Disclaimer: Durarara!, não me pertence e esta fic não tem fins lucrativos.
Pairing: Shizuo/Izaya
Género: Romance/Drama/AU
Aviso: Minor Characters Death
Nota: É a primeira vez que escrevo um AU destas proporções, e quero com isto dizer que nunca criei um Universo Alternativo digno desse nome, normalmente limito-me a mudar um ou outro pormenor da história original e fico-me por aí, mas desta vez decidi criar uma coisa diferente, algo que não tivesse praticamente nada a ver com a história original.
Boa leitura.
Fly me to the moon, let me swing among those stars
Prólogo
O Circo é uma das formas de entretenimento mais antigas da civilização Humana.
As pessoas sempre vão gostar de circo, umas mais do que outras, ou talvez não apreciem certos números, mas de uma maneira ou de outra, todas as pessoas gostam de circo.
E porquê?
Pelo cocktail de emoções que lhes é apresentado, talvez.
Risos, lágrimas, espanto, surpresa, raiva, drama, amor, força, beleza, fealdade, tudo isso é apresentado num curto espaço de tempo e é assimilado de uma vez só.
É como viver uma vida inteira num instante e num espaço físico confinado.
Soa pretensioso? Talvez, mas não deixa de ser verdade.
Na sua maioria, os circos de hoje em dia são itinerantes, mas ainda há alguns estacionários, sendo esses últimos os mais populares pois primam pela espectacularidade dos números apresentados, que variam constantemente.
E é num desses que se situa esta narrativa.
Numa feira popular de grandes dimensões, que funcionava o ano inteiro, existia um enorme edifício que se destacava de todos os outros.
Era uma construção de madeira bastante pitoresca, que caso não se soubesse que fazia apenas um ano desde o término da sua construção, dir-se-ia que já existia há dezenas de anos, devido às características oitocentistas da fachada.
Na realidade, essa companhia de circo conhecida por ser bastante excêntrica e que pertencia à afamada família Kishitani, já existia há mais de vinte anos, mas há cerca de quatro, um incêndio de grandes proporções reduzira o edifício a pouco mais do que cinzas.
Três pessoas perderam a vida e dezenas ficaram feridas.
As causas do incêndio permanecem pouco claras, mas houve quem dissesse que tudo começara com uma discussão.
Capítulo I – Reminiscências
"Onde é que está o Shizuo?!", Gritou uma voz histérica e desesperada, "Esta coisa vai cair-nos em cima se ele não vier cá depressa!"
Era Erika, que ajudada por Walker tentava colocar o cenário do palco no sítio. Tinham conseguido levantá-lo do chão e agora estavam a empurra-lo, mas estavam claramente os dois aflitos, porque o cenário devia pesar perto de trezentos quilos e eles já tinham os joelhos a tremer.
De repente o cenário foi colocado no sítio com estrépito e eles deram um salto surpreendidos.
"Quem é que vos mandou inventar?!", Reclamou a voz irritada de Shizuo, enquanto ele sacudia o pó das mãos, "Não sabiam esperar?! Seus palhaços de merda!"
Eles fizeram um ar altivo, levemente ofendido.
"Ser palhaço é uma profissão muito digna, caríssimo senhor Heiwajima. E ia pedir-lhe que não usasse esse tipo de linguagem perante uma tão bela paisagem!", Exclamou Erika, altivamente, apontando para o cenário.
"De péssimo gosto, sem dúvida", apoiou Walker "Um luar tão bonito e o senhor conspurca-o com vocábulos de cariz duvidoso"
Nesse momento Erika atingiu o clímax do drama, atirando-se ao chão de joelhos, com lágrimas nos olhos e os braços levantados num gesto de imploração.
"Oh Deus", começou ela "Um ambiente que inspira a poemas românticos, a prosas épicas, a danças exóticas, oh, oh, OHHHH! Oh, mundo cruel! OHHHHH! Não tendes coração!", Exclamou ela, atirando-se para o chão a chorar dramaticamente.
"OHHHHHH!", Fez Walker também, antes de se atirar também para o chão a rebolar.
Shizuo ficou ali a olhar para eles com cara de poucos amigos durante todo aquele drama.
"Tsk…quem é que vos atura!", Resmungou, antes de enfiar as mãos nos bolsos e ir embora, irritado.
E ainda conseguiu ouvi-los descascar-se a rir antes de se enfiar para os bastidores e deixar de os ouvir.
Ainda se conseguia sentir um ligeiro cheiro a novo ali dentro. Algo normal, uma vez que o edifício tinha apenas um ano.
Entrou no seu camarim e fechou a porta atrás de si.
Ficou parado ao pé da porta, olhando em volta.
Estava tudo practicamente igual ao que era antes do incêndio e isso irritava-o.
Tudo, desde a mobília até às cores acastanhadas da madeira das paredes, era exactamente igual. Aquele toucador ridículo com luzes continuava no mesmo sítio, e até aquela estúpida poltrona verde-musgo continuava ali. Ele detestava aquela poltrona horrenda.
Não era suposto fingirem que nada tinha acontecido, deviam lembrar-se! Em nome dos que tinham morrido!
Mas não, apesar de não ter havido espectáculo durante quatro anos, todos se comportavam como se nada tivesse acontecido.
A começar por aqueles dois palhaços, que pareciam viver numa eterna peça de teatro.
Era como se aqueles quatro anos não tivessem existido para aquela gente.
Deu um pontapé num vaso de flores que estava encostado ao cabide da entrada, fazendo-o voar para o outro lado da divisão, antes de se estilhaçar contra a parede espalhando terra por todo o lado.
