Capitulo um.
Aquela fora a gota d'água para Marlene McKinnon. A morena pisava violentamente no chão, como se tivesse vontade de quebrá-lo, e ignorava os chamados do garoto de cabelos negros que a seguia. Suas vestes estavam encharcadas e suas botas cobertas de lama. Sirius Black continuava a chamá-la, mas vendo que de anda adiantaria, ele agarrou o braço da garota e a virou para si. Ela tentou empurra-lo, mas ele era bem mais forte.
- O que diabos você quer, Black? - Perguntou ela com agressividade.
- Marlene, não seja tão imatura, pelo amor de Merlim!
A garota, indignada, soltou-se dele, por fim.
- Como queria que eu reagisse? Meu melhor amigo dizendo que 'garotas não são boas ou ágeis o bastante para o Quadribol'. - Imitou ela, em tom debochado.
Sirius apenas cruzou os braços e deu um sorrisinho de canto, o que a irritou ainda mais.
- Marlene, entenda, vocês garotas não agüentariam uma única partida! Vocês têm a vida fácil, nunca tem grandes problemas! Vamos Marlene, as garotas são o sexo frágil.
A expressão facial de Marlene parecia mostrar sua opinião sobre aquele comentário ridículo. Ela abriu a boca, pronta para dar uma dura no maroto, mas se conteve e respirou fundo. Sirius arqueou a sobrancelha, desconfiado, quando ela sorriu.
- Tem razão Sirius. Nossa vida é uma moleza! Somos fracas, sentimentais... Você tem toda a razão.
E sem mais dizer uma única palavra, Marlene se virou e continuou a andar, deixando Sirius para trás, confuso e desconfiado.
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- Não devíamos estar aqui, se formos pegas será detenção até o resto do mês e eu sou uma monitora!
- Lily, amor, cala a boca e procura o livro!
Era quase meia noite quando as três amigas saíram, discretamente, do Salão Comunal e foram até a biblioteca, mais precisamente na Ala Restrita. O canivete especial de Sirius, que Marlene afanara do dormitório masculino, fora usado para abrir a porta, sem causar nenhum ruído. Juntas, Marlene, Emmeline e Lily procuravam certo livro de feitiços que, uma vez, a primeira vira na casa dos Potter.
- Marlene, anda, vamos voltar!
- Lily, relaxa! Temos que dar uma lição naquele machistazinho filho da mãe. - Murmurou Emmeline e Marlene sorriu, concordando. Voltou a procurar pela prateleira o grosso livro dourado, intitulado 'A Magia de educar seus filhos - Saiba mostrar quem tem a varinha'. Seus olhos azuis percorriam todas as capas com rapidez, até que Emmeline berrou algo que se assemelhava a 'olha aquilo lá'. As outras duas se viraram e Marlene simplesmente começou a dar pulinhos, arrancando o tal livro das mãos da amiga.
- Maroto ferrado com onze letras! - Exclamou ela, como se estivessem fazendo palavras cruzadas. As outras duas riram e sussurraram.
- Sirius Black!
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James Potter acordara na mesma hora de sempre aquela manhã, e sentia que aquele dia seria tão monótono quanto todos os outros. Resolveu permanecer deitado, apenas ouvindo os roncos de Peter e os murmúrios de Sirius, que se rastejava até o banheiro. Ouviu a porta se fechar. Ouviu o chuveiro ser ligado.
- AAAAAAAAAAAAAAH CARALHO! - E definitivamente ouvira o berro também.
Todos os marotos se levantaram, um tanto atordoados, e entreolharam-se, assustados. James foi o primeiro a falar.
- Padfoot? Ta tudo bem?
Sirius somente gritou de lá de dentro.
- EU NÃO TENHO NADA NO MEIO DAS PERNAS!
Peter abafou uma risada, mas tornou a ficar sério assim que viu o olhar que Remus lhe lançava.
- Ahn, Padfoot? - Tentou James, parecendo desconcertado. - Tudo bem não ter uma anaconda, mas qual é cara, ter um... Ahn... Ter a masculinidade pequena não é tão ruim assim. E você devia ter superado faz tempo!
- NÃO É ISSO SEU MERDA! EU NÃO TENHO NADA NO MEIO DAS PERNAS! NADA!
