Indelével

Uma fanfic de Harry Potter
Shipper: Severus Snape/ Alice Morgan
Spoiler: Harry Potter e as Relíquias da Morte

I

A noite ia alta e era fria, a despeito do calor do verão. Como em todas as noites, aquela menina pálida, de feições ligeiramente lânguidas e vestes brancas que a deixavam ainda mais parecida com um fantasma, contemplava as estrelas ao ar livre. Como ela mesma pensava, foi o tempo em que havia regras em Hogwarts, e não se podia ficar no jardim à noite. Ainda assim, os alunos que voltaram á escola após a morte de Dumbledore (uma boa parte havia sido reduzida), continuavam respeitando as regras e se recolhiam cedo para o dormitório. Apenas ela ficava no jardim, olhando as estrelas, tentando adivinhar como seria o futuro, já que sempre fora boa em Adivinhação. O fato é que agora tudo o que via era uma grande e espessa neblina. Ela sabia, era tudo incerto. Imaginava onde estariam Harry, Ron e Hermione, que, mesmo sem nunca terem tido amizade, ao contrário dos demais colegas sonserinos, ela não os odiava. O próprio Harry já a havia salvado de algumas encrencas, e ela era agradecida por isso. Pensava também em seus pais, se, como Comensais da Morte que eram, estariam seguros com Voldemort no momento. Pensava em Snape, no fato de ele ter matado Dumbledore, ela não aceitava isso. Sempre gostou do velho diretor, mas gostava ainda mais de Snape. Sua cabeça dava voltas e mais voltas, até ela se cansar e ir se trancar na atmosfera escura da masmorra, onde conseguia dormir e esquecer um pouco de tudo.

As aulas haviam acabado de começar, e foi uma surpresa para todos o fato de Snape ter sido nomeado o novo diretor de Hogwarts. A garota levou quatro dias para se encorajar de ir parabenizá-lo, e quando o fez, não se arrependeu do tempo perdido tomando coragem.

Ela já sabia a localização exata da sala do diretor, havia ido tantas outras vezes lá conversar com Dumbledore. Sabia também que havia uma outra sala antes da sala propriamente dita, e conseguiu entrar sem usar as senhas que costumava na época de Dumbledore. Snape, ao abrir a porta, pareceu surpreso ao vê-la.

— Morgan? — ele disse com um semblante entre intrigado e satisfeito.

— Snape — disse a garota com um sorriso tímido — eu vim dizer que fico muito satisfeita em tê-lo como novo diretor.

Snape estudou a garota por alguns segundos com um olhar curioso.

— Entre, por favor, Srta. Morgan — ele disse indicando a entrada — precisamos conversar.

A garota tremeu, mas não hesitou.

— Eu tenho ciência de sua afeição por Dumbledore, portanto lhe devo uma explicação quanto ao que aconteceu.

— Você não me deve explicação alguma, se o matou, creio que deveria ter um bom motivo.

— E tinha mesmo. Ele estava morrendo, Morgan, lembra quando te disse algo sobre o anel de Riddle, no ano passado?

— Sobre Dumbledore tê-lo colocado no dedo e se envenenado?

— Sim. O veneno ia se alastrando aos poucos, e não restava a ele muita vida. Ele me pediu que eu o matasse assim que ele desse a ordem. Além do mais, poupei a vida de Malfoy, pois ele não teria coragem de matar Dumbledore, e se ele não o fizesse, estaria perdido nas mãos de Voldemort.

— Entendo — e no semblante de Morgan, ficou evidente o alívio — eu sabia que o senhor não teria feito aquilo por um motivo banal. De qualquer forma, Dumbledore não poderia ter um sucessor melhor.

— Fico grato, Morgan — ele disse colocando a mão sobre o ombro da garota, fazendo-a estremecer — e fico feliz por sempre ter a sua confiança e compreensão.

— Muitos o compreenderiam se soubessem de toda a sua história como eu sei. Todo o seu outro lado... O verdadeiro.

— Por hora, me basta a sua compreensão, Morgan.

— Eu preferia que o senhor me chamasse de Alice. — ela disse com um grande e satisfeito sorriso.

— Alice — Snape repetiu — é muito íntimo. Nossa relação tem de ser o mais cordial possível.

— Não vejo por quê. Não é falta de respeito o fato de me chamar pelo primeiro nome.

— Chamo todas as outras alunas pelo sobrenome, Morgan, por que com você seria diferente?

— Porque te conheço desde que nasci, e pensei que fôssemos amigos.

