NOTA DA AUTORA
1. Bom. Como começar? Hallelujah, para minha surpresa e meu orgulho, é a fanfic "Draco e Hermione" mais revisada do fandom de Harry Potter em português. Ela já foi publicada em outros canais e eu sempre deixei ela quietinha aqui no FFNet quando esses outros canais foram se desintegrando. Eu comecei a escrevê-la para me distrair e ela tomou vida própria.
2. O que eu quero dizer é que demorou cerca de quatro anos para que esses dezessete capítulos saíssem de mim. Eu era muito jovem quando comecei a escrever... Eu não planejei. Os plot-twist iam saindo da minha cabeça e eu não pedia ajuda para ninguém e enfim. Hoje em dia, ao reler, eu encontro tanta coisa que eu acho absurdamente mal escrita e sem sentido!
3. Algumas pessoas acham que eu deveria transformar Halle – como ficou conhecida carinhosamente – num livro. Não pense que a ideia não me é atraente. Quer dizer, olhem só onde foi parar 50 Tons de Cinza, não é? :P Mas para que isso aconteça (se é que um dia vai acontecer), ela precisa ser melhorada. Ela precisa ser reajustada. Ela precisa ser reescrita.
4. Então o que vocês vão ler a partir de agora não é a Hallelujah original – a Hallelujah que tem mais de seiscentas reviews no link antigo, e sim, eu não tive coragem de deletar o link antigo por causa das reviews – e sim a nova versão. O plot mudou em alguns pontos. As pontas amarradas de uma forma melhor, a confusão temporal diminuiu, o personagens estão melhor caracterizados, faz tudo mais sentido e, eu espero, está melhor escrita.
5. Todos sabem que Halle também tem uma continuação – carinhosamente chamada de O – que ainda não está terminada. Estamos (eu e a Lally) trabalhando por lá; por aqui, sou só eu, com ela me ajudando, betando e me apoiando como sempre! (: Espero que vocês gostem de reler. Quem é novo, oi! Espero que vocês acompanhem com carinho.
.
.
.
AVISO: fanfic classificada como M – ou seja – não indicada para menores de 16 anos por conter cenas eróticas, violência explícita e linguagem imprópria.
UNIVERSO: essa fanfic desconsidera o sétimo livro e grande parte do sexto. Eu classificaria como pós-Ordem da Fênix usando alguns elementos do Enigma do Príncipe. Vou avisando mudanças grandes de canon no início dos capítulos.
FORMATO: as cenas estão marcadas com data (mês e ano) e local. Quando não há essa marcação, é porque é a mesma da cena anterior. As datas estão aí para vocês não se perderem na confusão temporal pior que a de Lost.
DISCLAIMER: Harry Potter, personagens e lugares, não me pertencem.
.
.
.
CAPÍTULO 01: O ASSASSINO
.
.
.
I wish that I had known in that first minute we met
the unpayable debt that I'd owe you.
.
.
.
06 DE JUNHO DE 2006
.
UM PRÉDIO PEQUENO de paredes descascadas, oito apartamentos, três hóspedes fixos e outros tantos de passagem. Cinquenta sicles por noite – ou sete galeões mensalmente. Os mensalistas não precisavam pagar extra para terem toalhas limpas e as roupas de cama trocadas. A velhinha dona do lugar tinha um nariz adunco e cabelos grisalhos, e fazia biscoitos deliciosos para o café da manhã.
A hospedaria só para bruxos ficava à beira do Mar do Norte. Ao abrir a janela, soube que o dia estava bonito demais para ir à Azkaban. O céu estava tão claro e azul que se confundia com o oceano na linha do horizonte. Tentou sorrir para a vista, e voltou a fechar as cortinas.
Fazia um ano que considerava aquele pequeno apartamento sua segunda casa. A rotina não mudava muito. Chegava em Rosyth na segunda-feira, sempre no fim da tarde, no trem que partia de Edimburgo às 17h10. Nas terças de manhã, precisamente às 09h00, pegava a balsa que partia dali mesmo, do porto mágico ao lado da hospedaria. Retornava às 18h30. E fazia o mesmo itinerário nos dois dias seguintes. Quando tinha ânimo, voltava para Londres na quinta-feira à noite.