E assim, Sirius saiu do banheiro, revelando... Bem, revelando o vácuo no meio de suas pernas. Como um passe de mágica, a porta do quarto dos garotos se abriu e Marlene entrou, acompanhada de Lily e Emmeline. Todas desataram a rir quando Sirius se virou, tentando cobrir, bem, cobrindo o nada.
- Eu acho que o Sirius perdeu alguma coisa.
- Com certeza não foi o machismo. Por enquanto.
Sirius encarou Marlene, que olhou para Lily, que desatou a rir e se apoiou em Emmeline, que virou o rosto para não ter um ataque.
- VOCÊ!
Ela apenas riu.
- O QUE VOCÊ FEZ COMIGO, MARLENE?
- Ontem você disse que nós tínhamos a vida fácil, lembra? Bom, resolvi te mostrar essa tal vida fácil, senhor Black. Ou deveria dizer, senhorita Black?
As garotas riam, sendo acompanhadas entusiasmadamente por James e Remus.
- Seus porcos traíras, parem de rir!
- Bom, estamos atrasadas para o café. Nos vemos no Salão Principal, Siricutica.
E assim, Marlene fechou a porta, em tempo de ouvir Sirius berrar algo que o horário não permite dizer.
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- Eu não posso acreditar que ela fez algo desse tipo! - Exclamava, pela terceira vez, um Sirius mais do que irritado.
- Você a provocou, cara. Eu te disse pra nunca provocar a Marlene! - Respondeu James, risonho. - Mas não era preciso fazer isso. - Acrescentou James, apertando o lugar onde a 'masculinidade' de Sirius deveria estar, encontrando apenas meias. Gargalhou quando Sirius o empurrou para o lado, visivelmente nervoso.
- Tira essa mão boba daí, veado! Não jogo no seu time.
- Não joga mesmo. No meu time todos têm...
A última coisa que James viu foi à varinha de Sirius apontada para si, antes de ser erguido no ar. Ainda ria quando Sirius lhe colocou no chão, a contra gosto.
Sentaram-se junto às garotas, que tiveram um acesso de riso ao ver Sirius. Emmeline jurava que Lily havia colocado todo o mingau para fora, e pelo nariz, enquanto ria.
- Então, sente-se melhor amor? - Perguntou Marlene, mas Sirius simplesmente a ignorou.
O café da manhã foi bem tranqüilo e ninguém desconfiava de nada. Alguns apenas acharam estranho o fato de que Sirius Black ignorava avidamente a melhor amiga, Marlene McKinnon, que parecia, ao mesmo tempo, risonha e desconcertada.
Dumbledore não comparecera ao café, e isso não passou despercebido pelos garotos.
- Provavelmente está no Ministério. Mamãe disse que ele e papai estavam conversando com o Ministro sobre você-sabe-quem.
Marlene mordeu o lábio e desviou o olhar para sua saia. Era do conhecimento de todos que a família de Marlene recusara-se a servir o Lorde das Trevas e agora todos corriam grave perigo de vida. Sirius percebera a preocupação nos olhos da morena e, como estava sentado ao lado dela, passou seu braço pela cintura da garota, num gesto protetor. Ela agradeceu com um leve sorriso.
Após mais alguns minutos de folga, todos se levantaram, indo rumo a primeira aula do dia, que seria Defesa Contra as Artes das Trevas. Apesar do carinhoso abraço de Sirius e Marlene, durante o caminho, o maroto não conversou com a garota, nem mesmo a olhou nos olhos, apenas caminhou o mais depressa possível e se sentou na carteira com Peter, ao invés de fazer dupla com Marlene, como sempre faziam.
- Bom dia classe. - Disse o professor Tunga, com sua voz asmática. - Um ótimo dia para feitiços mais avançados. Vão adorar esse. Bem, treinaremos em duplas. Potter e Evans e, por favor, senhorita Evans, tente não machuca-lo muito dessa vez. Lupin e Meadowes, ora vamos querida, o garoto não morde. - Essa última causou um acesso de tosse em Remus e um de risos em James. - McKinnon e Black, os dois para o fundo da sala, estão mais avançados do que o resto da turma. Quem tem par, comece com o feitiço na lousa, quem não tem, para frente, sim?
Marlene se posicionou e olhou para os lados, e vendo que não havia ninguém muito perto, voltou-se para Sirius, que já lançara o feitiço. Ela desviou.
