Nos meus sonhos, nunca considerei que eu podia fazer o que quisesse antes que aquelas poucas 5 horas de sono que eu tenho todas as noites acabassem. Só que a partir do momento em que descobri que todos sonhavam menos eu... Bem, isso acabou com meu sossego. Ou talvez porque eu sabia o motivo de não sonhar com pôneis bonitinhos e rosas enquanto dormia. Tanto que noite passada eu tive o privilégio de encarar pela fresta da janela com persianas o homem que não me deixava ter sonhos como toda pessoa normal.

Porque, convenhamos, eu vivo pensando nele.

Mas não que ele saiba disso, ou algo parecido. Eu mordo minha língua só de pensar que um dia ele vá descobrir minha paixonite por ele. Até porque o dito cujo ao qual me refiro é Hataki Kakashi. E há três verdadeiros problemas:

1º - Ele é homem, e já presenciei relações homossexuais aqui no vilarejo que não agradou muito os outros. O pobre coitado do James, relojoeiro e gay assumido publicamente, negou viver na vila se não pudesse morar na mesma casa que seu amante, o doutor Greg. É claro que todos aceitaram o convite dele deixar a pacata vila Leel Vine bem satisfeitos. Ele foi sozinho, e Greg ficou porque não podia largar os seus mais antigos pacientes. Isso não serviu de consolo porque dois meses depois ele foi encontrado boiando no rio Gardhelr sem as roupas no corpo e com o lado esquerdo do rosto quebrado. Claro que seus pacientes choraram por ele, já que era o único médico renomado e competente de Leel Vine. Mas o Arcebispo Dom Bono, um homenzinho gordo e asqueroso, anunciou no meio da pracinha onde tem a estátua do fundador da vila, Howard Deep, que zelava pela alma dele, mas que foi melhor assim, senão todos os habitantes seriam envolvidos pela nevoa negra de seu pecado.

Não sei o que houve com o relojoeiro James, mas onde quer que ele esteja, está mais seguro do que se ainda estivesse morando aqui. Espero que ele nunca vá saber de seu amante para não acabar o resto da vida lamentando por ter ido embora.

E é por isso que qualquer relação mais estreita que eu vá ter com o Kakashi é completamente perigosa. Porque eu sou o príncipe Umino Iruka, filho mais novo do maior senhor feudal da Europa, e sendo o único homem da família Umino, eu consequentemente era o herdeiro para suceder meu pai. Enquanto o Kakashi...

Bem, aí vem o 2º motivo: Ele é meu guarda-costas particular. Foi designado pela primeira vez quando eu completei 11 anos e eu mesmo fiquei assustado ao descobrir que era só um garoto de 14 anos, e não um daqueles guerreiros altos e fortes que a filha do senhor feudal de Castela tinha ao seu lado todas as vezes que visitava Leel Vine.

Vai fazer 10 anos que Hataki Kakashi está ao meu lado. E foi aos poucos que comecei a perceber como os mais velhos o respeitavam e admiravam sua capacidade de luta. E vou te contar, eu o já vi lutando no campinho aberto atrás das montanhas do Norte. É impressionante mesmo. Ele me levou dois meses depois de ter assumido o cargo para mostrar como os guerreiros das Cruzadas lutavam perante os inimigos Mouros, e eu fiquei feliz em presenciar isso, já que só conhecia por ouvidores.

Não conheço golpes de luta, mas depois de ver como o tão adorado garoto de 14 anos lutava, eu tenho que admitir que comecei a idolatra-lo a partir daquele momento. Até mesmo Consuela, a filha do senhor feudal de Castela que tinha duas muralhas de músculos aos seus calcanhares para onde fosse, chegou a me lançar um olhar sujo certa vez que fui a uma festa em seu castelo com Kakashi ao meu lado.

Mas não gostei como ela o encarou com um olhar que dizia "Se der mole, eu pego". Tanto que esbarrei o vinho em cima do vestido de seda indiana que ela estava usando. E quase explodi de gargalhada e felicidade quando os dois cachorros dela pegaram no meu pulso e quase tiveram suas mãos decepadas por Kakashi, que apareceu na hora e torceu o pulso deles como se fosse brinquedo.

E foi a partir daí que a fama do meu guarda-costas começou a borbulhar nos ouvidos infames das jovens de senhores feudais por todos os cantos da Europa. Tive até propostas em dinheiro para desabidicar de Kakashi. Eu, aos 14 anos e com os hormônios a flor da pele, corri até meu pai e disse para ele ameaçar todos aqueles que se atrevessem a encostar um dedo no meu guarda-costas. A sorte é que todos o temiam e deixaram de encher meu saco, mas mesmo assim não poupou o desejo das meninas por Kakashi.