Snape fitou Alice demoradamente. Lembrava-se da última vez em que considerara uma mulher como sua amiga, e até aonde aquela "amizade" o havia levado.

— Eu gosto de você, Morgan — Snape disse cerrando os olhos e respirando fundo — gosto muito. Por isso confio todos os meus segredos a você.

— Gosta mesmo?

— Por que essa dúvida agora?

— Não sei, ás vezes penso que sou um peso para o senhor.

— Não sei quem colocou isso na sua cabeça, Morgan, mas certamente não é o que eu penso. Você está aqui sob a minha proteção, tenho uma grande responsabilidade, mas isso não me incomoda, muito pelo contrário.

Alice deu um sorriso cansado e afrouxou a tensão dos ombros.

— E meus pais? — indagou, mudando de assunto.

— Estão bem — Snape respondeu — ao menos por enquanto.

— Ás vezes penso em me juntar aos Comensais só para ficar perto deles.

— Nunca permitirei isso, Morgan. — Snape disse sério — Nunca, ouviu bem? Você acha que seus pais gostariam disso? Se foram eles mesmos que me pediram para cuidar de você...

Sem aviso prévio, Alice se atirou nos braços de Snape, abraçando-o forte, com os olhos bem fechados, sentindo o rosto queimar.

— O que é isso agora? — indagou Snape, envolvendo-a, constrangido.

— Preciso de um pouco de conforto — ela disse com a voz embargada — os dias têm sido tão terríveis!

— Vai ficar tudo bem — ele disse cariciando os cabelos da garota — eu prometo.

Snape nunca prometia nada em vão à Alice, por isso ela ficava tranqüila quando ele dizia que ficaria tudo bem.

Alice Morgan era dona de uma das histórias mais peculiares do mundo da magia. Sonserina, sangue-puro, filha de dois Comensais da Morte, ela era contra as idéias destrutivas de Voldemort. O fato é que seus pais pertenciam à Ordem da Fênix, e aproveitando-se de seu sangue-puro e raízes sonserinas, se tornaram Comensais da Morte para se infiltrarem em meio aos outros Comensais e Voldemort, podendo levar informações cruciais à Ordem. Mais ou menos o mesmo trabalho que Snape, que era um grande amigo da família. Na verdade, Snape conhecia os Morgan desde antes de Alice nascer. Ele tinha um grande afeto pela menina, e ela por ele. Quando criança, ela tinha crises nervosas e chorava muito, gritava compulsivamente, e Snape era o único que conseguia acalmá-la. Tantas e quantas vezes ela já havia dormido no colo dele... Que Alice sentia um grande afeto por Snape, isso ela sabia desde que tomara consciência dos seus próprios sentimentos, mas ela não esperava que fosse se apaixonar. Quando descobriu foi um impacto. Rejeitou tudo o que podia o sentimento, mas não pôde evitar. Quando finalmente teve coragem de assumir seu amor, assumiu apenas para si mesma, ninguém mais. Não se imaginava contando para Snape sobre seus sentimentos, pois imaginava ela que ele a amasse apenas como uma criança que tinha sob seus cuidados, mesmo ela já tendo dezessete anos. Ainda que não confessasse seu amor, Alice não podia se controlar quando estava perto de Snape, e acabava por abraçá-lo, agradá-lo de todas as formas que podia. Ele, por sua vez, não estranhava, já que Alice desde sempre fora ligada à ele. O que incomodava a garota era o fato de, ao começar a dar aulas de Poções a ela, Snape passara a chamá-la pelo sobrenome, e cada vez mais, a tratá-la o mais cordialmente possível.

Agora, seis anos depois, ela sabia de toda a vida de Snape, toda a verdade que ninguém conhecia, sobre ele estar trabalhando para Dumbledore, e até sobre seu amor por Lily Evans. Snape também pensava conhecer tudo sobre Alice Morgan, e de fato conhecia mesmo, salvo pelo que era mais importante nela: Seu amor secreto por ele.

Alice não estava ainda acostumada às aulas de Poções de Slughorn, embora ele demonstrasse certo apresso por ela.

— Morgan — ele disse ternamente, com um sorriso doce, se aproximando da garota e de seu caldeirão — está tudo bem?

— Ah — Alice disse desconcertada, corando ligeiramente — tudo certo, professor.

— Você me parece bem distraída, e já não é de hoje. Não estou lhe dando uma bronca, Morgan, apenas estou chamando a sua atenção por seu bem.

