Capítulo 01
O advogado aflito
Dr. Watson não pôde deixar de se espantar quando viu o saldo da sua conta bancária. Com o queixo caído e o celular na mão, piscava várias vezes em frente ao caixa eletrônico como se quisesse ter certeza do que via. Fazia uma tarde fria em Londres, como tantas outras tardes, e ameaçava chover, como sempre.
A buzina do ônibus quase não o deixou ouvir a pergunta que a voz masculina lhe fazia ao celular.
- Está tudo certo, doutor? Recebeu o dinheiro?
O médico pareceu voltar à realidade.
- Ah. Sim, sim. Eu estou vendo agora mesmo o meu saldo.
- Amanhã mesmo vou tratar da mudança. Posso buscar o senhor amanhã de manhã pra tratar do resto da papelada?
- Sim. Pode sim.
- Obrigado. Tenha um bom dia.
Uma série de carros passou cruzando as costas de John, e só então o médico se lembrou que estava num lugar bastante movimentado em pleno horário de almoço. Depois de ter uma quantia tão generosa depositada em sua conta a última coisa que iria querer era um sequestro relâmpago. Afastou-se do autoatendimento e pegou o primeiro táxi que encontrou. Sherlock ficaria feliz com a notícia, ele presumia. Nas últimas semanas insistiu para que o doutor largasse a casa com seu consultório particular e voltasse a morar com ele. Insistiu bastante, diga-se de passagem. Pessoalmente, via e-mails, mandando sms... Não havia uma única hora que o amigo não apresentasse argumentos inéditos ou repetitivos acerca da venda do lugar modesto, até Watson concordar em fazê-lo, desde que fosse por uma quantia bem alta.
E depois de uma semana um interessado no anúncio do jornal finalmente apareceu. Estava maravilhado com o ponto, disse que faria umas reformas e, por fim, assinou o contrato de compra e venda, transferindo todo o dinheiro para a conta do médico.
John subiu as escadas do flat na Baker Street, 211b, e mal abriu a porta quando se deparou com Sherlock tocando efusivamente o auge das notas de Verão, da sinfonia Quatro Estações de Vivaldi. De frente para a janela, de costas para o doutor. Os olhos fechados, a respiração embalada, o braço movendo com rapidez explosiva o arco pelas cordas transmitindo uma emoção que despertava os sentidos de Watson e fazia o coração dele bater mais rápido. As últimas notas soaram como trotar de cavalos e terminou com uma semibreve. Em seguida, Holmes ergueu os braços para um público invisível e deixou o violino no suporte, antes de virar-se para John.
- Chegou mais cedo que de costume. Vendeu o seu consultório particular, eu presumo.
- Acertou. - Respondeu o médico retirando o casaco - Vendi pra um colega de profissão chamado Vener. Bem jovem, mas com muito dinheiro. Acho que ele queria muito o lugar porque... - E então viu um sorriso aquilino se formar discretamente nos lábios finos do amigo - Ah, não.
Sherlock ergueu as sobrancelhas.
- O que foi?
- Você está por trás disso.
Dessa vez o detetive arregalou os olhos e deu meia volta, fingindo ter que procurar alguma coisa muito importante na geladeira. O médico foi atrás, pisando duro.
- Sherlock, eu não acredito! Você forçou uma pessoa a comprar minha casa só pra me tirar de lá?
- Não seja tão dramático. Aquele lugar era pequeno, barulhento e quase não entrava ar ali dentro. - Ainda nervoso, o detetive abriu a geladeira e pegou uma garrafa d'água para encher o copo, mesmo não estando com sede. - E ninguém falou em forçar.
- Se não forçou, o que fez?
- Digamos que Mycroft não é o único na família a quem todos devem favor.
John abriu a boca, mas não soube o que dizer. Mesmo que já estivesse acostumado a relacionar o amigo a qualquer absurdo, sempre se surpreendia com alguma coisa. Limitou-se então a fechar os olhos, respirar fundo e girar os calcanhares.
- Quer saber? Eu vou cancelar o negócio.
- Não! Espere, John! - Sherlock agarrou-lhe o braço e o fez virar-se - Não sejamos precipitados, tenho certeza que meu primo Dave fará bom uso daquele estabelecimento.
- Oh, meu Deus! Ele é seu primo!?
- Um primo de segundo grau que sempre quis ter o próprio consultório e graças a nós vai poder realizar o sonho dele. Não é maravilhoso?
