Oráculo
Ela tinha que tentar aquilo.
Percorria os braços trêmulos pela parede branca, o cabelo tampando-lhe os olhos. A respiração entreaberta cortava o ar como uma lufada, abraçando-se a ela como um véu de noiva. Comparação irônica, entretanto.
Arquejou ao acabar de subir, as tábuas velhas rangendo sob seu peso. Parecia haver milhões dela ali! Em cada escudo, cada espada, cada pedaço que possuísse um mínimo detalhe em metal era onde se via refletida. Os cabelos loiros engomados num coque, os olhos cansados, com profundas bolsas arroxeadas em baixo, resultado das noites mal dormidas. A pele com os primeiros vestígios de rugas pareciam a de uma velha senhora em sua mente, assim também pelos ombros curvadas. Onde estava com a cabeça?
Um trovão repentino preencheu o ar, como se a corteja-se. Observou em azul, para, ao voltar em foco, assustar-se com a múmia de vestido colorido e colares de contas, a boca de lado num sorriso macabro. Os olhos, mesmo vidrados, pareciam se revirar psicodelicamente. Reprimiu um grito agudo.
Retirou a fina colcha da bolsa maltrapida que carregava desde criança, estendendo-a no chão, levantando a poeira que se acumulava pelo passar dos anos. Deixou os tamancos de madeira escura de lado e se sentou como num ritual, as pernas cruzadas exibindo finos cortes no tornozelo.
"Você esperou tempo demais," Ela entoou, com a voz soando grossa e pacífica "mas estou aqui agora."
O tempo pareceu parar. Todas as partículas vivas moviam-se lentamente, suspensas como se por cordas imaginárias, para então se chamuscaram num estalo, em pequenos fogos de artifício. Tal luz envolvia-a logo em seguida, em diminutas queimaduras que rasgavam sua pele de pouco em pouco. Não conseguia gritar.
Seu corpo levantou-se no ar, movimentando-se violentamente. Sua mente corria a mil, lapsos de memórias, pequenas ilusões. Os olhos reluziam verdes.
Em instantes, faíscas correram pelo ambiente, sua pele rasgando-se agudamente por completo, carne viva exposta em diversos lugares nunca imaginados, juntando-se ao grito até então preso na garganta seca. O sangue vermelho vívido gotejava como chuva.
Minutos depois caiu com um baque surdo. Semelhante a uma tempestade de verão, o fluído escuro manchou as paredes e troféus de guerra, seu corpo virando-se de forma aterrorizante, ângulos beirando 180° graus. Gritou novamente, dessa vez um grito longo, arrastado. Não agüentava.
A cabeça pendeu para trás, sustentado o corpo de forma inexplicável. Os braços abriram-se, levando algumas relíquias para trás, jogando-as para encontrar outras, poucas se partindo em pedaços que voaram pelos ares. Um dos quais a atingiu, cortando os lábios. Sangue invadiu-lhe a garganta.
"Biscoitos. Luke quer biscoitos." Conseguiu praguejar em meio a engasgos, que iam aumentando sua constância. O peito inflava e a blusa branca já não era sedosa. As unhas descamavam-se em ecos surdos. Via o garoto em mente, relances de cachos loiros e uma adaga pequena. Vozes, flashes. Gritou pela última vez.
Silêncio.
Uma explosão verde inundou-a. Não sentia mais nada. Acreditava estar no céu, mesmo sabendo que tal existência não era real, sem paredes nem chão ao redor, de modo claustrofóbico. Ela gostava de contradições.
May Castellan tinha suas próprias crenças.
NA; Acredito ser a transformação de May, ou ao menos a tentativa, em óraculo. Muito bizarra? Sei lá, review me (:
(Postada inicialmente no orkut como Tentativa)