— Eu sei, professor — ela disse de cabeça baixa, ainda desconcertada, sentindo uma imensa vontade de correr dali — peço desculpas e reconheço que ando realmente distraída.

— Não fique com raiva de mim, minha pequena boneca de cera.

Alice olhou assustada para o professor, e sentiu o sangue lhe sumir das faces. Como podia Slughorn saber que ele a chamava assim?

— ...Como diz Severus. — ele completou, para o desespero da garota.

Alice sentiu uma pontinha de malícia nas palavras de Slughorn, como se ele houvesse percebido seus sentimentos. Mas como? Ela os guardava absolutamente bem. Aquilo ficou em sua cabeça por uma semana inteira, e só saiu quando deu lugar a outro pensamento mais urgente.

— Morgan, — chamou uma voz não familiar à garota, quando à noite, após voltar do jardim, ela andava pelos corredores da masmorra rumo ao salão comunal da Sonserina.

— Sim? — ela disse intrigada parando e olhando para trás.

— Tem um minuto? — indagou aquela mulher rude que, mesmo com a pouca luz do corredor, Alice reconheceu como Aleto Carrow, a Comensal da Morte, agora professora de Estudo dos Trouxas, que passara a ser uma disciplina obrigatória a todos os alunos.

— Claro — Alice respondeu ligeiramente temerosa, sabia das coisas horríveis que aquela mulher e seu irmão, Amico Carrow, faziam com os alunos que os irritavam — pode dizer, professora.

— Abelardo e Susan Morgan têm tido um comportamento estranho, segundo outros Comensais e o próprio Lord andam dizendo.

— Não estou entendendo. — mentiu Alice fechando a mente muito bem, como Snape a ensinara desde que entrara em Hogwarts.

— Seus pais são suspeitos, Morgan. Lord Voldemort tem uma ligeira desconfiança de que eles estão passando mensagens para a Ordem da Fênix.

— Impossível — mentiu novamente, tentando ser o mais convincente que podia — meus pais gastaram a vida inteira servido ao Lord, são Comensais confiáveis. Que diabos eles iriam querer com aquela ordem nojenta?

— Infiltrar-se entre os Comensais para pegar informação. Basta para você?

— Não — disse Alice empalidecendo, sentindo o coração disparar — eles jamais fariam isso. Sempre concordaram com os ideais do Lord...

— É a sua palavra contra a de Voldemort, querida — satirizou Carrow — e eu estou de olho em você, louca para lhe aplicar um de meus castigos.

— Por que faria isso, se tenho sangue-puro e sou a favor das idéias do Lord?

— Se isso fosse verdade, por que estaria usando Oclumência?

Alice ficou sem saber o que dizer, e para a sua sorte, nessa hora apareceu aquele que sempre a salvava de alguma forma.

— Aleto — disse Snape com sua voz grave, aparecendo de repente, como se surgisse das trevas. Alice suspirou aliviada — algum problema com Morgan?

— Uma ligeira desconfiança, Severus — disse a mulher tranqüilamente — de que essa garota e seus pais não estejam do nosso lado.

— Não se preocupe — disse Snape muito mais convincente que Alice — conheço os Morgan há muitos anos, são confiáveis.

— Voldemort está desconfiado.

— E não é para menos. Ele é o senhor dessa guerra, deve ficar atento a todos os sinais. Obviamente não estou desmerecendo a palavra do Lord, mas posso garantir que os Morgan são confiáveis.

— Se nosso grande diretor está dizendo — disse Aleto com desdém — quem sou eu para discordar?

Com um sorrisinho dissimulado ela deu as costas, sem olhar para trás.

— Snape... — começou Alice.

— Conversamos na minha sala. — Snape disse, cortando as palavras de Alice.

Snape só voltou a falar quando entrou na sala antes do escritório do diretor e trancou bem a porta.

— Eu já estava sabendo dessa desconfiança de Voldemort — Snape disse sentando a uma poltrona e indicando a outra em frente à Alice — não lhe disse nada para que não ficasse preocupada.

— Deveria ter dito — disse Alice quase com raiva — seria melhor saber por você que por aquela mulher horrível.

— Morgan, seus pais, de fato estão deixando quase evidente que pertencem à Ordem da Fênix.

— Impossível!— exclamou Alice inconformada — Eles costumavam serem discretos.

— Porém agora a situação requer mais dedicação da parte deles, e não tem como continuar sendo tão discretos quanto antes.

— Se Voldemort descobrir, ele os mata e me mata também.