Mas nunca tinha ânimo – não de verdade. Então, normalmente, chegava em sua primeira casa apenas na sexta-feira. Isso quando não resolvia passar o final de semana por ali mesmo, onde ninguém podia perturbá-la.
Aquele dia azul de junho era uma terça-feira. Sua semana estava apenas começando. Tomou com um copo d'água as duas pílulas e o gole da poção que tomava – quase – todas as manhãs. Pelo menos as manhãs dos últimos quinze dias. Sentiu-se menos cansada alguns minutos depois, e então começou a se arrumar.
Gastava por volta de trinta minutos nisso. Não precisava realmente estar bonita para conversar com os prisioneiros. Havia algo de macabro em seu trabalho, ela sabia bem. Mas sentia-se atraída por isso: pelo confuso, brilhante e sinistro labirinto que era a mente dos malfeitores do mundo bruxo. Sentia-se protagonista de algo importante enquanto tentava, junto a seus pacientes, desvendar o motivo de seus atos.
Não conhecera Azkaban durante o tempo dos dementadores, apesar de ter encontrado alguns durante seu terceiro ano em Hogwarts e algumas vezes durante a Última Grande Guerra. Daquele tempo, só restavam fotos e relatos assustados.
Não era mais assim. Sob a direção do Dr. Gerald Marris, Azkaban passara por uma verdadeira revolução, que deu às centenas de presos uma nova condição e, ao mundo bruxo, uma lição humanitária.
Muito embora ainda feitas de pedra, as celas eram agora mais confortáveis, com camas e sanitários. Os encarcerados tinham direito a se consultar com especialistas, além de um ou outro benefício por bom comportamento. As medidas de segurança passaram a ser muito mais eficientes que os próprios dementadores – guardada por um segmento especial dos aurores, a prisão agora proibia o porte de varinhas aos visitantes; outros objetos mágicos como chaves de portal também eram facilmente detectados. Lareiras tinham deixado de existir, não só no presídio, como também em toda pequena cidade mais próxima. Um raio de dezenas de quilômetros em volta da ilha estava protegido por feitiços que impediriam qualquer embarcação (com exceção da balsa), aeronave, vassoura ou pessoa a nado de se aproximar ou se afastar.
Ela vira naquele lugar a oportunidade de continuar com o trabalho realizado durante a guerra. Por três anos seguidos após sua formação em Hogwarts, tinha sido psiquiatra dos aurores e dos membros da Ordem. As circunstâncias do fim da batalha a fizeram parar.
Quando o Dr. Marris, seu professor na época da especialização, convidou-a para voltar à ativa e ajudá-lo em Azkaban, ela hesitou em aceitar. Ainda não tinha certeza se estava pronta para isso. Os nomes ali dentro não lhe eram estranhos. Ela ainda não sentia vontade de se levantar. E não tinha certeza se seria capaz de tratar e compreender homens e mulheres que tinham se aliado a Voldemort.
Um dia, saiu para jantar com Harry e Ginny. Não pediu desculpas por não ter ido ao casamento deles, e eles também não mencionaram nada sobre isso, contentes em saber que ela finalmente queria voltar a fazer alguma coisa. Harry ficou especialmente sério ao descobrir que era Azkaban, mas afirmou que ambos a apoiariam no que fosse necessário. Ainda era difícil olhar para eles, mas era um começo.
Enviou uma coruja ao Dr. Marris na manhã seguinte, dizendo que aceitaria o trabalho. Uma semana depois, o próprio diretor lhe ensinou como pegar a balsa, apresentou a hospedaria na pequena Rosyth, caso ela não quisesse dormir na prisão – como a maioria dos funcionários – e lhe deu sua nova agenda.
