Legítima Defesa

Legítima Defesa

Afrodite POV

Era uma vez... uma noite sem estrelas. Vazia. O que é um céu obscuro a um soturno coração? Nada, certamente; mas onde está a consciência? Quem, em plena razão de si, julgar-se-á mau ou injusto? Sempre haverá uma justificativa própria...

Meu coração é duro, seco, disso não há dúvida. Mas... teria ele nascido assim? Não; nenhum bebê é já um homicida formado. Nenhum... eu, Afrodite, nasci Abadon e escondi-me atrás de máscaras e aparências. Não pela chamada bondade ou cortesia, mas por toda a necessidade de... continuar a ser um Cavaleiro de Atena sem levantar suspeita.

Eu, Afrodite, permaneci Abadon apenas a ele. No início intentei ficar só; não havia maneiras de confiar nas pessoas. Ao guardar certas coisas apenas para mim, eu seria auto-suficiente e indefectível. Ninguém me delataria jamais. Mas ele... ele enfim revelou-se extremamente parecido a mim na alma. Duas metades, mesmo que em outros aspectos fossem tão distintas.

A noite é escura, mas pouco importa. Meus sentimentos estão embotados, seja pelo fato de eu estar morto, seja por tudo que passei. Aliás... foi para defender-me dos fatos exteriores que tornei-me o que hoje sou. Afinal... a melhor defesa é o ataque, como dizem...

Sei que parece fraqueza, mas é exatamente isso, fraqueza e vulnerabilidade, que induzem uma alma a corrupção e à violência. A raiva nada mais é do que a irmã orgulhosa da debilidade.

Eu sei que, em nossas lógicas tortas e loucas, intentamos nos justificar através da... defesa, por mais que ela fosse aparentemente desnecessária. O ar hostil que respirávamos já era tóxico o suficiente para que pudéssemos ser corrompidos. Assim como os espinhos não são culpados por ferir alguém que, desprecavido, se encoste neles. Nascem espontaneamente, provocados pela necessidade... o que há além disso para justificar um ato danoso?

Permanecemos assim, eu e meu Cesare, durante muitos anos. Desde a adolescência como aprendizes, até a idade adulta como Cavaleiros experientes. Foi com ele que descobri o amor... engraçado, eu não dizia a ele que o amava; nem a mim mesmo que tratava-se disso. Classificava nossa relação como cumplicidade, por sermos tão similares em metas.

Mas depois... depois eu me apercebi da verdade. Amor... palavra tão estranha a alguém que sempre vem a delinqüir. Nosso pacto de confiança mútua deu certo até demais; nunca delatamos um ao outro a quem quer que fosse.

A morte nos encontrou e nos buscou, no fatídico dia em que os tais Cavaleiros de Bronze invadiram as Doze Casas em busca da verdade. Verdade... algo antes tão subjetivo a mim e a Cesare... ou Máscara da Morte... uma das minhas máscaras também.

Morremos. Encontramo-nos no submundo, como era de se esperar, pois nossos erros foram praticamente iguais. Condenados ambos ao mesmo suplício... tudo que sobrou em nossa ruína foi um sorriso cínico e sarcástico aos que nos fadaram ao tormento, como que dizendo: "Vocês não terão nossos ais de sofrimento".

Ficamos juntos, sem leme em meio à escuridão. Aliás, tínhamos um leme, um único. Éramos a direção e a referência um do outro... até a hora em que o espírito de Hades, o imperador do mundo das trevas, passou a despertar. O ex-Grande Patriarca, Shion, o verdadeiro Mestre do Santuário de Atena aliás, agora nos traz, a mim e aos demais Santos de Ouro, a notícia de que há uma proposta... vinda do próprio Senhor do Submundo.

- Hades chama-nos a seu exército - diz ele em tom solene, como fazia no passado - Não há outra escolha a nós senão assistir ao ataque a Atena quietos e de braços cruzados. Ou... aproveitar a oportunidade que ele nos dá para destruirmos seu próprio império de dentro.

Um assomo de espanto pode ser visto nas faces de todos os dourados. Menos... na minha e na de Cesare.

- Sei que ficaremos marcados para sempre ao nos declararmos defensores de Hades. Mas é a oportunidade que temos. Aceitam continuar?

Todos assentem. Um sorriso triste perpassa o rosto de Cesare ao fazê-lo. Nós dois aceitamos, no final de tudo, no centro do Mundo dos Mortos, lutar por Atena! E por que o fazemos, afinal?

Ambos sabemos a resposta a tal indagação apenas por olharmos um nos olhos do outro; assim como encaramos nossos antigos crimes como legítima defesa e única tábua de salvação onde poderíamos nos aferrar, dessa vez vemos Atena e sua abnegação como o único modo de haver justiça.

Os fins justificam os meios; o mais forte é o mais apropriado para liderar, seja Atena, seja quem for.

FIM

OoOoOoOoOoOoO

Olá!

Hehe, eu havia dito que não planejava mais escrever com eles. Mas devido às reviews muito incentivadoras da Margarida e de outras amigas, pensei que não custava tentar outra vez. E além de tudo, apenas Afrodite é capaz de ser tão frio e calculista, dentre os Cavaleiros de Ouro. Até mesmo o Máscara da Morte é mais "cruel" explicitamente falando. O Afrodite é mais implícito, segundo o que a série original mostra.

Fiz Afrodite POV porque não consigo entrar na mente perversa do Santo (?) de Câncer, é insanidade por demais! xD

Beijos a todos e todas!