A cara de pau do detetive era tanta que o médico estava sem palavras. Watson fez uma careta e tentou se soltar, mas Sherlock pareceu ter previsto esse movimento e passou a segurar-lhe os dois braços.
- Você é louco! Só pode! - Concluía John.
- Não pode chamar de louco uma pessoa que apenas quis fazer uma boa ação para um parente distante.
- Seu primo nunca compraria aquele ponto se você não o convencesse!
- Não formule teorias ilógicas.
- Isso não é ilógico! E quer me soltar?
De repente a porta se abriu num estrondo e os olhares dos moradores se direcionaram a ela com certa apreensão. Um rapaz estava de pé na entrada. Cabelos loiros desalinhados, olhos muito arregalados, suava frio e olhava ora para Sherlock, ora para John, como se tivesse que escolher entre os dois.
- Sherlock Holmes! - Chamou o visitante - Desculpe se estou atrapalhando vocês, mas o senhor precisa me ajudar!
- Atrapalhando? - Watson sacudiu a cabeça confuso.
Holmes largou o amigo e indicou o sofá ao desconhecido para que ele pudesse se sentar.
A pessoa que os visitava suava frio e mantinha as mãos unidas, o ar pesado e a respiração acelerada enquanto os pés tamborilavam no chão. Sherlock manteve-se de pé em frente a ele, olhando-o fixamente com a mesma calma e atenção que se dá a uma amostra de tecido epitelial sob a lente de um microscópio. A camisa de seda social apresentava um botão fora da casa, que mexeu com o alinhamento de todos os demais botões. Havia uma pasta cheia de papeis colocados ali sem ordem, um anel de direito num dedo que algum dia já forma mais magro e que agora dificilmente conseguiria se livrar da joia, duas marcas de olheiras abaixo dos olhos e um cordão dourado que deixara uma marca vermelha na pele do pescoço. Sherlock deu um longo suspiro.
- Seja breve, detalhado e qualquer coisa menos chato.
- Sou John Hector McFarlane! Isso não quer dizer nada?
- Claro que não. Sei que é um advogado que trabalha num escritório, mas ontem, no fim do expediente, decidiu rapidamente visitar um cliente valioso. As coisas não saíram como você esperava, então precisou sair às pressas e passar a noite num hotel barato que o fez ter uma péssima noite de sono. Fora isso, não posso dizer que sei de algo sobre você.
McFarlane ficou boquiaberto.
- Sherlock. - John havia se posicionado ao seu lado e agora lhe estendia o jornal bem na página com a foto do cliente estampada no centro da matéria titulada como "Advogado suspeito de matar fundador das Empresas Oldacre".
O detetive ergueu uma das sobrancelhas.
- ... Oh.
- Eu preciso que o senhor prove minha inocência! - Pedia McFarlane recuperando-se do choque.
- Considerando que o advogado aqui não sou eu e sim você...
Watson sentou-se numa poltrona e observou mais atentamente o cliente, que passava as mãos pelos cabelos loiros e suados.
- Oldacre ligou para meu escritório pra formalizar o próprio testamento e me pediu para ir até a casa dele. Eu não queria perder a oportunidade e acabei indo, mas quando cheguei lá, ele estava jogado no chão do escritório. Morto! Isso faz de mim o principal suspeito!
Sherlock mantinha os dedos unidos na direção dos lábios enquanto escutava seu cliente.
- Quem abriu a porta pra você?
- A governanta dele. Não sei o nome.
- Em que posição ele estava?
- De bruços.
- Havia alguma janela aberta?
O cliente balançou a cabeça desnorteado:
- Não sei, acho que sim.
- Como assim, acha? Deus, John, veja só isso? Um advogado está desesperado por minha ajuda e sequer consegue me narrar os fatos! - Sherlock sacudia as mãos de forma teatral - Claro que o senhor é o principal suspeito, McFarlane! Qualquer um acreditaria que entrou lá e matou Oldare ao... - Então parou de falar com os olhos quase saltando a face, as mãos espalmadas para frente e o ar de quem estava tendo uma epifania. - Espere. Quem viu você na cena do crime?
- O mordomo dele. Quando me viu, avançou em cima de mim e chamou a atenção dos outros empregados. Eu... Eu não sabia o que fazer e sai da casa correndo! Agora a imprensa publicou a matéria e a polícia está atrás de mim!
- Fantástico.
- Que!?
- Sherlock, não... - John massageava o cenho e escondia o rosto ao mesmo tempo.