O trabalho se provou mais gratificante e menos difícil do que ela tinha imaginado. Os remédios finalmente lhe surtiam algum efeito. Logo, sentiu que gostaria de ter menos dias livres. Passou a usá-los para analisar o quadro de seus novos pacientes, procurar soluções em livros de medicina bruxa e trouxa. Alguns eram fáceis de diagnosticar e de medicar – ambições extremas, fobias, pequenos surtos – mas outros tinham um quadro complexo de distúrbios mentais. Ela se interessava principalmente pelos cérebros danificados daqueles que tinham passado tempo demais sob a Maldição Imperius e pelos assassinos em série.
Fazia pouco mais de um ano, mas seu trabalho já era considerado impecável. Por ajudar bruxos um dia considerados perdidos a se reerguerem e terem a possibilidade de retornar para a vida em sociedade, recebera prêmios e elogios. Os prisioneiros – seus pacientes – poderiam até mesmo sonhar com a liberdade caso recebessem um dia um documento com sua assinatura: Dra. Hermione Granger.
.
.
.
A balsa atracou no píer da ilha de Azkaban após quinze minutos de travessia. O mar estava calmo e azul, bem como constatara rapidamente pela manhã. Hermione desceu quando a sirene permitiu, acenando para os guardas com a cabeça, e entrou pela grande porta de ferro e madeira. Os saltos de seu scarpin ressoaram no caminho de pedra até a segunda porta. Colocou uma mecha de cabelo castanho para trás da orelha quando um homem enorme, de pele avermelhada do sol e vestes de auror se aproximou.
"Bom dia, Dra. Granger," ele disse, um sorriso simpático no rosto queimado. Ela ajustou a postura, ficando com a coluna reta, enquanto ele tirava a varinha de dentro das vestes.
"Bom dia, Malcom," respondeu Hermione, retribuindo o sorriso. Sentia menos dificuldade em fazê-lo. Isso era bom. "Parece que parou de chover de vez, não?"
O bruxo deslizou a varinha na frente de seu corpo. Ela, assim como o Dr. Marris ou qualquer outro, era revistada todas as vezes que entrava e saía de Azkaban. Caso portasse algum objeto mágico ou poção não-autorizados, uma faísca vermelha sairia avisaria o guarda.
"Essa é uma previsão complicada para a Escócia!" ele riu, terminando sua inspeção e abrindo a porta com magia. "Aí vai! Bom trabalho!"
"Tenha um bom dia, Malcom," ela disse, entrando na fortaleza. O guarda agradeceu e fechou a porta assim que ela passou.
O prédio administrativo de Azkaban era um dos mais iluminados em dias sem chuvas – o corredor longo tinha o teto magicamente removido, deixando a luz natural entrar. Havia seis portas ao longo dele, e a recepção para visitantes ficava num balcão ao fim.
Hermione parou em frente à uma das portas, tocando-a com a palma da mão. A porta se abriu, revelando um espelho. Entrou e encarou-se por alguns segundos. Sua aparência estava cada vez menos cansada. Isso também era bom.
Sentiu um ligeiro frio na barriga quando o cubículo subiu alguns metros. Seu consultório, assim como todos os outros, ficava na ala esquerda do segundo andar da prisão. Era o andar mais iluminado e arejado devido às grandes janelas na parede de pedra. No inverno isso era inconveniente mas, em dias como aquele, havia vantagens.
Saiu do elevador, ainda prestando atenção no eco dos seus saltos conforme caminhava. Havia mais seis portas naquele andar, três de cada lado. Na parede oposta do elevador, um outro por onde traziam os prisioneiros para as consultas. Ela foi até a porta em que se lia Dra. Hermione Granger numa placa de ouro velho, já descascando. Respirou fundo. As placas dos outros consultórios eram polidas e reluzentes. Mas a dela tinha vindo do outro consultório, aquele em que atendera os aurores. Tinha sido um presente de Ron.
Entrou na sala, encontrando-a como sempre com as janelas abertas. A iluminação era suficiente, não precisaria acender as lâmpadas até mais tarde. Deixou a bolsa sobre a mesa, prendeu os cabelos castanhos e cheios num coque no alto da cabeça e colocou sobre a roupa que usava – uma calça social preta e uma camisa branca de mangas curtas – o jaleco com o símbolo do Ministério da Magia bordado.
