Naruto não me pertence de forma alguma.
TRINTA DIAS A DOIS
A noite estava serena, a lua cheia liberado uma luz perolada que emanava calma e tranquilidade. Já a casa, entretanto, estava uma profusão amarela e rosa, as vozes se misturando no ambiente, e Hinata podia ver uma veia começar saltar na têmpora de seu marido em sinal de tudo, menos calma.
– São só trinta dias, Sasuke-baka. Deixe de ser assim. Hinata, diz a ele para parar de ser assim! – Naruto insistiu, o olhar azul procurando o dela, que encarava as próprias mãos.
– Por favoooooor, Sasuke-kun. – A voz de Sakura veio arrastada, pedante. Ela se inclinou pra frente, quase implorando. – Se vocês não entrarem no programa, vamos ter que fazer junto com a Ino-porca e o Gaara-san...
– Não vou passar um mês fazendo coisas idiotas só porque você não quer fazê-las com outras pessoas idiotas. – Sasuke olhou com desprezo para a folha que repousava inocentemente na mesa de centro, cheia de instruções, entre os dois casais. O título na folha se sobressaía em caixa alta: 30 DIAS A DOIS. Ridículo.
– Hinata, fala alguma coisa! – Sakura choramingou, suplicante. Hinata suspirou. Qual era a lógica de Sasuke e ela fazerem um cronograma romântico se mal eram um casal real? Era um casamento arranjado por interesses corporativos e financeiros. A situação era tragicômica, pensava Hinata. Estava numa sala com seu amor de infância e respectiva esposa, que já fora apaixonada por seu então marido, que, por sua vez, nutria zero interesse amoroso por quem quer que fosse, pelo que ela sabia. E aquela série de um mês de tarefas românticas... Quis rir.
– Hime? – A Uchiha levantou os olhos ao chamado de Sasuke. Inclinou a cabeça, reparando no silêncio repentino que caíra na sala. – Do que você está rindo?
Aparentemente ela não só quis como de fato riu. Muito bom não ter pronunciado palavra alguma sobre o caso e ter como única reação uma risada amarga, ela pensou. Sentiu o rosto esquentar.
– Nã-não é nada. – O olhar escorregou pelos outros dois ali, que sustentavam uma expressão estranha, e ela não sabia dizer se era por sua risada ou pelo tratamento que Sasuke lhe dispensara. Não que eles soubessem que o casamento fosse de fachada (Não, os Hyuuga-Uchiha jamais admitiriam tal exposição), mas pelo fato de Sasuke não ser carinhoso assim com outras pessoas. Hinata sentia-se estranhamente encurralada. Não acreditava que faria isso... Suspirou e voltou-se para o Uchiha, tocando-lhe a mão. – Vamos, heika, n-não é tão ruim assim. – Ela disse baixinho, o título da proposta parecendo dançar provocativamente entre os dois. Não precisavam fazer todos, fariam apenas os que Sakura e Naruto precisassem...
Os Uzumaki não pronunciaram palavra alguma, mas a ansiedade que os rodeava era palpável, escapando pelos poros e rodopiando pelo ar.
– Não é como se vocês não pudessem fazer esse negócio estúpido sem nós dois – Sasuke virou a mão para segurar a de Hinata na sua. – Mas se Hinata quer fazer...
– AIMEUDEUSVAISERTÃOLEGAL – Sakura soltou num fôlego só e Sasuke imediatamente se arrependeu do seu sim.
UM - fiquem acordados até tarde, apenas conversando
Naruto e Sakura haviam ido embora cedo sob o argumento de que se precisavam ficar acordados até tarde juntos, não tinha sentido chegarem em casa altas horas. O combinado era começarem imediatamente o cronograma, aproveitar que era domingo, segundo eles.
Hinata estava segurando o papel roxo entre as mãos, lendo as instruções. Deveriam fazer todos os dias sem pular nenhum e documentar cada um deles em fotografias. Ótimo...
Ouviu o chuveiro desligar e largou as instruções na mesa de cabeceira tão rápido que pareceu que estava soltando uma brasa quente. A última coisa que precisava era de Sasuke achando que ela estava ansiosa para iniciarem.
Quando a porta do banheiro se abriu nenhuma fumaça invadiu o ambiente. Sabia disso sem levantar os olhos, pois Sasuke sempre tomava banhos frios, independente da temperatura. Sempre saía só de toalha, também, e era por isso que não olhara. Apesar do tempo de convivência, Hinata não se acostumara em ver aquele homem seminu caminhando pelo seu quarto sem corar até a raiz dos cabelos. Deitou-se e cobriu-se, virada para a parede oposta à Sasuke.
– Tem algum item nessa... coisa que diga pra não desviar os olhos da nudez um do outro? – Sasuke perguntou, passando por ela com a toalha enrolada no quadril.
– Nã-não sei – Ela disse baixinho. Dois anos de casamento e ela ainda gaguejava ante às ocasionais provocações dele. – Mas e-eu tenho quase certeza de que há algum dizendo p-para não constranger sua esposa desde jeito.
– Hm. – O homem murmurou com simplicidade, vestindo a calça de flanela e afundando o colchão ao lado dela com o peso de seu corpo.