Lembro que certa vez, enquanto estava sentando no jardim feito e espalhado no modelo Babilônico, e o sol tinha se extinguido em varias cores amenas, eu não percebi uma presença silenciosa que tinha chegado atrás de mim. Talvez porque eu estava muito emburrado, ou talvez porque Kakashi não é conhecido como "A sombra" a toa. Eu, com 14 anos, ainda não havia crescido muito. A voz mudou, mas continuava aguda, só que num tom mais elevado. O Kakashi, por outro lado, havia mudado bastante nos últimos três anos, e com 17 anos nas costas, adquiriu impressionantes 1,89 de altura e músculos definidos no corpo magro.

Ele pediu para eu entrar, pois a noite em Leel Vine era muito fria, chegando a quase – 10 graus. Mas eu não ligava. Só queria refletir um pouco naquela negridão, e, portanto ignorei a mão que estendia a mim. Também serve de motivo eu estar emburrado com ele, apesar dele não ter culpa por ser tão bonito e gostoso.

Ouvi a risada dele e dois segundos depois a pedra cheia de musgos não estava mais sob minha bunda. Porque Hataki Kakashi me pôs em seu colo e foi me carregando até a enorme porta de carvalho do fundo, desviando dos arbustos silvestres aparados pelo caminho. Dei Graças aos Céus por estar escuro e ele assim não conseguir ver a beterraba que meu rosto virou.

- O que você pensa que está fazendo? – exclamei como se todas as sílabas pesassem. Isso porque eu ainda estava engasgado de surpresa.

- A sua teimosia me leva a crer que nada do que eu falasse serviria para você deixar o bico de lado e fosse para cama. Pensei a melhor forma seria carregá-lo. – respondeu sem me olhar nos olhos, colocando meu corpo dentro da casa e fechando a porta com os pés. Como ele fez isso não sei, pois a porta pesa mais que qualquer coisa que eu já peguei na vida.

- Bico? Como ousa? – comecei, dando mais uma sessão de como eu sou mimado e infantil. Mas não liguei, porque ele estava me carregando e isso tirou todas as minhas barreiras!– Eu não sou um bebê recém-nascido o - ou uma donzela para você me carregar desse jeito. Exijo que me ponha no chão agora!

- Eu sei que não. – ele respondeu quando chegamos a porta do meu quarto e a abria com o pé. Adentramos no recinto frio e gelado, até eu sentir meu corpo colidindo com o edredom da cama ao ser jogado nele por Kakashi. Ele acendeu duas velas e foi fechar as cortinas de seda, mas apesar de ele ir até a porta como minha mãe falecida fazia todas as vezes que me botava na cama, voltou e estendeu a mão até as mechas dos meus cabelos longos.

O meu pescoço retesou e eu só fiquei encarando-o como se todo o ar do meu pulmão tivesse sido arrancado. Com toda a certeza a luz das velas iluminou a vermelhidão nas maçãs o meu rosto, e espero que o sorriso fraco que ele me lançou não tenha sido a confirmação disso.

- Eu só quero que perceba que você será a única pessoa que eu vou carregar dessa forma. – sussurrou quase inaudível, mas eu sei que ouvi isso. Reprimi qualquer som que queria sair da minha boca e pisquei duas vezes.

Mas voltei à cara de emburrado e me afundei nos travesseiros, puxando o edredom até a cabeça. De lá, soltei:

- Bem, não é isso que as outras garotas querem.

Típico e infantil da minha parte, eu sei. Mas eu estava fulo da vida com ele e de como conseguia atrair tantas garotas para si, que uma hora acabaria escolhendo uma para ele. E eu, o boboca garoto que herdaria uma fortuna de meu pai quando ele morresse, teria que arcar com a conseqüência de me casar com uma das filhas de senhores feudais, em especial a de Leão, que meu pai tanto havia comentado.

Mas eu não respondi nem demonstrei vida quando Kakashi sussurrou de modo audível há alguns metros de mim.

- Mas eu não as quero. – e o baque surdo da porta de carvalho deixou claro que ele não estava mais no recinto.

Naquela noite eu chorei pela primeira vez, desde a morte da minha mãe há cinco anos atrás. Depois, no funeral do doutor Greg, mas eu havia me escondido numa das árvores atrás de uma cúpula que tinha ali perto, para que todos não vissem o quanto eu era patético e fraco.

