Disclaimer: Os personagens de Full Metal Alchemist não me pertencem, exceto aqueles dos quais vocês não reconhecem a presença no anime.

HÁ ALGO DE PODRE NO REINO

...Ecstacy!

My pulse as yours doth temperately keep time

And makes a healthful music: It is not madness

That I have utter'd.

Hamlet. Shakespeare.

Capítulo Um – Riza Hawkeye

A chuva caia pesadamente sobre o quartel general do leste. Castigava as árvores e as plantas, chocando-se contra o vidro das janelas, de maneira que causava um incômodo barulho. Apenas o ruído da chuva quebrava o silêncio mórbido.

Riza tinha os braços cruzados, sentada ereta sobre sua cadeira. Embora parecesse atenta a qualquer movimento, para os que a olhassem, seus pensamentos vagavam a milhas de distância dali, sendo profundamente afundados em sua mente, de maneira que não era possível dizer o que se passava com ela, se alguém olhasse em seus olhos. Ela sempre preferira assim. Não gostava de intrusos. salubre

Uma vez que outra, o som dos roncos de Jean Havoc, que dormia com a cabeça escorada na mesa, a despertava dos seus pensamentos. Um pequeno rastro de saliva escorria por sua boca aberta, o cigarro despencado sobre a mesa. Riza seria capaz de sentir nojo dele, se já não o conhecesse.

Mas não havia com o que se preocupar.

Tudo e todos estavam calmos demais para que ela continuasse a manter-se em estado constante de alerta. Roy não precisava mais da proteção que precisara antes.

Deveria supor que aquela calmaria fosse boa. Proporcionava-lhe momentos tranqüilos, não havia coisa alguma a fazer em relação à defesa do seu superior, pois simplesmente não existia quem atacar. Ela se encontrava contente com isso. Sua arma, guardada no coldre há mais de semanas, ainda estava com as mesmas balas que colocara quando tudo havia terminado. E de vez em quando, ela admitia que sentia uma pequena saudade de dar alguns disparos em bandidos.

Afinal, o trabalho em campo era muito mais prazeroso, embora perigoso, do que o burocrático. Ela sempre acabava se divertindo quando Roy se metia em encrencas. Gostava daquela sensação, de estar constantemente em risco. Talvez fosse por isso mesmo que se embrenhara naquele serviço no exército.

A paz era boa sim, ela admitia. Mas a deixava entediada. Realmente entediada.

Seus olhos perscrutaram o cômodo, lentamente. Havoc continuava a dormir, sem se preocupar com o fato de que seu chefe estava a uma mesa de distância. Por mais que ele fosse folgado, Riza o considerava um bom tenente, embora muito azarado para o amor. Coisa que até era de se esperar, pois o charme Mustang acorrentava todas as garotas da cidade.

"Você anda bastante pensativa, não?"

A voz de Roy fez com que ela se voltasse para ele, que sequer erguera os olhos do papel que assinava.

"Está com algum problema, Tenente Hawkeye?"

Riza deu um sorriso irônico ou ouvi-lo referir-se a ela pelo seu sobrenome.

"Como você mesmo disse, apenas pensando."

Ele ergueu a cabeça para que pudesse observá-la, sem esconder a desconfiança. Intimamente, Riza sentiu uma fisgada no ventre, diante do olhar penetrante que recebia.

"Bem," dando-se por vencido, Roy baixou os olhos para o documento em suas mãos, dando a última assinatura antes de colocá-lo na pilha à sua esquerda. "presumo que só me resta concordar, não é? Você não vai mesmo me dizer o que se passa."

Sorriu. "Não mesmo, coronel."

Ela visualizou as mãos quentes dele correndo por suas pernas, devagar, numa carícia ousada e marota. Riza não negou sua imaginação. Ela podia sentir claramente os dedos tocando seus joelhos, a parte interna das suas coxas.

O trabalho era apenas o trabalho. Roy era seu trabalho. Em outros tempos, ela não se permitiria tocar qualquer dedo nele, nem imaginava que ele tivesse essa intenção – ao menos não deliberadamente. Agora, no caso, eles se sentiam impelidos a isso. Independente do que acontecesse, o alquimista era apenas seu superior e ela sua subordinada. Desde de pequena, fora ensinada a não misturar trabalho com prazer. Mas admitia que o homem de olhos intensos a atraía.

Não gostava de ceder à tentação, pois era obrigada a admitir que era fraca demais para suportá-la. E Riza era muito perfeccionista quanto a isso para aceitar tal falha na sua personalidade. No entanto, não havia possibilidade de resistir aos encantos de Roy Mustang, não porque ela era uma mulher fraca, apenas porque ele exercia sobre ela um desejo intenso e descontrolado. Por mais que detestasse a idéia, era suscetível ao toque masculino.