— Você está a salvo enquanto eu estiver aqui para te proteger, Morgan. Por hora, deve se preocupar só com seus pais.

— Quero fazer alguma coisa por eles, mas não sei o que.

— Não se exponha ao perigo. Você é a principal preocupação de Susan e Abelardo.

— Eles precisam sair do covil de Voldemort, a Ordem deve escondê-los o quanto antes. Diga isso a alguém da Ordem, Snape, por favor.

— É impossível tirar seus pais de lá sem que algum Comensal perceba.

— Mate-os! — exclamou Alice alterando a voz — Mate os Comensais que perceberem.

— Você acha que as coisas são simples assim — disse Snape com rispidez — porque nunca esteve lá, não sabe como as coisas funcionam. Apenas fique fora disso, Morgan, você ainda é muito criança...

— EU NÃO SOU CRIANÇA!

Snape se assustou, não esperava que Alice gritaria daquela forma, assim como não esperava que ela ficaria tão transtornada. A garota enterrou o rosto nas mãos e começou a chorar compulsivamente. Arrependido, ele sentou ao lado dela e a abraçou.

— Eu não quis ofender — Snape disse com a voz branda, quase em um sussurro — me perdoe se te magoei.

— Estou desesperada — Alice desabafou — talvez você tenha razão, eu sou muito criança para carregar todos os problemas que carrego.

— Você é mais forte do que imagina, Morgan.

— Por que não me chama mais de Alice? — ela disse levantando o rosto e encarando Snape nos olhos.

— Já conversamos sobre isso.

— Você já foi tão diferente comigo. Lembra quando conversávamos e ríamos juntos? E saíamos para tomar sorvete nas tardes de domingo? Por que não somos mais assim? O que eu fiz de errado para o meu herói me tratar com tanta frieza?

Snape baixou os olhos e seu semblante ficou ainda mais triste.

— Não é culpa sua — ele disse com certa relutância — você nunca fez nada de errado. Continuo te adorando da mesma forma que sempre adorei, mas precisamos nos tratar mais cordialmente. Você não é mais uma garotinha, Morgan, e eu sou seu professor, e...

— Cordialmente? Cordialmente? Por que você adora tanto essa palavra? Não importa que você seja o meu professor, por isso não podemos ser amigos? Lembra todas as vezes que eu tinha crise e você me amparava? Agora que enfrento uma das maiores de toda a minha vida você está longe de mim! E não adianta dizer que está ao meu lado, não adianta ter a sua presença, eu quero o seu carinho!

— Também não é fácil para mim, Morgan.

— Então acabe com isso logo, Snape! Por Merlin, o mundo bruxo está beirando o caos, quem é que vai se importar com o fato de você ser meu professor e meu amigo? Pense, Snape, isso não tem lógica alguma!
— Vá para o salão comunal, Morgan, já está tarde.

— Eu não terminei de falar...

— Por favor, não discuta comigo.

Alice encarou o rosto impassível de Snape pelos segundos mais longos de sua vida. Não tinha armas, sabia que deveria obedecer ao professor. Saiu da sala com lágrimas nos olhos, sem dirigir qualquer palavra à Snape. Fechou a porta atrás de si e saiu andando lentamente, olhando para trás, esperando que ele se arrependesse e a chamasse de volta, mas ele não o fez. Começou então a correr, desceu todos os lances de escadas em disparada, chorando compulsivamente, os soluços ecoando pelos corredores vazios e silenciosos.

Aquela noite, Alice passou olhando a lareira, as lágrimas caindo, tentando entender o porquê de todo aquele sofrimento, porque ela, que nunca havia feito nada de muito ruim na vida deveria passar por aquele tipo de coisa. Sentia falta de quando era criança, tinha a companhia de seus pais, e principalmente a de Snape. De repente desejou que Voldemort vencesse, que destruísse a todos. Segundos depois se arrependeu de ter desejado, estava sendo egoísta e mesquinha. Enquanto todos aqueles bruxos de bom coração lutavam para viver, ela estava querendo que todos morressem para solucionar um problema que era apenas seu. Alice sabia, o que a deixava mais depressiva era o amor por Snape. Sabia também que teria forças para continuar sobrevivendo e torcendo por seus pais, caso Snape voltasse a segurá-la cada vez que ela caísse. Olhou à sua volta, estava totalmente sozinha. Sentiu-se pequena, fraca. Desejou gritar por Snape a plenos pulmões, mas sabia que não o faria. Cansada, adormeceu ali mesmo no salão comunal, sendo acalentada por seus próprios soluços.