Seu consultório era simples e bonito. Uma mesa de mogno polido, cadeiras grandes de couro marrom. O divã e a poltrona, na outra extremidade, eram feitos do mesmo material. Num armário, do lado oposto à janela, ficavam as poções, os remédios e alguns equipamentos. Havia também um arquivo. Tudo era bastante organizado e sem muitos enfeites. As únicas cores que não eram neutras eram o dourado da pequena bailarina sobre a mesa – presente de seus amigos para celebrar aquela nova fase – e os cabelos vermelhos do bruxo no porta-retratos.
"Bom dia, meu amor," ela disse, tocando a face sorridente dele na foto. Depois de deixar aquela Penseira com Harry, paralisar todas as fotos tinha sido um passo enorme no tratamento, ela achava. Era melhor que ele estivesse imóvel. Assim não se distraía... Mas também não se esquecia. Hermione sorriu o primeiro sorriso que não tinha requerido um esforço enorme desde o início do dia. Era pequeno; mas qualquer sorriso honesto valia a pena. "Está um dia realmente lindo. A primeira coisa que eu pensei quando vi o céu é que ele estava igualzinho aos seus olhos..." respirou fundo. "Você ia querer dar um mergulho no mar, eu acho. Mas o feitiço te jogaria longe."
Os livros de psicologia em sua estante falavam do luto como se ele fosse mensurável, como se pudesse ser catalogado. Alguns comentavam sobre sete fases – outros estendiam até doze, quinze fases, todas complexas e interligadas. As terapias eram diversas. Uma das coisas mais importantes era o processo inicial de aceitação. Alguns escreviam em diários as cenas que inventavam, outros se perdiam em sonhos com aquele que tinham perdido. Hermione passara um ano inteiro revisitando memórias numa Penseira, assistindo a história de amor deles como se fosse um filme. Com isso no passado, o jeito que tinha encontrado para amenizar a dor era conversar com as fotos dele.
Ela sabia que ele não estava ali. Mas ao mesmo tempo, tinha certa fé de que pudesse estar, escutando-a contar sobre sua vida, mantendo-se a par de tudo; que ele a observava e a protegia de qualquer mal. Era o que ele tinha feito a vida inteira.
Permitiu-se observar o retrato por mais alguns segundos. Respirou fundo novamente e voltou a atenção para a pasta que o Dr. Marris tinha colocado sobre sua mesa, com as informações do novo ciclo de pacientes que passaria a atender a partir daquele dia.
"Vou conversar hoje com Julia Heiss," ela continuou contando para Ron, folheando as informações da moça de... Vinte e cinco anos. "Ela foi condenada a cinquenta anos por falsidade ideológica e por... Ter aplicado a Maldição Cruciatus no próprio irmão. Que beleza." Hermione ergueu as sobrancelhas, pegando uma pena na gaveta e fazendo algumas observações no documento de Julia Heiss.
Deixou esse de lado, pegando o próximo. Tom Thompson (sério?) de dezenove anos, condenado a prisão perpétua. Tinha massacrado duzentos e quinze trouxas numa estação de metrô em Londres e matado, entre eles, trinta e dois bruxos. Comensal da Morte assumido. Possível psicopatia e personalidade criminosa, ela anotou na ficha de Thompson.
"Veja só," ela começou, deixando de lado a ficha de Thompson. Dirigiu um olhar rápido à foto de Ron antes de pegar a terceira e última ficha na pasta. O ruivo estava ali, sorrindo, como sempre. Ela também esboçou outro sorriso. "Também vou conversar com..."
Hermione parou de falar.
Draco Lucius Malfoy, vinte e seis anos, condenado à prisão perpétua por utilização das três maldições imperdoáveis, por compactuar com Tom Marvolo Riddle como Comensal da Morte, pelo assassinato confesso de setenta e cinco (bruxos e trouxas) e pela execução da morte do auror Liam Patrick Houston.
.
.
.