Gostava quando Hinata dava uma resposta à altura. Gostava, também, de provocar a vermelhidão nas bochechas dela, muito embora não o fizesse com frequência. Não eram indiferentes à presença um do outro, mesmo que não chegassem a ser amigos, de fato. Eram companheiros. Usavam sufixos carinhosos na frente de outras pessoas, cortesia das duas famílias que eram extremamente tradicionais. Dividiam o quarto e a cama, mesmo que houvesse outros quartos na casa. Sentavam juntos a mesa para as refeições. Atendiam às reuniões de família e de amigos como casal. Não passava muito disso, entretanto. Hinata cuidava bem dele e das coisas deles, mas ele sabia que o matrimônio que compartilhavam era um vazio no meio da vida dela. Às vezes ele sentia muito.
Às vezes, nada.
– Boa noite – A voz suave dela soou enquanto os dedos finos tateavam acima da cabeceira da cama em busca do interruptor.
– Não.
– Ah...? – Ela abaixou a mão e virou-se para ele, o cheiro limpo e masculino atingindo suas faces. Sasuke estava muito perto de si, e se aproximando mais. E mais. Hinata não se mexeu. O homem estendeu a mão por cima dela e pegou aquele bendito papel arroxeado que estava sobre o criado mudo dela, então voltou para seu lado da cama e sentou-se, analisando as instruções. – Não?
– Hoje é o dia um.
– Sasuke. A gente não precisa f-fazer. – Ela também içou-se para cima, os cabelos escorregando pelo pescoço alvo e ombros desnudos quando reacomodou-se ereta. Não era possível que Sasuke estivesse levando aquilo a sério. Não era possível que ele quisesse fazer. Havia itens ali que a deixavam sem graça só de estarem impressos no papel.
– Você insistiu. – Ele ergueu uma sobrancelha e ela quis enfiar a cara no travesseiro. Não, não, não.
– Só porque você estava c-claramente irritado e eles não pareciam que i-iam ceder. Pensei em fazermos só as que p-precisassem de dois casais.
– A senhora quer trapacear. Tsc. – Sasuke não podia evitar, implicar com a esposa era algo que o aprazia. Não que quisesse realizar as missões bobas propostas, mas...
– Sasuke – Ela protestou, sentindo, mais uma vez, o rosto esquentar. Por que ele estava fazendo aquilo? Não tinha o mínimo sentido. – Você q-quer fazer? Vamos f-fazer. – Hinata gostaria que não tivesse gaguejado, para que suas palavras tivessem tido mais impacto.
Ela podia jurar que ele tinha sorrido e ela não tinha ideia do por quê.
– Certo.
– D-deixa eu ver esse papel – Ela pegou as instruções das mãos frias dele e voltou a analisar as tais missões. Respirou fundo. – A primeira diz pra ficarmos até tarde conversando...
– Eu li.
– Ah... – Iam realmente seguir aquele cronograma. Hinata tentou focar no item atual e ignorar os outros, que achava mais absurdos do que simplesmente bater um papo com seu marido.
Não que jogar conversa fora com Sasuke fosse exatamente fácil...
– Acho que o jeito mais simples de começar é faz-zendo um jogo de perguntas e res-respostas. – Sugeriu, voltando a repousar a folha no móvel ao lado da cama.
Perguntas e respostas. Não era muito agradável a Sasuke essa ideia. Sua vida não era um livro aberto. Olhou para Hinata e notou que as bochechas dela permaneciam vermelhas. Diabos, não podia voltar atrás agora sem passar por cima de seu próprio orgulho.
– Com quem foi seu primeiro beijo? – O homem deixou a primeira pergunta que veio à mente escorregar por seus lábios.
Ah.
Hinata sentiu que suas bochechas esquentarem mais, se é que aquilo era possível. Respirou fundo, tentando fazer seu rosto voltar à coloração normal.
– Você e-estudou comigo a vida toda, Sasuke. Não imagina com quem tenha s-sido?
– Não. – Ele disse simplesmente. Ele nunca fora muito de prestar atenção à fofocas escolares, muito menos às referentes à discreta herdeira.
– Bom... – Ela sorriu. Claro que ele não sabia. – Você quer a versão r-real ou a oficial?
Certo, então Hinata tinha duas versões sobre seu primeiro beijo. Sasuke nunca pensou naquela mulher como uma caixinha de surpresas, mas, bom, era o que era. Ergueu uma sobrancelha de forma quase imperceptível:
– Ambas.
– B-beijei uma menina d-de outra escola, Tomoyo, numa das viagens interclasse do colégio. – Hinata soltou num fôlego só. Era menos constrangedor daquela maneira.
Sasuke não pode evitar a surpresa. Ora... Quem poderia imaginar uma coisa daquelas? Hinata era tão retraída...
– Era verdade ou desafio... A-acabei pegando desafio. Não tinha pra onde correr... – Ela se lembrou, olhando para as mãos. – Tayuya começou uma provocação sobre eu ser medrosa d-demais para fazer esse tipo de coisa.
