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Cuspi, apenas.
Nem mesmo a audição inevitavelmente comprometida pela idade poderia obstruir a lembrança vívida da voz de sua (há muito) falecida mãe lhe dizendo "eu não vejo minha filha gostando de algo tão torto. Você se casará, Sakura, com alguém decente e honrado", enquanto ela, adolescente, chorava por suas irremediáveis feridas no coração que teimava em bater.
Sakura guardou aquelas palavras que interromperam subitamente seu choro devido ao choque. Ela as guardou bem, em um lugarzinho ao lado do coração ainda vivo, forte; e torceu para que fossem verdadeiras... Ainda que soubesse a verdade. Ela jamais teria um amor mediano.
Agora, com seus olhos envolvidos por rugas, a pele de suas pálpebras – e de todo seu corpo – mole e frágil, vulnerável a qualquer cortezinho, ela assistia o pequeno filme do que fora sua vida amorosa desde aquele momento. E de tudo aquilo, com um sorrisinho, ela abstraiu apenas as intermináveis esquivas de sua parte para com rapazes "direitos, decentes e honrados". Ela assistiu, novamente, todos os seus amigos casarem-se, terem filhos, e esses filhos terem suas próprias crianças. Todos eles felizes... Acabaram com mãos enrugadas entrelaçadas umas nas outras.
Um encaixe perfeito.
Tudo isso enquanto as suas próprias mãos enrugadas jaziam espalmadas para cima, como se esperando por um aperto. Não qualquer um. O aperto que ela esperou durante toda uma vida.
Seu cérebro que com o passar dos anos a lembrara de esquecer-se de tantas coisas continuou, naqueles últimos segundos, a martelar aquela angústia silenciosa que foi perceber que ela jamais seria capaz de enxergar o rosto de outros rapazes. Eles eram sempre muito pacatos para ela. Muito medianos. E, também, não tinham olhos ônix apáticos.
Tampouco se dirigiam a ela como "irritante".
Tudo passou com a conformação. Eventualmente ela até mesmo passou a se sentir feliz com sua condição solitária para segundos e terceiros, porém completamente preenchida para ela mesma. Não havia tal coisa como vazio.
Tornara-se o espelho de sua mestra, Tsunade. Ótima ninja médica. Perfeita! Muito bem vista por toda a vida, salvou muitas vidas, e sequer por um minuto teve a sensação de que a sua própria estava escorrendo, desperdiçada, por entre seus dedos. Nem mesmo agora, sabendo que seu corpo aproximava-se da falência rapidamente. Seus amigos tiveram o casamento que ela nunca teve. Os filhos e netos com os quais ela jamais sonhou. Os jantares em família nos quais ela era mera agregada.
No entanto, não desfrutaram do aperto de mão confortador que de, tão bandido, mesmo nos últimos segundos de seu respirar, de sua morte desconfortavelmente pacífica, se recusou a vir. E mesmo assim... Ela sorria. Sorria justamente por saber que jamais teria um amor mediano ou, sequer, um amor de qualquer jeito convencional e piegas.
Coisas que nunca aconteceram não podem ser maculadas, nem têm tempo para se tornarem medíocres. Essas são, simplesmente, eternizadas.
