concorda. – Então, é o meu exame, duh.
Ele olha para mim, de volta para o papel, e então para mim novamente, confuso.
-Mas aqui ta falando que...
-Eu estou grávido! – exasperação emana dos meus poros. – Quer coisa mais anormal que isso? – jogo os braços para cima, frustrado. – Eu já estou até me vendo passar os próximos nove meses numa jaula do zoológico como espécime raro. Não! Estou me vendo sendo obrigado a me apresentar no circo! Não, não! Eu vou ser trancafiado na NASA para estudos e eles vão me dissecar, e você não vai fazer nada... – soluço, antes de apontar o dedo para ele de forma acusatória. – Porque nem para colocar um porta-copo na mesa você presta! MEU MUNDO ACABOU!
Um pigarreio interrompe meu monólogo melodramático homicida suicida e eu olho para o lado, apenas para ver Sebastien ligeiramente corado; os lábios contorcidos num leve sorriso divertido.
-Como você engravidou? – bufei, esquecendo da minha crise de choro e viro-me de frente para ele, cruzando os braços.
-Bem, você não espera realmente que eu te diga como uma mulher engravida, certo? – ele ri, desviando os olhos azuis, antes de voltar a me olhar.
-Bem... Uma mulher não. – dá de ombros. – Mas como que um homem engravida?
Esse vai ser um longo dia, mesmo que o sorriso bobo nos lábios do Pierre deixe claro que ele já está aceitando a idéia.
