City of devils
Era o inverno mais úmido dos vinte e dois que tinha vivido. A neve se misturava com a sujeira da sarjeta formando poças de liquido escuro que refletiam um céu mais escuro ainda. À medida que caminhava a barra de seu manto branco foi sendo maculada com um tom de cinza quase imperceptível, mas alguém como ele jamais deixaria de perceber uma imperfeição, alguém como ele se valia das imperfeições alheias para manter as próprias sob o tapete, e talvez fosse por isso que a companhia de Hermione Granger parecesse tão balsâmica, quando estavam juntos e a morena encarava o rosto do loiro podia ver um alivio enorme nos olhos cor de chuva, Malfoy precisava dela, para manter-se perfeito.
Enquanto caminhava pela travessa lamacenta a jovem se perguntava o porquê de sua necessidade por ele, talvez não admitisse que alguém a julgasse como algo menor, talvez estivesse ali arriscando seu casamento e seu posto de heroína de guerra apenas para provar a um traidor, símbolo da aristocracia falida, que ela era melhor, queria abrir os olhos do rapaz e mostrar-lhe que estava salva.
A rua foi tornando-se mais estreita, aquela era a parte trouxa de Londres, no núcleo de um bairro central repleto de becos e maus-elementos, à medida que a rua estreitava também escurecia, a iluminação pública tinha sido depredada e jamais voltaram a concertar. Conseguia ver a nuvem de vapor escapando por seus lábios, mas não via muito mais adiante, o inverno fazia os dias mais curtos e escuros, eram apenas seis da tarde, mas parecia que a noite ia alta, apertou a varinha entre os dedos e se perguntou por que jamais jogara na cara do ultimo dos Malfoy onde ele tinha terminado.
Man once sang to me
Look at you saving the world on your own
And I wonder how things gonna be
Cuz the time here it passes so slow
In a city of devils we live
(Um homem certa vez cantou, olhe pra você salvando o mundo, sozinha.)
(E eu me pergunto como é que vai ser,)
(Por que aqui, o tempo passa lentamente.)
(Vivemos em uma cidade de demônios.)
Empurrou uma porta de ferro e se viu em um enorme galpão, aqui e ali moveis antigos e refinados juntavam poeira, tapetes e quadros estavam arranjados de modo que cobrissem as paredes onde a tinta estava descascada, sacudiu os pés na soleira da porta tentando livrá-los da neve suja, uma enorme cama com dossel ficava no centro do recinto cercada de pequenas pilhas de livros tão empoeirados quanto os móveis. Respirou fundo e só não sentiu o cheiro do mofo que se espalhava por toda parte por que o lugar era demasiado grande para não ter uma boa circulação de ar, livrou-se do manto e dos outros dois casacos que usava, esticou-se sobre a cama sem se importar que suas botas sujassem os lençóis azuis. Ele devia estar em algum lugar, um feitiço já deveria tê-lo avisado que ela tinha chegado, só esperava que não a surpreendesse de novo, encarou os grandes e luxuosos lustres que balançavam debilmente no teto e destoavam do recinto como um todo, as janelas eram tão próximas ao teto que mesmo com o dia escuro não era necessário o uso de qualquer tipo de iluminação.
Ouviu os passos dele rondarem a cama e fechou os olhos, sabia que estava sendo observada, sabia que ele a olhava com desdém e iria choramingar como um bebê quando visse o estrago que suas botas molhadas tinham feito na cama. Sentiu o corpo simétrico e forte pesar sobre o seu. Como sempre, ele não fez absolutamente mais nada, se fosse idiota o suficiente pensaria que o rapaz não tomava iniciativa por alimentar algum tipo de respeito por ela, pela aliança de noivado que ela usava.
A verdade é que Draco preferia dizer que a morena o tinha beijado primeiro, tinha tirado suas roupas antes dele, que tinha pedido por tudo aquilo, para que em uma discussão futura tivesse a chance de lembrar que a culpa tinha sido toda dela, e mesmo que Hermione tivesse a chance de esclarecer todo o mérito do rapaz naqueles acidentes contínuos de sexta-feira á tarde ela preferia calar-se voltando religiosamente para aquele galpão e aquela cama toda semana.