Observou o relógio na parede. Cinquenta e sete. Cinquenta e oito. Cinquenta e nove. O ponteiro maior andou um pouco. Outro minuto tinha se passado. Entre um paciente e outro, eram exatamente quinze. Estava com os olhos presos naquele relógio há dez.
Julia Heiss tinha os cabelos loiros, mas eles eram cheios e cacheados, puxados para o castanho-claro. Falava meio encolhida e evitava contato visual. O tempo excessivo de uso da Poção Polissuco – fingiu, por um ano e meio, ser a noiva do próprio irmão, depois de matá-la. Ele era empregado do Ministério da Magia na época da guerra – a fizera perder peso, e seus ossos eram tão proeminentes que ela parecia mais frágil do que provavelmente era. Tendência incestuosa, depressão e princípio de anorexia por intoxicação. Violência moderada e estritamente passional, tinha sido o primeiro diagnóstico de Heiss.
Tom Thompson, pelo contrário, tinha grandes olhos negros que estavam atentos para tudo. Sua pele ainda era marcada pela puberdade. Apesar de ele ainda ser basicamente um adolescente, Hermione pôde perceber que tinha uma personalidade propensa a ações criminosas. O massacre em Londres, quando mencionado, foi algo encarado com certo ar de diversão. "Muitos trouxas no mesmo lugar," ele deu uma risadinha intrigante que não atingia seu olhar. "Dá coceira."
Tinha que admitir que, dentro de sua loucura, Voldemort tinha feito um ótimo trabalho em contaminar os bruxos com seus ideais. Principalmente os de sangue puro, como Thompson. Como seu próximo paciente.
Cinco minutos. Em cinco minutos conversaria com Draco Malfoy. Por alguns segundos se perguntou se o Dr. Marris tinha se enganado ao enviá-la aquela ficha – era um caso difícil de ser tratado com profissionalismo, era até mesmo contra os princípios da ética – mas não procurou o diretor para saber. Não importava. Ela queria. Ela sentia uma estranha necessidade de olhar para a cara dele. Olhar nos olhos do assassino de Liam. Olhar nos olhos do colega do assassino de Ron.
Quando tentava se lembrar do momento em que realmente vira Draco Malfoy pela primeira vez, uma aula qualquer de Poções, ainda do primeiro ano, surgia em sua mente. Snape estava tentando ensiná-los a diferença entre as raízes sobre o balcão, e como elas produziriam poções diferentes quando combinadas entre si. Ele fez exatamente oito perguntas que começavam com 'Alguém sabe...?' e 'Alguém pode me dizer...?' e ela ergueu a mão direita todas as vezes. Ela e o menininho loiro que pertencia à Sonserina, numa competição invisível.
Sendo Snape o mediador da disputa, Malfoy acabou favorecido e respondeu – corretamente – à sete perguntas, que lhe renderam trinta e cinco pontos para a casa da serpente. A última foi dada a Hermione, e era a mais difícil de todas. Ela acertou. Era inteligente e queria provar isso a todos eles. Ao famoso Harry Potter, ao amiguinho ruivo dele, ao professor injusto, ao menino mimado com os cabelos penteados para trás com gel.
Talvez tenha sido o momento que se sentira mais próxima dele. Nunca tinham se encostado, além do merecido tapa na cara durante o terceiro ano. Nunca tinham conversado se não fosse para se insultarem. Nunca tinha pensado nele. Não depois de sua prisão. E se fosse falar a verdade, nem mesmo antes dela. Sequer se lembrava que Malfoy era o homem que tinha matado Liam, já que isso aparecia sempre no plano de fundo do ódio e do nojo que sentia de Theodore Nott.
Só que Nott também estava morto. Malfoy não. Malfoy estava bem ali.
Cinquenta e sete. Cinquenta e oito. Cinquenta e nove. Mais uma vez, o ponteiro maior do relógio andou. Apenas dois minutos. O ar parecia suspenso. Ela conseguia sentir a própria respiração como nunca antes. Como não sentia há mais de um ano.
.
.
.
Barba. Barba.