Lembrou-se dos gemidos de prazer ditos no seu ouvido.

Riza, como poderia eu...

"...pegar isso?" ele fitou-a, sério.

Diga para mim, Riza...

"...está me ouvindo?"

Não sabe o quanto...

"...você anda distraída!"

Os sussurros dele repentinamente desapareceram. Apenas a voz de Roy ecoava na sala, impetuosa.

"O que está acontecendo, afinal?" indagou ele, as sobrancelhas franzidas. Coçou o queixo, as mãos dentro do par de luvas habituais. "Você está muito absorta, tenente. Jamais esperei tanta desatenção da sua parte. Há algo lhe incomodando?"

Entre quatro paredes, ele era um homem totalmente diferente do que era agora.

E entre quatro paredes, Riza era uma mulher totalmente diferente do que aparentava ser.

Mas apenas eles tinham consciência do quão dessemelhantes eram, do quão diferente agiam e reagiam às situações quando eram apenas o coronel e a tenente. Riza preferia que fosse assim. Ela gostava mais da rotina habitual do trabalho, mesmo que sentisse prazer nos braços de Roy, pois no trabalho não precisava demonstrar seu verdadeiro eu. Ele jamais via a Riza. Via apenas a sua subordinada.

"Já disse que estou apenas pensando, coronel." Respondeu, arqueando os ombros. Balançou molemente a mão de um lado para o outro, sinalizando desinteresse.

"Tenente Hawkeye..."

"Bem, já que o senhor não precisa de ajuda, vou ver onde está Fuery. Ele ficou de levar Black Hayatte para passear e ainda não voltou." Riza empurrou sua cadeira para trás, erguendo-se. Apenas quando ela chegou na porta, encostando a mão na maçaneta, que se voltou, curvando a cabeça num sinal de respeito. "Com sua licença, senhor."

A porta já estava entreaberta, quando Roy se pronunciou.

"Riza."

Ela apenas parou, congelando seu próximo movimento, e esperou pela resposta.

"Me encontre no quarto de limpeza, no fim do corredor, dentro de meia hora, Riza." Se ela pudesse vê-lo, a primeira coisa que chamaria sua atenção era o sorriso malicioso que despontava em seus lábios. Os olhos negros brilhavam de malícia.

Uma gargalhada de ironia ficou presa em sua garganta. Será que estava tão previsível assim que os pensamentos dela seguiam diretamente para aquele homem? Tinha orgulho da fama que possuía, de ser enigmática demais para que pudesse ser compreendida. Não seria Roy a juntar as peças do quebra cabeça que eram sua personalidade, ela pode constatar. Talvez fosse ele a estar necessitado para vê-la.

Recordando-se das noites tórridas de amor, podia entender, modéstia parte, porque ele continuava a procurá-la. Riza achava que havia algo mais do que apenas atração entre eles. Quando estava em seus braços, ela tinha a impressão de estar em chamas, mas jamais se permitia levar adiante essas sensações. Tudo que devia haver entre eles era desejo.

E algumas noites de sexo, é claro.

Ele não pode ver a expressão dela, mas sua voz saiu controlada como sempre. "Meia hora, coronel."


O quarto de limpeza cheirava a desinfetante. Riza achava que estaria completamente livre de germes quando saísse dali, pois o cheiro era tão forte que ela acabaria sendo detetizada.

Já fazia alguns minutos que se encontrava sentada sobre o balde virado, o cotovelo apoiado no joelho e o rosto sobre a mão. Havia chegado mais cedo do que o combinado, é verdade, mas Roy Mustang estava atrasado.

Havia em seu rosto uma expressão indiferente, sem raiva, sem fúria, sem aquela vontade descontrolada de socá-lo até que ele ficasse irreconhecível. Ela não sabia dizer o que andava acontecendo. Quando percebera, Roy não a irritava mais como costumava irritar. E, embora isso devesse ser um fato positivo, ela se sentia incomodada com tal constatação. Preferia as coisas do jeito que eram, com sua impaciência e – contrariando a irritação – disciplina.

Apenas andava pensativa, como ele próprio havia constatado na conversa que haviam tido na sala. Não havia motivo para alarde, stress ou qualquer outra coisa. Riza desconfiava que aquele estranho modo de agir estivesse relacionado a sua menstruação. Sim, era um bom motivo para andar mais pacífica do que normalmente era.

Voltou os olhos para o relógio, que tictaqueava sem parar.

Sentiu uma ínfima centelha de aborrecimento crescer dentro dela. Já eram cinco minutos de atraso.

