Capítulo 1

15 de Outubro de 1839 (terça-feira)

[…]

Anoitecera.

Ele caminhava pela galeria, iluminada por dezenas de velas, ao encontro da rainha.

Ela estava junto à lareira acesa – com o seu vestido rosa claro e o arranjo do cabelo enfeitado com gardénias – e olhava o fogo que ardia.

Quando bateu com os olhos nela o coração saltou dentro do peito e ele pensou: como está bonita!

Victoria virou-se e olhou-o nos olhos.

- Disseram que gostaria de me ver…Senhora.

- Lord M…

Ela hesitou alguns segundos e depois, enquanto caminhava até junto dele, com ar de preocupação pela forma como ele iria reagir, continuou:

- Eu não fui capaz! Agora eles vão todos repreender-me, talvez até você discorde, Lord M, mas eu não podia dizer algo que eu não sentia.

Fixou o olhar nele à espera de uma reação.

Ele ficou um pouco preocupado com o que iria ouvir a seguir, mas sentiu que ela procurava o apoio dele para a opção que tinha tomado, fosse ela qual fosse.

Reparou que as gardénias que ela usava não podiam ser dele.

- O que se passa, Senhora? – Perguntou no tom de voz baixo e suave que sempre usava para falar com ela.

- Eu não consegui pedir Albert em casamento! Vesti-me desta forma para isso, mas não fui capaz de o chamar à minha presença.

Ali estava a justificação para que as gardénias não fossem dele!

Ela continuava:

- Ele vai embora amanhã! Eu não podia casar com um homem arrogante que me trata como se eu fosse uma miúda e que não me respeita ao pôr em causa a minha própria forma de governar e até a minha relação convosco. Eu e ele não combinamos, Lord M!

William Lamb, no mais profundo de si mesmo, sentiu um alívio secreto pelas palavras que acabava de ouvir. Ela não ia casar com aquele alemão mecanizado! Por enquanto ela continuaria a ser só dele! Pelo menos da forma que tinha sido até agora, na relação de amizade que mantinham, no tempo que passavam juntos, nas conversas diárias de horas intermináveis.

Concentrou-se. Era preciso dizer aquilo que seria mais adequado na situação: manter a sua posição de que ela devia casar e, ao mesmo tempo, fazer-lhe sentir que não tinha feito nenhuma asneira, para lhe poder dissipar a preocupação que ela sentia.

- Compreendo, Senhora. Acho que só deve propor casamento a alguém quando sentir que essa é a escolha certa. De qualquer forma outros pretendentes surgirão. – Disse.

- Obrigada, Lord M! – Victoria agradeceu, enquanto sorria para ele de forma terna. – Fico mais descansada por saber ter o seu apoio.

No dia seguinte Albert e o seu irmão Ernest preparavam-se para partir para Coburgo. Victoria veio despedir-se deles no exterior do palácio, junto da carruagem que os levaria.

- Adeus Albert, lamento que tenha vindo de tão longe sem ter obtido nenhum resultado. Mas eu acredito que compreende a minha posição. Nós não temos muito em comum. – Afirmou a rainha.

- Não se preocupe. Eu entendo. Adeus Victoria. – Respondeu Albert secamente, com ar de quem se sentia desprezado, e entrou na carruagem.

O rei Leopold e a duquesa de Kent acompanhavam Victoria na despedida. Quando voltaram para o interior do palácio Leopold caminhava repreendendo Victoria pelo que não tinha feito:

- É inacreditável, Victoria, quando tudo parecia estar tão bem encaminhado, que você não tenha pedido Albert em casamento! O melhor pretendente que podia ter! Como é que foi capaz, depois dele ter vindo até aqui, com as melhores intenções, de o mandar embora desta forma?

Victoria sentiu-se pressionada e invadida na intimidade dos seus sentimentos. Não ia admitir aquela ingerência na sua vida e era bom que marcasse uma posição firme em relação a este assunto se não queria que ele se tornasse uma pressão diária. Parou-se no corredor, olhou para o tio Leopold e para a sua mãe e disse decidida:

- Eu sou a rainha de Inglaterra e eu é que decido se me devo ou não casar, quando e com quem! A partir de hoje eu não admito que ninguém volte a falar deste assunto na minha presença. Quando eu achar que chegou o momento de casar eu mesma vos informarei!