Ela vinha clara pelo contorno de seu rosto, concentrando-se no queixo, embaixo do lábio inferior, unindo-se nas laterais com os pelos que nasciam no buço, contornando o lábio superior. Um pouco mais escura e mais espessa que os cabelos, sem atingir as bochechas e as maçãs-do-rosto, que eram lisas como todo o resto de sua pele extremamente branca.
Quem um dia diria que Draco Malfoy exibiria uma barba cheia no rosto?
Os cabelos loiros, quase platinados, estavam bagunçados, como se não vissem um pente há dias. Ele estava magro, muito embora seus braços parecessem ligeiramente fortes na camiseta branca que, junto com as calças pretas de moletom, compunham o uniforme da prisão.
Percebeu seus lábios secos, um pouco rachados, a língua umedecendo-os de tempo em tempo. Percebeu também as manchas escuras, olheiras ligeiramente profundas abaixo de seus olhos e de seus cílios curtos.
As mãos dele estavam juntas sobre o abdômen. Cruzadas, como se fossem se juntar e fazer uma prece. Mas ele não rezaria. Hermione tinha a impressão de que em um milhão de anos, não pediria uma única coisa a Deus, independentemente de seu desespero.
"Boa tarde, Malfoy," foi o que ela disse, olhando rapidamente para a ficha de pergaminho amarelado que tinha sobre a mesa. O Draco Malfoy da foto 3x4 estava parado e sério, bem como o Draco Malfoy em sua frente. Piscando de vez em quando, respirando fundo às vezes.
"Granger," ele retribuiu com um aceno de cabeça. O tom de sua voz era especialmente indiferente.
"Como vai?" Ela folheou os dados criminais dele, passando os olhos sem realmente ler. Não precisava ler.
"Bem. E você?" Escutou ele se mexendo, ajustando o corpo na cadeira. Ela respirou fundo, levantando o olhar. Encarou todo o rosto dele e viu seus olhos com o conjunto. Cinzentos, azulando por causa do dia claro lá fora.
"Muito bem, obrigada. Vou contar um pouco sobre o tratamento e você vai me dizer se concorda com os métodos e com os possíveis medicamentos que eu possa indicar," ela empurrou um pergaminho e uma pena para o outro lado da mesa, na extremidade onde ele se encontrava. O tinteiro estava no centro da mesa. "Se você concordar, deve assinar no lugar marcado com um x. Se não concordar, podemos trabalhar como modificações. Ou você pode procurar o Dr. Marris."
"Não tenho medo de Marris", Malfoy segurou a pena, deslizando a parte macia e colorida entre os dedos compridos da mão esquerda. Suas unhas estavam curtas, um pouco tortas como se estivessem roídas.
"O tratamento inicial consiste em quinze sessões de duas horas cada, podendo ser o tempo modificado caso necessário. Você me verá todas as terças e quintas-feiras. Você deve confiar em mim", Hermione respirou fundo, visivelmente ciente de que confiança não seria algo que existiria entre eles, "e responder com sinceridade à todas as perguntas que eu fizer. Conversaremos sobre a sua criação, sobre possíveis traumas ou abusos da sua infância e adolescência, sobre as razões que lhe levaram a cometer os delitos e, principalmente, sobre seus sentimentos após a execução deles. Eu, então, traçarei uma análise dos fatos e através dessa, resolveremos se você precisa ser medicado. Dependendo do resultado, decidiremos também qual será o seu futuro em Azkaban."
Seu futuro. Em Azkaban. Soltou o ar devagar pela boca após dizer essa frase, concentrando-se de repente em alinhar a ficha de Malfoy de forma que ficasse perfeitamente reta. Desamassou os cantos do pergaminho. Teria alguém um futuro sendo condenado à uma prisão perpétua em Azkaban? Imaginava que não. Ainda mais alguém sem família. Sem dinheiro. Alguém que não tinha absolutamente mais nada.