– Então você beijou alguém que você não queria pra satisfazer outras pessoas que não tinham nenhuma relevância. Entendi. – Ele soltou o comentário de forma displicente, olhando com serenidade o rosto da tímida mulher. Soara cruel, mas ainda mais cruel era forçar uma criança tímida e insegura a um beijo que ela não queria, Sasuke pensou severamente. Hinata não deveria ter-se sujeitado a algo assim em idade nenhuma.
– É, Sasuke. – Ela suspirou. Odiava quando ele soava sarcástico daquele jeito. Ela poderia discutir ou tecer comentários ácidos, mas suspirou, resignada.
– E versão oficial...? – Perguntou, antes que o clima pesasse de vez. Sasuke irritava-se com o fato de às vezes não controlar seu gênio ríspido.
– Ah. – Um olhar de ternura brilhou brevemente nos olhos dela. – Foi com Neji. Um romance de infância durante uma primavera passada na casa dos pais dele, em Kyoto.
– Esse foi seu segundo beijo, que você conta pra todos como primeiro.
– Foi... – As faces dela finalmente abandonaram o tom avermelhado que parecia ser permanente durante aquela conversa. Neji era território seguro no coração dela, e ela não via como aquilo poderia constrange-la perante Sasuke. – Me conta sobre a primeira viagem que você fez e consegue lembrar.
Primeira viagem... Os olhos de Sasuke se enevoaram um instante, Hinata imaginou que era devido ao esforço de revirar as gavetas da mente atrás da informação requisitada.
– Bom, fomos à praia, otouto-san, okaa-san, Itachi e eu. – Um dos raros sorrisos pintou o rosto do Uchiha mais novo. – Itachi me ensinou a pular ondas... Eu adotei uma estrela do mar como bichinho de estimação, mas Itachi disse que eu tinha que deixa-la na praia, para que ela não morresse. Eu quis chorar, mas, como não queria que a estrela morresse, deixei lá. – Sasuke ficava realmente bonito sorrindo, Hinata pensou, e mal percebeu que seus próprios lábios também estavam curvos num sorriso terno. O homem a encarou, aproximando a mão masculina do rosto dela e colocando uma mecha de cabelo rebelde atrás da orelha de Hinata. – Por que você está vermelha de novo?
– N-nada – Ela segurou a mão dele que estava em seu rosto, entrelaçando os dedos de ambos, pousando-as em seu colo – É muito bonito o jeito que v-você fala de Itachi.
– Ele foi meu herói de infância – Sasuke olhou pra baixo, pensativo – Provavelmente seria meu herói da vida adulta se ele tivesse atingido essa fase também.
– Desculpa, heika. N-não queria te deixar triste. – Ela encostou a cabeça no ombro dele, brincando com os dedos masculinos que permaneciam firmes entre os seus, sobre seu colo. Sasuke não costumava falar sobre Itachi. Nem sobre heróis. Nem sobre sentimentos. Na verdade, Sasuke não costumava falar, mas ela também não... Hinata fechou os olhos. Sasuke parecia realmente decidido a ir até o fim daquele jogo, mesmo que aquilo significasse se abrir mais a ela? Estaria ela também disponível a atar nós firmes aonde existiam apenas fios soltos sobrepostos? – Eu gostaria de ser um modelo pra minha irmã também, mas n-nunca tivemos contato o suficiente. Hanabi e-estuda no exterior e eu... bem... Não tenho muito o que m-mostrar. Nada especial, nenhum atrativo ou atributo extraordinário – Deu de ombros, continuando a falar baixinho, confortavelmente instalada no braço do marido. – Estudei... Fiz a m-minha faculdade. Não me aventurei em n-nenhuma dessas coisas que os universitários geralmente fazem... – respirou fundo, o cheiro masculino de Sasuke dançando por suas narinas – Me c-casei e estamos... aqui...
Sasuke observou a mão pequena de Hinata relaxar entre seus dedos, a respiração se acalmando até assumir um ritmo regular. Ela adormecera, ele constatou, sorrindo de leve. Não era tão tarde, ele observou, ao olhar o relógio e constatar que era pouco depois da meia noite. Mas Hinata não era acostumada a ficar tanto tempo acordada. Nem a conversas tão emocionalmente densas como a que tiveram. Sentia apenas pelo fato de ela ter adormecido antes que pudesse contestá-la. Era extraordinária a capacidade dela de se doar pelos outros. Se doara para o pai, para a empresa, e, agora, para ele. Tinha de admitir que Hinata tinha uma alma pura e a mais bonita que já conhecera.
O homem estendeu a mão livre até o criado mudo e pegou o celular, abrindo a câmera. O dia um havia acabado, mas ainda faltava o registro... Todos os dias deveriam ser fotografados, pelo que se lembrava. Tirou um retrato das mãos deles entrelaçadas; outro da cabeça dela repousando em seu ombro enquanto ele depositava um beijo na testa feminina. Depois, ajustou melhor a posição de ambos na cama, pois deveria ele também dormir. Muito embora Hinata, em seu sono, tivesse virado de frente para ele, e ele permanecesse de barriga para cima, ele adormeceu sentindo-se abraçado.
As mãos permaneceram unidas.