- Sirius, pare de bancar o bebê e fale comigo! - Disse ela. Um novo feitiço quase a acertou. - Eu sei que tirei o que você mais preza de você, mas você simplesmente passou dos limites.
- Eu simplesmente disse a verdade, Marlene. Garotas são fracas, só servem para uma diversão ou outra... - Sirius simplesmente levantou vôo, batendo na parede com força. Os olhos da morena estavam estranhamente vermelhos.
- Ótimo ataque Marlene! - Exclamou o asmático, digo, professor.
Sirius se levantou, irritado, e atirou uma pá de feitiços em Marlene, que se desviou de todos e se protegeu com um escudo, por precaução.
- Se pensa assim, porque então é amigo de uma garota fraca como eu?
- Fui seu amigo por pura pena.
Marlene o encarou, furiosa, mandando outro raio de luz para ele.
- Pena de que, Sirius? Pena por eu ser uma garota?
- Pena por você ser uma rejeitada que nunca teve um único encontro na vida! - E finalmente conseguiu atingir Marlene, não só com as palavras, mas também com o feitiço. A morena foi violentamente jogada para trás, batendo a cabeça na parede e caindo no chão. Lily correu até ela, acompanhada pelo professor e mais alguns alunos, que assistiam a cena, assustados.
- Lene? Você está bem? - Perguntou Lily, ajoelhando-se ao lado da amiga. Sirius se arrependeu do que fizera e se aproximou, cauteloso. Odiou-se quando viu um pequeno corte na testa da morena.
Marlene não respondeu. Tinha os olhos marejados por lágrimas, não saberia dizer se de dor ou de decepção, e então, levantou-se, determinada. Não fitou Sirius nem por meio segundo.
- Ala Hospitalar. - Murmurou, recebendo um aceno do professor, que parecia perplexo. Pegou sua bolsa, colocou-a no ombro e, com uma mão na testa, saiu da sala, tentando segurar uma única lágrima solitária.
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Marlene não fora a nenhuma outra aula naquela manhã. Apareceu somente no almoço, acompanhada de Lily e Emmeline, e se sentaram na ponta da mesa, bem longe dos marotos. Sirius fitava Marlene tristemente, enquanto bebia seu suco de abóbora.
- Seria melhor se, ao invés de suco, isso fosse Uísque de Fogo. - Disse ele, girando o copo.
- Seria melhor se, ao invés de ficar aqui sentado, você pedisse desculpas! - Retrucou Peter, como se aquilo fosse óbvio.
- De que adiantaria? Ela não vai me escutar. Não vai nem olhar pra mim.
- O que você disse de tão destruidor pra ela? - Perguntou James, comendo o último pedaço de seu rosbife.
- Acredite, você não quer saber. - Finalizou Sirius, virando o copo de suco, enquanto admirava os cabelos negros de Marlene balançarem conforme a garota se afastava do salão.
Para a infinita sorte, ou desgraça, de Sirius, a próxima aula seria História da Magia, e sua dupla era Marlene. Eles não poderiam trocar, pois Binns deixara bem claro que não haveria nenhuma mudança de duplas. Assim, ao chegar na sala, viu a morena sentada na carteira de sempre, e preencheu o vazio ao lado dela. Marlene o ignorou.
- Marlene... - Chamou ele, enquanto o professor começava com seu discurso sobre os duendes. - Me perdoa.
A morena não lhe deu atenção.
- Eu não quis dizer aquilo... Eu não...
- Você é cego.
Sirius a fitou, curioso.
- Cego?
Marlene concordou com a cabeça, mas ainda olhava o professor com determinação.
- Nunca enxergou o que sempre esteve na sua cara.
Aparentemente, Sirius ainda não entendera.
- O que eu tenho que fazer pra você me perdoar?
Passaram-se alguns segundos até que Marlene sorriu levemente e se virou para Sirius.
- O feitiço dura uma semana. Prove que não é um machista imbecil, mas sim o maroto que me fazia rir e me tratava como um igual.
E dito isso, ela pegou a pena e começou a desenhar em seus pergaminhos, deixando Sirius com seus pensamentos. Ele suspirou e fitou Marlene, sorrindo ao vê-la amaldiçoar a franja que lhe caía nos olhos. Ele passaria uma semana enfrentando tudo que uma garota enfrentava, mas no final valeria a pena, porque quando tudo acabasse, ela sorriria para ele, como sempre fazia, e o perdoaria por tudo. Como sempre fazia.