- Obrigado por me tirar de um possível tédio, McFarlane. - O detetive estava tão ansioso que seus movimentos eram frenéticos enquanto colocava a echarpe em volta do pescoço. - Pode se esconder da polícia enquanto doutor Watson e eu fazemos um passeio pela Lower Norwood.
- Como sabe o endereço? - Perguntou o cliente num misto de medo e surpresa.
- Tenho um tio banqueiro que estragava toda a reunião de família falando de suas transações com esse defunto. Agora saia daqui se não quiser ouvir as histórias da senhora Hudson. John, vamos.
Segundos depois, a dupla estava descendo as escadas da pensão às pressas, com o detetive à frente.
- Isso é perfeito, John. E eu que achava que depois da morte de Moriaty as coisas ficariam entediante demais.
- Pare de agir como se fosse um maníaco. Da última vez tive que vê-lo despencar de um prédio.
- Não posso evitar. É o calor da emoção. Táxi!
O primeiro táxi que passou por eles parou e ambos adentraram.
- Não vai me perguntar como deduzi o que aconteceu com ele?
- Hm... Você olhou para a pasta, para a roupa e para o anel, certo?
- O anel dificilmente conseguirá sair, o que mostra que ele nunca o tira. Certamente tem uma rotina profissional com horário para cumprir e o anel é tão obrigatório quanto uma aliança num casamento. Os documentos haviam sido colocados de qualquer jeito na pasta, mostrando que ele estava com muita pressa. Poderia estar atrasado pra um encontro, recebido a notícia de alguma fatalidade ou um cliente promissor o teria chamado. As olheiras indicam que ele não dormiu bem e a camisa foi abotoada às pressas. Estava se escondendo. Então o motivo que o fez sair do escritório tinha terminado mal. A razão da pressa então não poderia ser a morte de um parente, pois isso não o levaria a se esconder depois de visitar o local. A tragédia aconteceu sem que ele esperasse. Uma namorada ou um cliente. Só que ele usa um cordão de cobre que obviamente está irritando sua pele, mas não o tirou nem pra dormir, o que significa que está tenso demais para perceber esse detalhe. Isso não se enquadra em um encontro. Restou então a visita ao cliente.
John olhou para cima e passeou o olhar de uma ponta a outra.
- Isso... Continua sendo incrível.
Sherlock sorriu sem mirá-lo.
Lestrade deu meio giro na cadeira da sua sala enquanto falava ao celular sobre questões do ofício. A sede da Scotland Yard não estava tão movimentada, muitos agentes já haviam saído para almoçar e aquilo facilitava a concentração do inspetor. Após desligar o celular, dedicou o resto do seu tempo para ler um depoimento de Mortimer Tregennis em uma apuração de suposto envenenamento.
Mal sabia ele que uma hora depois seria obrigado a deixar de lado tudo o que estava fazendo depois de Sherlock insistir em saber todos os pormenores acerca do assassinato de Oldacre, extinguindo qualquer fio de paciência que poderia restar no policial.
- A polícia está atrás dele, Holmes, deveria ter entregado-o. - Disse o inspetor deixando a pasta em cima da mesa.
- Eu não sabia que vocês já tinham decidido prendê-lo. Agora me conte o que sabe.
- Não há nada pra você investigar. Os dados apontam ele como culpado.
- Eu ainda não tenho os dados para tirar essa conclusão. Ainda não vi o corpo, e mesmo tendo passado na mansão Oldacre antes de vir pra cá, o advogado sequer sabe me dizer se as janelas estavam abertas ou não. Típica resposta de quem passou por uma experiência enervante, não concorda? Pessoas emocionalmente abaladas dificilmente prestam a atenção nos detalhes.
- As janelas abrem por dentro e estavam fechadas de acordo com os empregados. O único meio de entrar naquela sala era pela porta.
- Até uma criança concluiria isso. Assim como concluiria que é muito estranho que um advogado colocaria tudo a perder entrando pela porta da frente, sendo visto por todos os empregados, e o matasse.
Lestrade balançou a cabeça e abriu uma gaveta embutida na mesa de trabalho.
- A morte foi causada por uma lesão no crânio e o assassino teria usado isso. - O "isso" se referia a um globo de vidro com uma miniatura da Torre Eiffel coberta com falsa neve quando alguém o balançava. Estava manchado de sangue e possuía uma pequena lasca - Esse peso de papel estava na ponta da mesa. Oldare nunca teve um bom temperamento. Pode muito bem ter ofendido McFarlande, que, num acesso de raiva, o atingiu com isso. Esse globo foi a primeira coisa que Mcfarlande pegou para acertá-lo. Um único golpe no lugar certo é o suficiente pra matar alguém.
