21 de Fevereiro de 1997
— O que ela pensa que está fazendo?
Astoria encolheu-se na cadeira da mesa da Slytherin ao sentir o olhar de sua irmã e Parkinson sobre si. A tentação de olhar para o lado era forte demais, mas ela ignorou essa vontade, mantendo os olhos fixos em seu prato. Mesmo assim, percebeu quando Draco Malfoy levantou-se de seu lugar a alguns metros de onde ela estava sentada.
Desde o começo daquele ano letivo, ele estava agindo de forma estranha. Mais estranha do que o normal. Todas as noites, ela o flagrava no Salão Comunal da Slytherin, olhando pensativo e exausto para a lareira. No começo, pensou se tratar do fato de ele estar no 6º ano, que os deveres e trabalhos estavam lhe consumindo a energia, mas nem Daphne nem os outros estudantes estavam dessa forma.
Alguma coisa estava acontecendo e nem contar a seus melhores amigos ele estava fazendo. Não que Daphne, Parkinson, Zabini, Crabbe e Goyle pudessem ser considerados os melhores amigos do mundo, mas Draco sempre lhes contou coisas. Principalmente aos três primeiros, Crabbe e Goyle nunca entendiam muito o que ele dizia.
Cansada da atenção que estava recebendo, pegou a mochila e levantou-se, saindo o mais rápido possível e discretamente do Salão Principal. Não é como se alguém além delas fosse perceber a sua ausência.
Ia caminhando distraidamente em direção ao Salão Comunal de sua casa, para esperar o horário das aulas começarem, mas viu o vulto loiro. Ele não parecia querer ser seguido e estava desacompanhado.
Ela mordeu o lábio inferior nervosamente. Não sabia explicar a sua crescente necessidade de ajudar a Draco, de protege-lo. Sempre foi invisível para ele e nunca trocaram mais de duas palavras. Diversas vezes ele lhe mandava olhares de superioridade e desprezo ao vê-la em contato com nascidos muggle.
— Petrificus Totallus.
Ela sufocou um grito, conseguindo desviar no último segundo, mas se denunciando. Draco se aproximou com a varinha em riste, sua expressão dividida entre a incredulidade, assombro e a máscara neutra de superioridade, característica dos alunos da casa verde e prata.
— O que está fazendo aqui, Greengrass? — perguntou friamente, enquanto abaixava a varinha.
— Caminhando — respondeu Astoria.
— Não sabia que podia ser irônica.
— Você não sabe nada sobre mim, Malfoy. Aliás, acha que sabe.
You can be amazing
(Você pode ser incrível)
You can turn a phrase into
(Você pode transformar uma frase em)
A weapon or a drug
(Uma arma ou uma droga)
You can be the outcast
(Você pode ser o pária)
Or be the backlash
(Ou ser a reação)
Of somebody's lack of love
(Da falta de amor de alguém)
Or you can start speaking up
(Ou você pode começar a levantar a voz)
— O que eu sei é que estamos no segundo andar e você está atrás de mim desde o Salão Principal.
Ela deu uma risada de desdém.
— Claro! Até porque eu não tenho nada melhor pra fazer na minha vida — retrucou — Com licença.
Antes que ela pudesse dar mais um passo, ele segurou o seu braço.
— Não me siga mais — disse Draco, olhando-a fixamente nos olhos.
— Com medo de que eu descubra algum segredo seu? — sussurrou Astoria, levantando uma sobrancelha.
— Eu estou falando sério — disse, após engolir em seco.
Então, ele abaixou o olhar para a sua mão ainda em volta do braço dela e soltou-a.
— Só isso? Sem ameaças? — debochou Astoria — O que foi, Draco Malfoy? Ficou sem reação?
— Aquele feitiço quase te acertou — ele disse, tentando soar ameaçador — Se te acertasse, te deixaria aqui no meio do corredor. Quando te encontrariam? Daqui a duas horas?
Ela olhou ao redor. Era a verdade, o segundo andar por si só era usado quando os alunos queriam ir ao banheiro ou usar alguma passagem secreta por meio dos quadros, que poucos conheciam. As meninas não apareciam por lá com frequência por causa do banheiro da Myrtle.