E continuou a percorrer o corredor em passo apressado, quase a correr, deixando Leopold e a duquesa parados no corredor a olhar um para o outro enquanto Leopold ainda disse:

- Quando, você até pode decidir, com quem, será mais difícil!

Victoria entrou no quarto e fechou a porta. Queria estar sozinha e apetecia-lhe chorar. A pressão dos últimos dias tinha sido intensa. Tinha sido duplamente terrível, estar a ser obrigada a casar com uma pessoa que não amava e, ainda pior do que isso, quando amava perdidamente alguém que não podia ter. Sentira-se quase como se estivesse a ser condenada numa sentença de morte, à espera do momento final, até que a pena tinha sido comutada, e por ela própria, ao ter sido capaz de suportar a pressão e de não pedir Albert em casamento. Lembrou-se de como se tinha sentido contrariada quando se penteara e se vestira para fazer o pedido pelo qual todos ansiavam, mas ela não. Atirou-se para cima da cama e começou a chorar. Baixinho, não fosse alguém ouvir. Dash saltou para cima da cama e veio lamber-lhe a cara. Agarrou o cão e deitou-se de costas a olhar para as cortinas do dossel.

Se William correspondesse ao que eu sinto por ele…- Pensou.

Na copa, as apostas dos serviçais, sobre com quem se casaria a rainha, ficaram todas sem efeito. Ela não ia casar nem com o russo, em quem apostara a camareira Jenkins; nem com o inglês, aposta do mordomo Penge; nem com o alemão em quem apostara o cozinheiro Francatelli. Como Skarrett não tinha apostado em ninguém o assunto não a afetava. Ela apenas achava que a única pessoa de quem a rainha gostava verdadeiramente era de Lord Melbourne!

Naquela manhã Victoria, já tranquila, vestiu o seu vestido azul claro, trazido pela Sr.ª Jenkins, pediu à camareira Skerrett que lhe colocasse flores no cabelo a condizer e mandou chamar Melbourne.

Antecipação! Era o nome deste tempo de espera em que ela sabia que ele ia chegar a qualquer momento. Era aflitivo e maravilhoso ao mesmo tempo! Ela ficava ansiosa desejando que ele chegasse rapidamente mas, ao mesmo tempo, este tempo de espera era carregado do prazer da antecipação. A expectativa era deliciosa, provocava uma ebulição dentro dela!

Ele chegou apressado à presença da rainha que o aguardava de pé na sala do piano, com três enormes janelas por onde entrava a luz da manhã.

- Perdoe-me por me atrasar, Senhora. Não costumamos nos encontrar tão cedo. - Disse enquanto caminhava pela sala até ela, se ajoelhava e lhe beijava a mão.

Ele ia pegar na mão dela como fazia tanta vez. Era um gesto simples e que se tornara corriqueiro. Mas era a única forma dela ter contacto físico diário com ele. Todavia, era tão rápido, tão fugaz…Mesmo assim ela tentava sempre medir, naqueles segundos, se daquela vez ele teria segurado a sua mão durante mais tempo, ou se a intensidade ou o tempo de duração do encosto dos lábios tinha sido maior… Depois, à noite, registaria as impressões dessa manhã no seu diário.

Ela estava próxima de uma das janelas e Melbourne notou como a luz insidia sobre o lado direito do seu rosto tornando-o ainda mais belo.

- Lord M, ontem tomei uma decisão muito importante. – Disse a rainha.

- Sim, Senhora…? - Perguntou, ao mesmo tempo que sentiu um leve arrepio interior e ficou na expectativa de saber o que ela diria a seguir. Já fora confrontado com a sua imprevisibilidade, que favorecia que ela lhe aparecesse de forma inesperada ou que o mandasse chamar com urgência para lhe comunicar informações que, normalmente, exigiam da sua capacidade para disfarçar os próprios sentimentos.

- Não me vou casar! - Afirmou Victoria de forma muito perentória.

- Não? – Perguntou Melbourne, surpreendido. Embora esta opção já tivesse sido falada entre ambos ele quisera acreditar que o seu poder de persuasão a tinham convencido de que ela devia casar. Ainda que já soubesse que ela não o ia fazer com Albert, aguardava que, com o passar de algum tempo, surgisse outra hipótese que ela viesse a considerar.