O detetive fechou a boca. Watson levou o olhar ao amigo esperando um posicionamento que não veio, e, ao perceber isso, Lestrade deixou escapar um curto riso, orgulhoso de si mesmo.
- Admita, Sherlock. Você acabou se deixando levar pelo desespero dele.
Não houve resposta. Sherlock baixou a cabeça e permaneceu pensativo por um instante. Em seguida colocou as mãos nos bolsos do sobretudo e encarou o inspetor mais uma vez.
- Talvez tenha razão. - E virou-se em direção à porta - Vamos, John.
Sem acreditar no que acabara de presenciar, o médico o seguiu.
O trânsito pós horário do almoço era um dos piores de Londres, e a fumaça dos carros se juntavam às nuvens pesadas para deixar a cidade mais cinza. Holmes e Watson saíram da delegacia a passos rápidos. O primeiro mergulhado em seus pensamentos e o segundo inconformado.
- Está brincando? - Inquiria o médico - Como pôde simplesmente acolher aquela teoria do Lestrade?
- Se ela não convenceu nem mesmo você, imagine a mim. - Comentava o detetive com voz pra dentro, uma vez que ele estava mais concentrado nos pensamentos - Mas não temos argumentos suficientes para contestá-lo. Fazer isso seria desperdício de energia. E ainda temos que examinar o corpo.
John colocou as mãos nos bolsos e direcionou seu olhar a uma lanchonete próxima.
- Podemos passar em algum lugar pra comer antes de irmos falar com Molly? Não almoçamos e estou faminto.
O detetive parou de andar.
- É mesmo. Você está sempre preso aos seus hábitos alimentares...
- Sim. Diferente de você eu sou um ser humano normal e preciso comer.
- Isso poderia ser bem oportuno. - Afirmava num breve devaneio.
- Quê?
- Você quer ir para aquela lanchonete, eu vejo. Mas tenho uma ideia melhor. - E antes que Watson perguntasse qual era a ideia, Sherlock aproximou-se dele e segurou-lhe o pulso. - Vamos almoçar juntos.
O médico sacudiu a cabeça confuso. Os olhos de Sherlock estavam fixos demais nele durante o pedido, chegando a ser assustador.
- Ahn... - John desviou o olhar para tornar a situação menos embaraçosa - Tudo bem. O que sugere?
- Há um restaurante muito bom a duas quadras daqui. Vin à la truffe.
John fez uma careta e mirou o amigo perguntando-se seriamente se Sherlock tinha alguma noção do que estava dizendo. Chegando à conclusão de que não tinha entendido a sugestão, deixou escapar um riso de descrença que o detetive estranhou.
- Algum problema? - Sherlock o analisava seriamente.
- É... Olhe... - O médico mordeu o lábio inferior antes de continuar - Vin à la truffe é um restaurante francês.
- Não gosta de comida francesa?
- Não, não. É que... Não é um pouco íntimo demais?
Pelo olhar do detetive, a pergunta de John não tinha esclarecido nada. O médico então sacudiu a cabeça e respirou fundo.
- Ok, ok. Será como você quiser. Hm... Vin à la truffe então.
- ...
- É isso ai. - Watson repetiu - Vamos então.
Sherlock assentiu.
- Bom. - O detetive seguiu caminhando à frente.
Vin à la truffe era um lugar mais do que refinado. Amplo e com uma arquitetura em art nouveau em tons pasteis. As mesas eram redondas e ornada com uma única rosa num vaso fino e comprido transparente. Todos em volta olhavam para John e Sherlock e ninguém se preocupava em disfarçar. Dessa vez ambos comiam, embora o prato de Sherlock tivesse uma porção menor por estar comendo por obrigação.
John olhou em volta e depois para o amigo. Pensou um pouco enquanto mastigava. Perguntar se Sherlock ligava para o que as pessoas pensavam sobre eles, depois de tanto tempo juntos, era de uma ingenuidade altíssima, então balançou a cabeça e comeu mais um pedaço do filé ao molho de ervas finas.
- Então? - Perguntou o doutor com um pedaço de carne à caminho da boca - Por que escolheu esse lugar?
Sherlock apoiou o queixo nos dedos entrelaçados e o mirou diretamente.
- Eu sei que queria me perguntar se não me importo de todos comentarem sobre o nosso relacionamento, mas desistiu quando percebeu que a resposta era não e agora usou outra pergunta pra no fundo querer saber a mesma coisa.