Draco aproveitou de seu silêncio para se afastar, ainda no mesmo andar.
— Não me siga, Greengrass — repetiu, antes de virar as costas para ela.
Astoria observou-o, sentindo ser tomada por uma fúria repentina. Não sabia se era em direção a ele ou a ela mesma. Virou as costas também e caminhou com passos firmes.
— Não tenho medo de você — disse com a voz alta.
Astoria Greengrass não costumava agir como uma Slytherin, mas ela sabia fazer muito bem.
E era isso o que fazia com que ele ficasse fascinado por ela.
Everybody's been there
(Todo mundo já esteve lá)
Everybody's been stared down
(Todo mundo já foi encarado)
By the enemy
(Pelo inimigo)
Fallen for the fear
(Morrendo de medo)
And done some disappearing
(E fazendo alguns desaparecerem)
Bowed down to the mighty
(Oprimido pelo mais forte)
Don't run
(Não corra)
Stop holding your tongue
(Pare de segurar sua língua)
1º de Setembro de 1998.
— Pensei que fosse proibido muggles por aqui — disse Parkinson em um tom depreciativo.
— Ela é mestiça, Pansy — disse Daphne no mesmo tom — Infelizmente.
— Oh! Me desculpe! — disse a outra, com um falso tom surpreso — É que quando se anda tanto com lixo, você acaba se tornando um.
Os outros Slytherin ao redor começaram a gargalhar. Astoria observava as duas sem se deixar enraivecer em momento algum. Igualando seu porte ao das outras duas, queixo levantado, expressão neutra e braços cruzados. Luna Lovegood a observava atentamente junto com Chang, esperando sua reação.
— Pois é... Esse colégio anda bem liberal — comentou Astoria, percebendo a brecha nas provocações — Desde o primeiro ano, na lista de materiais, dizia que só era permitido trazer uma coruja ou um sapo ou um gato. Não sabia que podia um buldogue também.
O pessoal da Gryffindor, assim como o das outras casas presentes naquele vagão, começou a gargalhar. Parkinson enrubesceu, ficando mais feia do que antes. Os Slytherin já não riam como antes, apenas encaravam as duas garotas, esperando que uma delas retrucasse. Embora houvesse um ou outro que estivesse se segurando para não rir, afinal a garota era uma piranha assumida.
— Não percam tempo, garotos — disse Astoria, dando uma piscadela — É mais fácil atacar alguém quando não está a altura para te responder.
— Você? A nossa altura? — retrucou Daphne, incrédula — Não passa da filha bastarda.
— Pelo menos tenho a certeza de que meu pai amou minha mãe.
— Amar? Foi apenas uma aventura! Infelizmente, deu em você.
Astoria sentiu uma pontada no coração. Sabia que isso não era verdade, que Daphne sentia inveja dela por seu pai lhe ter como a preferida. Entretanto, nunca teve a oportunidade de conhecer sua mãe. Não sabia o que tinha lhe acontecido, só sabia que nunca tinha a conhecido.
— Eu acho realmente que a sua amiga estava certa... Você se juntando a ela, tá se tornando uma verdadeira piranha — disse com a expressão séria.
Say
(Dissesse)
What you want to say
(O que você quer dizer)
And let the words fall out
(E deixasse as palavras se espalharem)
Honestly
(Honestamente)
I wanna see you be brave
(Eu quero ver você ser corajoso)
With what you want to say
(Com o que você tem pra dizer)
And let the words fall out
(E deixe as palavras se espalharem)
Honestly
(Honestamente)
I wanna see you be brave
(Quero ver você ser corajoso)
As duas estavam preparadas para pular em cima dela quando mais uma pessoa resolveu se juntar a reunião.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Draco, passando o olho pelas pessoas que estavam em volta, algumas desviaram o olhar.
O olhar de Astoria dirigiu-se ao braço esquerdo dele que estava coberto pela manga, embora todos ali sabiam o que se escondia por trás dela. Se sentia idiota por todas as vezes que sentiu pena dele, convencendo a si que ele só era assim por causa de seu pai. Mas a verdade era que ele gostava de ser quem era, gostava de maltratar aos muggles, gostava de se sentir superior aos outros.