Grudou seus lábios nos dele. Quando estava sozinha gostava de lembrar que pelo menos na primeira vez que aquilo tinha acontecido foi quase mutuo, Malfoy não podia culpá-la por aquele primeiro beijo, talvez por isso a culpasse por todos os outros.
As mãos pequenas pelas costas quadradas dele se infiltrando sob a camiseta puída, os lábios roçando no pescoço e orelha, jamais soube se aquilo realmente produzia algum efeito, sabia que seu noivo sentia arrepios, sabia que ela sentia arrepios, mas não sabia nada de Draco, nada.
Gostava do corpo dele, dos formatos, da falta de curvas, ele era quase todo feito de linhas retas, sóbrias e frias, gostava das mãos muito maiores que as suas passeando pelas curvas que tinha no corpo, era um contraste saboroso. Ele era constância e inércia fria, ela era mutante e inconsciência em movimento.
O frio que fazia lá fora abandonou o corpo de ambos quando se livraram completamente das roupas, já não precisava de incentivos, sentia os dedos longos apertarem cada parte do seu corpo, ele demorava a penetrá-la, passava muito tempo usando as mãos e os lábios. Marcava uma trilha de beijos que começava no pescoço e terminava entre as pernas da jovem, Hermione sabia que ele não tinha vontade de estar ali, e ela tão pouco o achava bom o suficiente com a língua para dar-lhe um orgasmo, mas simplesmente fingia, gemia e arqueava as costas.
Ele não passava muito tempo ali, e era melhor assim, na maioria das vezes ela o puxava para cima como se estivesse faminta. Tê-lo pesando sobre si era muito melhor do que aquele contato boca-sexo. Qualquer coisa naquele momento parecia certa, quando avançava as mãos pelo abdômen deliciosamente reto dele chegando ao membro rijo, sentia o homem arfar e encontrava os motivos de estar ali, sabia que não era uma mulher frigida, mas na maior parte do tempo que passava com ele não chegava a ter orgasmos ou ficar verdadeiramente excitada, Rony era surpreendentemente melhor, mas não beijava como Draco, não cheirava como ele, e quando se reencontravam, depois de muito tempo, o coração de Hermione não chegava a palpitar. Draco lhe dava tremores, fome de estar com ele, de tocá-lo e senti-lo tão perto quanto possível.
Quando tudo terminava vinha a dor inevitável que no começo ela confundia com culpa, o tempo mostrou que aquele homem conseguia deixá-la vazia de uma maneira desesperadora, o silêncio se instalava entre eles e os pensamentos a invadiam, e conseguia ver todos os erros, os vícios difíceis de abandonar.
Malfoy era tão seco de tudo que a morena tinha a impressão de que quando o tocava estava sendo drenada, cambaleava porta a fora totalmente destruída, e lhe custava tanto se reerguer todos os dias, até a próxima sexta-feira, então ela corria para a autodestruição mais uma vez. E cada vez menos restava dela.
Naquele dia não seria diferente, não por que estava frio como de costume ou por que o galpão transpirava exatamente a mesma grandeza em decadência da semana anterior. Não seria diferente por que a jovem se virou para o loiro e encarou o rosto simétrico, os olhos azuis levemente fechados e tocou o maxilar dele ali onde uma barba rala despontava, não ia ser diferente por que Rony poderia cultivar uma barba de respeito se quisesse, Malfoy jamais poderia cultivar nada, muito menos algo de respeito.
Ela nunca sabia se ele estava realmente dormindo nessas horas. Quando estavam juntos ele passava quase todo o tempo de olhos fechados, sentia que o estava espionando nessas ocasiões e cada vez ela reparava em algum novo detalhe que assombraria sua rotina pelo resto da semana, dessa a vez seria aquele remendo de barba, semana passada foi o dedão da mão esquerda que ele roia quando estava nervoso, se continuasse com aquilo logo poderia reproduzir em detalhes cada pedaço e mania dele.