Com o treinamento regrado que tivera para conseguir um bom posto no exército, pontualidade era uma das coisas que mais prezava. E se havia algo que a tirasse do sério, era exatamente o fato das pessoas não respeitarem o horário marcado.

O barulho da maçaneta girando a tirou dos seus pensamentos. A arma saiu do coldre com uma rapidez impressionante e, segundos após o intruso entrar no cômodo, ele já se encontrava prensado contra a parede, sua bochecha tão encostada nela que era quase impossível falar.

"Olá, coronel." Murmurou Riza, numa voz suave. A arma estava apontada direto para sua têmpora, os pulsos presos pela mão dela num aperto de ferro. "Você se atrasou."

"Eu sei." A voz dele saiu quase inaudível.

"Posso saber o motivo do atraso?" perguntou, arqueando as sobrancelhas.

Silêncio.

Ele se remexeu. "Se você me soltar."

Seus pulsos foram soltos lentamente, Riza dando alguns passos para trás, sem parar de apontar a arma para ele. Roy deu um suspiro de alívio, virando-se para ela ao mesmo tempo em que massageava os pulsos. Ela tinha uma mãozinha deveras forte para apertar. E não só para isso, pensou maliciosamente.

"Então?"

Roy ouviu um pequeno clique, que denunciava que ela havia acabado de engatilhar a arma.

"Vamos com calma, Riza." Ergueu as mãos, dando um sorriso. "Não queremos nenhuma morte, não é mesmo?"

Mas a expressão dela não desanuviou e ele não saiu da mira da sua arma.

É, pensou Mustang, apelar para o humor ou sarcasmo não vai dar muito certo em se tratando dela. O coronel vislumbrou o rosto de Riza, observando cada pedacinho, as sobrancelhas franzidas, os olhos de rubi estreitos, os lábios, que para ele, pareciam uma tentação.

Às vezes ele se perguntava como se vira tão preso assim por ela. Como a tenente Hawkeye se enfiou na sua vida e sentimentos, de maneira que não havia mais como se livrar da sua presença.

"Bem," ela soou fria. "estou esperando."

"Não dificulte as coisas, Riza." Murmurou Roy, tencionando dar um passo na direção dela.

"Fique parado onde está ou eu vou atirar nesse seu cabelo propositalmente despenteado, Roy Mustang."

O tom de voz havia engrossado, constatou ele, o que queria dizer que ela estava deixando de ser apenas profissional, para demonstrar seu lado mais agressivo.

Ela só o chamava de Roy quando não era o seu coronel.

Deu um sorriso, divertido. "Você teria coragem de atirar no seu superior, tenente?"

"Você não é meu superior agora, Mustang."

Soltando um suspiro, vendo que ela não iria ceder, o alquimista achou que teria de apelar.

Estalou os dedos, fazendo com que uma vassoura logo atrás dela pegasse fogo. Riza deu um salto para frente, baixando a arma, e Roy aproveitou para tomá-la dela. "Pronto. Assim você não vai mais ferir ninguém desnecessariamente."

Os olhos dela pareciam em chamas quando o olharam, fulminantes. "Devolva minha arma agora."

O fogo começava a criar uma pequena fumaça, mas eles estavam ocupados demais naquele duelo de olhares para que pudessem concentrar sua atenção nele.

"Apenas se você prometer não apontá-la mais para mim."

Riza deu um sorriso irônico. "Não vou prometer o impossível, sinto muito."

"Então quem sente muito sou eu, mas você vai ter de se despedir da sua belezinha." Roy tirou as balas, enfiando-as no bolso, e jogou a arma dentro de um balde de água.

Riza arregalou os olhos ao ver sua inseparável companheira afundando, apenas algumas bolhas subindo para a superfície, e soltou uma exclamação nada discreta.

"Com os diabos...!" Quase gritou.

Por sorte, ela respirou fundo antes que chegasse no fim da sua praga. Não deixaria que ele acabasse com sua paciência.

O cheiro de queimado invadiu o nariz dos dois, fazendo-os se lembrarem da vassoura em chamas.

Riza pegou-a, irritada, e a enfiou dentro do mesmo balde onde estava sua arma descarregada e inútil, dali para frente.

"Ótimo." Murmurou ela, friamente. "Além de estragar minha arma, estragou meu dia."

Roy deu uma risada, aproximando-se dela.

Quando a loira percebeu, os braços dele já a circundavam por completo, puxando seu corpo para junto do dele. Diante do cheiro do perfume de Roy, ela viu-se fraca demais para resistir.

"Temos pouco tempo, Riza. Não me faça perder preciosos minutos, sendo que poderia estar beijando você." Sussurrou o alquimista, numa voz marota.

Ela fechou os olhos, recordando-se dos demais murmúrios no seu ouvido.