- Não, vou viver sozinha, o resto da minha vida. Afinal, como você mesmo me disse, nem todas as rainhas casam. – Continuou.

- Mas nós já tínhamos considerado que o melhor para si, Senhora, era ter alguém a seu lado…- Ele ainda tentou argumentar.

- Não vamos voltar a essa conversa, Lord M! – Interrompeu ela enquanto se afastava um pouco para a lateral direita dele.

- Está gasta e não me convence. – Rematou.

- Desculpe, Senhora! – Pediu Melbourne enquanto rodava sobre si para o lado direito, na direção dela.

- Mas e a vossa mãe e o vosso tio, já sabem disso? – Perguntou.

- Não! E conto convosco para não lhes contar. – Pediu Victoria.

- Por mim, Senhora, pode ficar descansada. Mas eles não vão desistir dessa ideia.

- Vão sim. Eu disse-lhes que precisava de tempo e que quando eu achar que é hora de casar eu mesma comunicarei esse meu desejo. Ganhei tempo e coloquei o assunto em espera. Mas no fundo não tenho nenhuma intenção de o fazer.

- Estou a ver. – Concluiu Melbourne.

Então ela lembrou-se de outra coisa e para mudar de assunto disse:

- Ah, Lord M…Eu tenho um pedido de autorização de casamento para despachar do seu secretário de estado dos negócios estrangeiros, Visconde Palmerston…Creio que a noiva, Lady Emily Lamb, é a vossa irmã, certo?

- Oh, sim, Senhora.

- E o que devo fazer? Acha que posso autorizar?

- Acho que sim. Eu e o meu irmão Frederick não temos visto com bons olhos esse relacionamento porque eles eram…amantes…Mas agora ela está viúva, desde que Lord Cowper morreu, em 1837. À partida Palmerston não é a melhor escolha porque tem sido um mulherengo… Frederick também não é favorável ao casamento, mas eu… Eu e os meus irmãos temos uma relação próxima. Ainda que eles também não tivessem tido uma boa relação com a minha mulher, mas os motivos eram óbvios…

- Muito bem, será deferido.

Perante uma atitude tão firme dela quanto a não se querer casar Melbourne não teve coragem de voltar a lembrar-lhe que não poderia ser seu primeiro-ministro para sempre. Ela não queria ouvi-lo dizer isso. Mas agora colocava-o numa posição ainda mais difícil. Por um lado, ele não podia aliviar o seu aconselhamento junto dela, o que se esperava que um marido viesse fazer. Por outro, isso exigiria a continuidade da relação diária o que, apesar de ser extraordinariamente agradável, era um risco que corria…

A juventude e a frescura dela encantavam-no. Gostava desta posição de confidente e de conselheiro dela. De se saber a pessoa mais próxima de Victoria. Além disso, esta colocação possibilitava-lhe saber o que ela pensava e o que sentia, esperando que essa vantagem lhe permitisse evitar que as coisas alguma vez se descontrolassem.

Nenhum relacionamento poderia ser mais fascinante do que aquele que ele tinha com a rainha. Provavelmente, nenhum outro homem antes dele tinha preenchido o lugar que ele ocupava na vida de uma menina/mulher com a qual não tinha laços de sangue e a quem não estava unido pelo matrimónio, mas que, ao mesmo tempo, era sua rainha, sua aluna, sua amiga…E que poderia ser sua filha ou… sua esposa…

Leopold achou que já não fazia nada em Inglaterra, a sua missão de casar o sobrinho Albert com Victoria falhara. O melhor era voltar para a Bélgica.

Foi despedir-se de Victoria que estava sentada ao piano, fingindo-se ocupada com alguma coisa que lhe desse uma desculpa para não olhar para ele.

- Victoria, minha querida, chegou a hora da minha partida. Não vem lá fora despedir-se de mim?

- Estou muito ocupada, como vê…mas desejo-lhe uma boa viagem. – Respondeu secamente.

- Obrigado. Desejo-lhe sorte na sua missão de governar sozinha a Inglaterra, ainda que essa condição não se possa arrastar por muito tempo… Ficarei atento ao seu reinado e a possíveis escolhas de um consorte…

O rei saiu, Victoria suspirou e fechou o piano!