Durante a guerra, os boatos sobre a situação dos Malfoy eram insignificantes, vinham nos comentários dos membros da Ordem sobre o que estava acontecendo no campo de batalha, nas notícias que ainda não estavam contaminados pelo mal. O pai, Lucius, tinha virado cinzas junto com sua Mansão; Narcissa, muito depois, tinha cortado os pulsos ou ingerido um veneno, não conseguia se lembrar. A fortuna toda tinha sido saqueada dos bancos.
O menino irritado que vivia mostrando os dentinhos para quem o contrariasse; o menino que quase cuspiu ao chamá-la de 'sangue-ruim nojenta', o menino que achava que um dia iria dominar o mundo por causa de suas riquezas e de seu sobrenome, agora estava ali. Ele não era mais nada além de um homem de barba num uniforme de uma prisão. Malfoy tinha menos que ela. Menos que Liam, o homem que ele tinha matado. Menos até que Ron. Ron, que estava ali, imóvel naquela foto, sorrindo eternamente. Menos que Ron, o homem que tinha morrido nas mãos de outro sonserino.
Um simples prisioneiro. Um simples paciente.
"Sabe, Granger," ele disse de repente. Seus devaneios foram dissipados. Subiu os olhos, e eles irremediavelmente se encontraram com os de Malfoy. Cinzentos, gelados, tão diferentes do dia lá fora. Entreabriu os lábios. "Se me dissessem, há uns cinco anos, que eu estaria sentado numa cadeira como seu paciente, eu faria isto."
Ela sentiu o rosto esquentar quando o viu erguer a mão direita, projetando apenas o dedo do meio no ar. Hermione tamborilou as unhas no tampo de mogno da mesa, como se isso fosse descontar o pequeno acesso de raiva e vergonha que estava tendo.
"Você está sentado numa cadeira, é meu paciente, e vai assinar o papel e me respeitar," ela retrucou após alguns segundos, cerrando os dentes, as unhas batendo cada vez mais forte na mesa. "Portanto, enfie o seu dedo em algum lugar que lhe convenha e nunca mais repita isso, ou realmente vai conversar com o Dr. Marris."
Malfoy sorriu. Na realidade, um dos cantos de seus lábios desidratados se curvou numa espécie de sorriso sarcástico, uma reminiscência barata do menino que tinha conhecido em Hogwarts. Ele então abaixou a mão, abrindo todos os dedos, e voltou a segurar a pena entre eles.
"Não tenho medo de Marris, como já observei," Malfoy puxou os termos do tratamento para perto de si, passando os olhos rapidamente pelas cláusulas. O sorriso já havia desaparecido dos lábios, mas parecia permanecer nos olhos dele, deixando-os ainda mais afiados. Ele respirou fundo, antes de molhar a ponta da pena no tinteiro. "Você não vai ser boazinha comigo só porque somos amigos, não é mesmo, Granger?"
Hermione parou de tamborilar as unhas na mesa.
"Como amigos como você, eu sou ainda melhor," respondeu, soltando devagar o ar pelas narinas.
O canto dos lábios dele novamente se contorceu num sorriso, e o barulho da pena arranhando o pergaminho no formato de sua assinatura foi a única coisa que interrompeu o tic-tac do relógio.
.
.
.
(continua)
.
.
.
Nº DE PÁGINAS: 09
MÚSICA: The Antlers - Kettering (obrigada, The 100!)
DATA DA PRÓXIMA ATUALIZAÇÃO: 15.12.2017
...
Hallelujah significa Aleluia, que por sua vez significa Louvar a Deus. Para algumas religiões monoteístas, é a palavra que demonstra a maior devoção de todas, algo sagrado. Acho que a fanfic busca um pouco o significado dessa palavra, bem como a linda música de Leonard Cohen.
Essencialmente, eu mudei algumas coisas no plot de Halle. Quem está lendo de novo vai pegar rapidinho essa mudança – quem está aqui pela primeira vez vai entender mais tarde! (; Estava relendo a minha antiga 'nota final' do primeiro capítulo e eu dizia que essa fanfic era direta e que eu não ia enrolar muito. HAHAHAHAHAHAHA!
Obrigada sempre por todas as reviews e por todo o carinho. Vocês sabem que são minha maior alegria né?