Sentiu que suas pernas estavam até meio bambas. Cochichou, rouca. "Olha o que você faz comigo, Roy."

"Nada diferente do que você faz comigo." E os dedos dele de repente passavam pela sua cintura, por baixo do uniforme.

Riza poderia ser considerada a subordinada mais eficiente daquele quartel. Cumpria todas suas obrigações, sua pontualidade poderia ser ponderada como a pontualidade britânica e jamais havia reclamações a seu respeito. Os colegas de Mustang costumavam brincar, debochando do fato dele ter uma mulher tão atraente debaixo das suas vistas e não ser capaz de pegá-la, porque ela era rígida demais.

Ah, e ele admitia que havia sido mais difícil do que pensara fazê-la cair na sua rede. A Tenente Hawkeye não aceitava seus convites para sair, suas flores, tampouco os demais presentes que mandara. Devolvera a todos com absoluta discrição, tomando todo cuidado para não deixar que ninguém soubesse do interesse dele nela. E Roy achava que ela havia sido tão discreta assim também para não ridicularizá-lo ou a situação entre eles ficaria constrangedora demais perante os outros.

Não comentaram sobre o assunto, deixando-o como morto. Por um longo tempo, ele teve que estudá-la, perceber seus mais ínfimos hábitos, para que soubesse com clareza cada coisa que ela gostava. Levara incontáveis semanas para descobrir todos os dados que precisava, já que ela era fechada demais para comentar sobre seus gostos com qualquer pessoa. No quartel, Riza tinha fama de ser apenas um soldado sem rosto, sem nome e sem identidade. Ninguém sabia nada sobre ela.

Apesar do trabalho, Roy tinha absoluta certeza de que tudo havia valido a pena.

"Beije-me." E ele a beijou.


Black Hayatte parecia descontrolado. Latia para tudo e todos, arreganhando os dentes.

Riza não tinha a mínima idéia do que podia estar se passando com ele e já estava começando a ficar preocupada. Perguntara a Fuery se poderia ser raiva, mas ele havia dito que não havia possibilidade, já que Hayatte era vacinado. Então, Riza só poderia supor que havia algo o incomodando.

Ele era um cachorrinho esperto. Alguém deve ter jogado uma pedra nele ou coisa do tipo, pensou. Mas ainda assim isso era muito estranho, já que o cão nunca havia tido uma reação parecida.

"Tudo bem com você, Black Hayatte?" A resposta dele foram latidos insistentes.

Teve de segurar forte a coleira para que o animal não saltasse em cima de um transeunte.

O dia estava acabando, o céu de uma cor avermelhada, colorindo as nuvens.

Era um bom fim de tarde para um passeio, ela podia constatar. Era uma pena que não havia com quem sair. Podia pensar em Roy, mas o coronel era um homem deveras ocupado e, naquele momento, devia estar assinando os últimos papéis antes de encerrar o dia. Não era apenas por isso que não tencionava convidá-lo também. Ela estava certa de que o que existia entre eles era apenas um caso. Casos não consistiam em perder mais tempo que o necessário um com o outro.

No fundo, Riza gostava que as coisas fossem assim. Gostava de manter uma distância segura, para realmente assegurar-se de que tudo iria continuar do jeito que estava: estável e tranqüilo. Não queria falar sobre sentimentos ou criar uma relação baseada em qualquer coisa além de atração e desejo. Mustang concordava com as exigências dela e ficava tudo bem.

Pegou o cachorro no colo, tomando rumo para casa.

"Ei." Gritou Havoc, apressando o passo para alcançá-la. "Espera aí."

Ele tinha o cigarro num canto da boca, como sempre. Os cabelos estavam despenteados, por sempre estar dormindo em cima da sua mesa, e os olhos eram caídos, provavelmente por sono ainda.

"Milagre estar saindo antes do horário." Disse ele, assim que parou ao lado dela.

"O coronel Mustang me dispensou." Riza arqueou os ombros, acariciando a cabeça de Black Hayatte, que parecia estar se acalmando.

Havoc deu uma risadinha, mas era sem ânimo.

"Sim. Porque ficou de sair com a florista da esquina."

Riza parou subitamente de andar, parou a carícia em Hayatte e parou de respirar. "Pode repetir, por favor?"

"É." Havoc parou na banca, para que pudesse comprar o jornal. Enfiou a mão no bolso a procura de algumas moedas, passando o cigarro para o outro canto da boca. "Me vê um jornal." Passou o dinheiro para o vendedor, voltando-se novamente para Riza. "Ele marcou um encontro com a florista da esquina."

N/A: Ainda sou meio iniciante em FMA e adoro o anime! Espero que gostem da minha fic. Se gostarem, deixem comments!