- Ah. Usa seus métodos dedutivos para ler mentes também?
O detetive sorriu de canto.
- Você lançou um olhar desgostoso para o garçom, depois para as pessoas, depois pra mim, e quando inspirou ar para formular sua pergunta, prendeu a respiração, raciocinou acerca de todas as informações e por fim relaxou seus movimentos, voltando a comer. Não foi difícil deduzir seus pensamentos.
- Bom... Muito bom.
Sherlock ajeitou-se mais na cadeira, sem tirar os olhos do amigo.
Foi depois de outra garfada com comida que o médico o mirou com impaciência. Holmes apresentava um semblante relaxado, próximo do que se poderia chamar de contente.
- Agora pare de me analisar e responda logo a minha pergunta. Por que justamente esse restaurante?
- Seus hábitos alimentares apenas me deram uma luz. Lestrade acredita que desisti do caso, e agora acho que seria bom se ele não fosse o único a pensar assim. E se alguém estivesse nos vigiando?
- Hm.
- Quem pára na primeira lanchonete pra comer, certamente não irá logo pra casa. Por isso eu o trouxe até aqui, John. E nesse exato momento estou num encontro, torcendo pra que não apareça qualquer caso para que assim possamos ficar mais tempo sozinhos na intimidade.
Watson acabou se engasgando com o vinho e foi necessário beber um gole da água da outra taça para recuperar o fôlego. Uma conduta que fez Sherlock desfazer o fantasma de sorriso e erguer as sobrancelhas.
- Sorte sua ser um sociopata funcional - Disse o médico bebendo o resto da água e limpar a garganta - Não precisar se preocupar com as outras pessoas.
- A que se refere?
- Os outros falam de nós dois, Sherlock! Principalmente agora que me divorciei. Você nunca desmente e pra piorar quer que elas acreditem que somos amantes. - Apoiou um dos cotovelos na mesa e massageou a fronte - E fica mais evidente agora que voltei a morar com você oficialmente.
Um silêncio se fez, por um tempo longo demais. Enigmático como sempre, Sherlock baixou o olhar e depois voltou-se para a janela.
- Sherlock...?
- Hm?
- Está vendo alguma coisa suspeita?
O detetive negou com a cabeça.
- Apenas apreciando a vista... Enquanto penso se vou conseguir fuçar a árvore genealógica de McFarlane antes de Lestrade prendê-lo. Vamos, John. O que acha de tudo isso?
- Acho tudo muito estranho.
Holmes voltou a encará-lo, penetrantemente, em absoluto silêncio. Além daquilo ser muito incômodo, Watson sabia o que significava.
- Ahn... Vejamos... - O médico olhou para o teto como se tal gesto o ajudasse a raciocinar - Só havia um modo de entrar no escritório... E... Se a versão de McFarlane for a verdadeira, alguém matou Oldacre antes. Hm... Alguém que já estava na casa, talvez. - Mordeu o lábio inferior e deu de ombros - Alguém que conseguiu sair antes que o advogado chegasse, mas como? Um dos empregados?
- Boa análise. Mas a questão é: Como ele poderia ter saído?
- Acha que ele estava lá?
- Tenho absoluta certeza. E considerando que o crime aconteceu ontem, ele pode continuar lá.
- Oh...
- Temos que ver o corpo e depois revistar a casa - Fez menção de se levantar e rumar ao necrotério, mas então notou seu prato de comida intocável e permaneceu no lugar - Ah, é. Estamos num encontro.
Dessa vez Watson teve vontade de rir. E o fez de forma muito discreta, cobrindo os olhos com uma das mãos, deixando o detetive curioso.
- Francamente, Sherlock. Você nunca foi a um encontro.
- Eu estou num agora.
- Não, não. Você não está. - Ainda entretido com o desconhecimento em termos de relações sociais do amigo, John encostou-se mais na cadeira, mirando-o - E aposto que se estivesse em um encontro de verdade, não saberia como agir.
- Por que teria que ter esse tipo de prática quando consigo ler as funções neurológicas das pessoas que me acompanham e prever seus passos?
- Ah, sim. Não esqueci que você é uma máquina de pensar. - Voltou a mexer no prato com os talheres - Mas obrigado por pagar o almoço. E já que está perdendo tempo com um encontro, por que não aproveita e perde tempo comendo sua porção?
Sherlock raciocinou acerca do argumento e finalmente decidiu comer.
Continua
Enfim minha primeira fic de Sherlock (BBC). Espero que gostem. Não pretendo fazê-la muito longa.