Não era por ele que eu chorava. A morte dele confirmou aquilo que eu já sabia, pois antes eu havia sido estúpido demais para encarar a gravidade dele. Eu me desmanchei em lágrimas até sobrar apenas soluços e riscos de água nas bochechas morena. Como sempre, nem percebi a sombra iminente que havia acobertado a pouca claridade do local.

Kakashi ficou parado em pé na minha frente, sempre me encarando com aquele olhar negro e profundo. Tantas vezes me quis afundar neles, mas não era algo que eu poderia dar ao luxo, pois nunca pertenceríamos um ao outro.

- Você está bem? – perguntou com os braços cruzados.

- S-sim, não é n-nada. – desconversei, procurando enxugar todo o resquício das lagrimas derramadas minutos antes para que ele não visse o quanto eu era ainda um menino frágil e ridículo.

- Lamento pelo doutor Greg. Ele era ótimo para a vila.

- É. Ele era muito competente. – respondi dando o máximo de sorriso que eu podia dar. Mas eu sei que dele saiu a pior dor que eu nunca havia sentido na vida.

Baixei a cabeça e comecei a andar depressa para não começar a chorar de novo, logo agora com Kakashi por perto. Mas eu não vi escapatória quando tudo que ele fez foi agarrar no meu antebraço e me virar até eu estar completamente de frente a ele. Eu tinha feito 16 anos mês passado, mas ainda continuava com os 1,80 do aniversário passado. Ele, como sempre, crescia um pouco com a primavera de seus aniversários, e agora com 20 anos chegava a ter 1,92 de altura.

Meus olhos se esbugalharam assim que senti as lágrimas saírem, mas também porque Kakashi fez algo que eu pensei que ele nunca faria em sete anos sendo meu guarda-costas.

Envolveu-me com seus braços.

Ficamos assim o que parecia ser minutos, mas levou 4 segundos apenas até ele desfazer dele para enxugar as minhas lágrimas roliças.

- O que um guarda-costas pode fazer para deixar seu protegido feliz? – perguntou assim que eu consegui parar com a choradeira.

Eu queria dizer várias sugestões quanto a isso, mas me contentei a rir e sair um pouco de perto dele para não me apegar muito ao seu cheiro. Circulamos a capela e fomos para a carruagem que nos esperava a alguns metros a frente.

Mas a pergunta dele despertou algo em mim e eu por certo achei que deveria responder. Mesmo assim, não acreditei quando disse a próxima frase.

- Viver a vida e encontrar logo uma bela e honesta moça para se casar, porque daqui a três anos seu serviço de guarda-costas não será mais preciso.

O silêncio que se seguiu foi quase submerso, mas não tanto para pegar Kakashi, A sombra, de surpresa. Até ele falar eu pensei que teria um infarto a qualquer momento.

- Eu preciso lembrá-lo de novo, Iruka? – respondeu sem realmente me olhar, mas sabia que toda sua atenção estava em mim, ao fato que eu tentava ignorar a palpitação de dor no meu coração.

- O que? – perguntei, aflito.

- Que eu pertenço a você?

- Para de falar bobagens. Nós não somos casados nem nada disso. – respondi de modo triste, com medo de que essa conversa trouxesse a mágoa que eu guardei no interior desde que eu descobri que o amava. E isso foi há sete anos.

- Verdade, não somos cônjuges perante a Igreja. – concordou usando o tom mais sério que eu nunca o ouvi usar. – Mas, querendo ou não, minha alma pertence a você. Para sempre.

Eu engasguei com um soluço entalado na minha garganta e disparei um olhar exasperado para ele. Do que está falando?!

- Como isso é possível? – chiei já perdendo a paciência.

Ele apenas se limitou a dar um risinho e apertar meu ombro: – Um dia você irá entender.

E depois, três anos após essa conversa, eu entendi. Na verdade, nunca tive tanta certeza na vida como agora. Tanto que quando olhei pela janela e aquele cabelo prateado que tanto desejei passar as mãos balançava com o vento matutino, tive vontade de atirar cada objeto pesado em cima de sua cabeça.

Ele não sabia como estava completamente errado ao afirmar que pertencia a mim. Jogando ilusões em cima de uma pessoa sensível como eu. E por que eu estava fulo da vida com ele? A ponto de ter passado a noite inteira após o que eu descobri ontem chorando que nem um condenado? A ponto de sentir que meu coração iria explodir de solidão e dor a qualquer momento?

Porque Hataki Kakashi, o bastardo do Kakashi, iria se casar.

E não era comigo.