Escócia. 1820.
A primavera sempre foi a estação preferida de Hermione Granger, não só pela beleza das flores florescendo no vasto jardim da propriedade Granger, um grande castelo ao norte da Inglaterra, mas pelo que a primavera trazia todos os anos: uma viagem a uma das propriedades Malfoy, um castelo na Escócia, herdado da família Black quando sua única filha se casou com Lucius Malfoy.
Durante todo um mês Hermione e seus pais viajavam por dias, de trem e depois em suas carruagens, para chegarem ao Palácio de Falkland, uma suntuosa construção em pedra que séculos atrás testemunhara heresias entre familiares, que havia inclusive sido uma residência real, e agora pertencia ao Duque Lucius Malfoy. Lucius herdara essa posição por conduzir o ducado que, em homenagem a sua família, levava o mesmo sobrenome; o mesmo ocorrera com o pai de Hermione, James Granger, que conduzia um ducado vizinho ao dos Malfoy.
Apenas por isso eles se encontravam ali naquele momento, por mais que Narcisa Malfoy fosse uma grande amiga de sua mãe, o interesse era puramente político. Mas para Hermione assim estava bom.
Na idade de dez anos, não havia realmente muita coisa que lhe importasse além de correr pelos campos floridos, fazer piqueniques no jardim ou ser cuidada por uma de suas amas.
Assim que o cortejo se aproximou do palácio, Hermione sorriu com as mãos coladas a janela ao ver a equipe de serviçais devidamente preparados para recebê-los. Todos estavam ali, em uma fileira frente a escadaria que conduzia a porta principal, e, sobre os degraus, Lucius e a esposa os esperavam, acompanhados do único filho, Draco Malfoy, que era seis anos mais velho que Hermione.
Receberam ajuda para descer da carruagem, e os valetes se encarregaram das bagagens, acompanhados pelas amas que haviam vindo junto nesta viagem, afinal uma dama jamais deve viajar sem a companhia de sua ama – era isso que sua mãe vivia lhe repetindo.
- James – Lucius parecia contente de recebê-los ali, e Hermione não duvidava de sua amizade, porque mesmo que os interesses políticos os unissem, era claro que depois de tantos anos juntos um vínculo surgiria.
Abraçaram-se com as devidas cortesias, dispensando a necessidade de se tratarem por "sua graça", já que todos pertenciam a mesma classe naquele ambiente.
Narcisa beijou as bochechas rosadas de Hermione com certo carinho e lhe acariciou o cabelo, sempre dizendo o quanto gostaria de ter tido uma filha, mas, ao que parecia, já havia sido difícil engravidar de Draco, e ela era grata pelo filho que tinha.
- Draco já é todo um homem – a senhora Granger comentou enquanto aguardavam na sala intima o jantar ser servido.
De um lado as mulheres estavam sentadas em confortáveis poltronas, do outro os homens, de pé, bebiam um pouco de conhaque próximo da lareira acesa.
- Consegue acreditar que ele já completou dezesseis anos? – Narcisa disse com um risinho.
- Imagino que já esteja procurando uma noiva – apontou a senhora Granger.
- Como eu gostaria disso – Narcisa confidenciou. – Mas Draco não tem interesse nenhum em formar uma família tão cedo – lamentou.
- Deixe-o aproveitar a juventude – aconselhou Jane, a senhora Granger. – Veja por nossos maridos, casaram-se mais velhos e são excelentes pais de família.
- Você sabe que sempre quis uma casa repleta de filhos, e quando não consegui engravidar, passei essa vontade para os netos – suspirou.
Hermione, devidamente sentada em sua poltrona só ouvia a conversa sem bem entender. Por isso, aproveitou o momento de confidências entre as senhoras e de conversa franca entre os homens para escapulir para o lado de fora do Palácio. Já conhecia aquela residência quase tão bem quanto sua própria casa.
O barulho de algo batendo atiçou sua curiosidade, e com passos silenciosos Hermione foi até a lateral do Palácio, onde uma grande quadra de tênis havia sido construída. Ela adorava ver Draco jogar, e lamentava que na Inglaterra não tivessem essas quadras.
Viu-o correr de um lado ao outro na pequena quadra, enquanto seu valete lhe jogava as bolas, treinando-o.
Estava tão concentrada na quadra que se perdeu em devaneios, e sequer notou quando o loiro se aproximou.
- Você não deveria estar aqui – ele disse, mas não parecia ser em tom acusador.
- Nem você – ela retrucou, queria parecer crescida frente a ele, mas suas bochechas coradas a denunciaram.
A badalada no relógio atraiu a atenção de Draco por um instante.
- Então esse vai ser o nosso segredinho – ele disse inclinando-se para ficar na altura dela. – Nos vemos no jantar.
Antes de sair Draco lhe dedicou uma piscadela, e Hermione sentiu que seu coração iria saltar pela boca.
Naquele momento mal sabia ela que já estava apaixonada por Draco Malfoy.
Inglaterra. 1824.
- Vamos, Hermione – sua mãe entrou no quarto apressada. Nas mãos trazia um vestido preto propicio para a ocasião.
Era 20 de março de 1824 e Lucius Malfoy acabara de falecer.
Mary, sua ama, ajudou-a a se vestir e trançou seu cabelo castanho. Enquanto se olhava no espelho, Hermione mal podia reconhecer a si mesma. Não era mais uma garotinha e a vida certamente não era mais o arco-íris que ela julgava ser quanto tinha dez anos de idade. Agora seu corpo já possuía curvas e seus seios se destacavam mesmo no decote requintado daquele traje.
Depois de ajeitar o véu em seu rosto, sua mãe a acompanhou até fora do palácio Granger, onde uma carruagem as esperava. Seu pai lhe beijou as bochechas, um gesto de carinho que ele sempre tivera, e as ajudou a se sentarem na carruagem, entrando logo em seguida.
- O que houve? – Hermione, sempre muito curiosa, perguntou.
- Lucius teve um ataque do coração – lamentou Jane, e Hermione não duvidava que em poucos minutos sua mãe voltaria a chorar copiosamente, quase como se fosse seu próprio marido que estava sendo enterrado.
A pequena igreja ficava no limite entre os dois ducados, e assim que desceram da carruagem, Jane se apressou em abraçar Narcisa Malfoy, quem desde que soubera da morte de seu marido ainda não conseguira parar de chorar.
Ao lado dela, Draco estava parado. Seus olhos estavam secos e o rosto erguido, imponente de tal forma que Hermione acreditou que ele não havia derramado uma lágrima sequer pelo falecimento do próprio pai.
Mas isso não a surpreendeu.
Ele era Draco Malfoy, e pelo que lera nos jornais nos últimos dois anos e ouvira dos lamentos de Narcisa a sua mãe, Draco parecia apreciar a vida de bom vivant, passava a noite em bares e prostíbulos, voltava para casa sempre de madrugada e cheirando a bebida.
- Sinto muito, Draco – ela disse parada frente a ele, quem apenas a olhou por um instante e com um dar de ombros indicou que não se importava.
Hermione desviou sua atenção de Draco para se dedicar a Narcisa, quem a tratava como se fosse uma segunda mãe. Abraçou-a com carinho, mas não disse nada, pois não acreditava que houvesse alguma palavra que pudesse consolar Narcisa naquele momento.
A missa não foi longa, e logo o caixão com Lucius Malfoy repousava sete palmos abaixo da terra.