— Draquinho! — guinchou Parkinson, apressando-se para perto dele que fez uma careta por causa do apelido.
Astoria olhou para o outro lado, pressionando os lábios juntos na tentativa de não rir, mas não obteve muito resultado.
— Inveja mata, sabia? — provocou Daphne ao perceber.
— E açúcar causa diabetes — disse Astoria — Mas você não vai saber o que é isso...
— Chega, Astoria — Luna murmurou, aproximando-se dela — Se continuar, você só vai sair mais machucada do que já está.
Daphne levantou uma sobrancelha ao não conseguir escutar o que a Ravenclaw disse. Astoria queria protestar, mas Luna conseguia enxergar coisas que nem nós mesmos percebemos. Deu um último olhar ao "casal vinte" e seguiu-a para o lado contrário do trem.
Nothing's gonna hurt you
(Nada vai te machucar)
The way that words do
(Da forma que as palavras fazem)
And they settle 'neath your skin
(Quando elas se instalam debaixo de sua pele)
Kept on the inside
(Guardadas em seu interior)
No sunlight
(Sem luz solar)
Sometimes a shadow wins
(Por vezes, a sombra ganha)
But I wonder what would happen if you
(Mas me pergunto o que aconteceria se você)
5 de Maio de 1998.
— Eu sinto muito.
Astoria mantinha seu olhar fixo no caixão a sua frente, tentando ignorar a presença dolorosa do loiro ao seu lado.
— Você não tem como sentir algo que não aconteceu com você — disse depois de minutos, sentindo a sua perda se transformar em fúria — Porque você e seu paizinho querido estiveram todo esse tempo apoiando um cara que só fez mal a todo mundo. Então, vocês descobrem que estão no lado perdedor e se "redimem".
Draco encolheu-se diante do sarcasmo usado e desviou o olhar assim que ela direcionou o dela a ele.
— Devia estar em Azkaban, pagando por suas escolhas. Porque elas mataram milhares de pessoas.
— Você sempre me avisou, sempre acreditou em mim e eu não te escutei — disse Draco.
— Tarde demais para isso agora.
Ela voltou o seu olhar para o caixão, mas ele sentiu-se inspirado por essa frase e aproximou-se, colocando a mão em seu ombro.
— Não acredito em você.
Astoria levantou o olhar incrédula, mas ele continuou antes que pudesse abrir a boca.
— A raiva que demonstra sentir só comprova que você ainda se importa, ainda sente. Se não sentisse, eu lhe seria completamente indiferente.
— Tem razão. Eu não estou indiferente, eu estou cansada. Porque eu corri atrás... — ela hesitou — De você por todo esse tempo e você só soube agir feito um idiota. Eu tentei te avisar tantas e tantas vezes... O único olhar que você me direcionava era de desprezo. Como quer que eu acredite que mudou de uma hora para a outra? Foram sete anos.
— E nesses sete anos... O que você sentiu por mim?
— Você está mesmo me perguntando isso?
Astoria deu uma risada sem humor e voltou o seu olhar para o caixão.
— Asty, eu fui um idiota — disse Draco — Eu sei disso, mas eu tô tentando...
— Você me chamou do que?
Ele olhou para ela confuso por alguns segundos, antes de sentir o rosto queimar.
— Astoria — mentiu.
Mesmo contra a sua vontade, ela sentiu um sorriso surgir, tanto pelo fato de ter conseguido envergonha-lo quanto pelo apelido.
— Tudo bem, Malfoy. Suponho que já é muito para o seu orgulho estar aqui pedindo pelo meu perdão.
— Nem tanto... Vale a pena.
Foi a vez de seu rosto queimar.
Talvez aquilo fosse um novo começo.
Maybe there's a way out
(Talvez haja uma maneira de sair)
Of the cage where you live
(Da prisão em que você vive)
Maybe one of these days
(Talvez um dia desses)
You can let the light in
(Você possa deixar a luz entrar)
Show me
(Mostre-me)
How big your brave is
(Quão grande é sua coragem)