Sentia a respiração sair-lhe dolorosamente dos pulmões quando se foi sentar na maldita poltrona verde musgo.
Encostou o rosto às mãos, apoiando os cotovelos nos joelhos.
Esfregava o rosto com força, sentindo uma fúria enorme começar a apossar-se de si.
A respiração começava a descontrolar-se, doía-lhe o peito, e sentia o corpo dormente.
Quatro anos. Já se tinham passado quatro anos desde o incêndio.
Quatro anos desde que eles tinham morrido e ninguém parecia querer lembrar-se.
Como é que podiam fazer uma coisa dessas?! Como é que podiam querer esquecê-los?! Fazer isso era o mesmo que ignorar o facto de eles terem existido, de terem actuado junto deles, de terem sido colegas de trabalho.
As imagens desse dia passaram-lhe violentamente à frente dos olhos e conseguiu ouvir novamente os gritos de desespero.
x
Fora no dia 23 de Dezembro. Dois dias antes do Natal.
Estava um frio cortante e a neve caía incessantemente, cobrindo a terra com um manto branco, gelado.
O Circo parecia um gigantesco bolo de chantilly.
Era de noite, e as luzes da fachada brilhavam convidativamente entre os flocos de neve que caíam do céu em cascata, e nesse dia, a plateia estava cheia. Não cabia mais ninguém.
Sendo o tão esperado espectáculo de Natal do Circo Sturlson, não admirava que assim fosse.
Tudo corria como previsto, o público estava ao rubro.
O número da cavaleira sem cabeça, que cavalgava pelo meio da plateia sem tocar em ninguém era uma das atracções principais.
Kazuka, o magnífico Ilusionista e as irmãs Orihara, as inacreditáveis contorcionistas, em números espectaculares de magia e movimentos corporais absurdos, que deixavam qualquer um em dúvida sobre a existência de ossos nos corpos das duas jovens, faziam as delícias do público.
Os malabaristas, os acrobatas de solo, a atira-facas. O público ia ficando cada vez mais excitado.
Faltavam apenas o tão esperado número do trapézio e os palhaços.
Lá fora estava um frio de morte, mas dentro do edifício o calor era inacreditável. Viam-se pessoas com as faces incandescentes por todo o lado, com as frontes suadas e os braços levantados de entusiasmo.
"Está aqui um calor que não se pode", dissera Shinra nos bastidores quando os trapezistas se preparavam para entrar em cena, abanando-se com um leque improvisado "E este fato não ajuda nada", reclamava ele "O sistema de aquecimento deve estar a trabalhar bem"
Ele era o apresentador e usava um fato roxo com lantejoulas e rendilhados brancos farfalhudos no pescoço e nos punhos.
"Lá fora deve estar-se pior", dissera Shizuo, que estava de roupa interior e não era suposto "Onde diabos é que estão os fatos?!", Perguntou ele em voz alta, furioso "O número começa dentro de 15 minutos, pá!"
"Porque é que não vais assim, Shizu-chan?", Perguntou uma voz divertidamente irritante, atrás dele "Acho que te favorece~"
Era Izaya Orihara, um dos seus volantes no trapézio.
Também ele estava só em roupa interior, e foi abraçar-se a Shizuo por trás, encostando o seu peito despido às costas nuas de Shizuo, antes de o abraçar com uma gentileza sensual e lhe cruzar os braços em volta do peito, colocando-lhe as mãos nos ombros e aproximando os dois corpos.
Shizuo arrepiou-se ao sentir o corpo esbelto de Izaya encostado ao seu naquele abraço tão íntimo.
Sentia nas costas os mamilos arrepiados, endurecidos pelo frio, e a pele surrealmente suave de Izaya, que apesar do calor insuportável que se fazia sentir, era demasiado fria, tal como as mãos geladas que sentia nos ombros.
"Tsk…larga-me, sua pulga", reclamou ele, mas não se lembrava de se ter tentado libertar dele nesse momento, "Porque é que estás tão gelado? Não tens sangue?!"
Izaya riu-se, soltando-o e afastando-se dele agilmente, aparecendo quase instantaneamente à sua frente.
"Talvez me pudesses aquecer um bocadinho antes de subirmos ao trapézio…o que é que dizes?~", Sugeriu ele semicerrando os olhos sedutoramente, em tom de provocação e com um sorriso nos lábios.
Aquele sorriso de orelha a orelha desenhado naqueles lábios finos e rosados parecia não pertencer ali, era como se distorcesse a expressão real do rosto de Izaya, que muito sinceramente, Shizuo não sabia dizer qual era.
Sabia apenas que aquele tipo o irritava com aquela estúpida maneira de ser.
Para não falar do facto de ele passar a vida a provoca-lo, por saber que Shizuo era uma pessoa com o pavio curto.
Com o pavio curto não, ele nem sequer tinha pavio nenhum. Era um barril de pólvora autêntico, e Izaya ficava encantado em afiar facas perto dele.
"Vai à merda, pá! Onde é que estão o raio dos fatos?!", Exclamou Shizuo, corando levemente e desviando o olhar de Izaya. E depois ainda vinha com aquelas brincadeiras parvas para cima dele!
Izaya fez um beicinho adorável, que era claramente fingido.
Shizuo começava a ficar furioso com a brincadeira. Não gostava nada quando Izaya se fingia de muito triste, porque para ele, aquela pulga não era capaz de sentir coisa nenhuma. Para ele, Izaya só sabia fazer duas coisas: piruetas e atazanar-lhe a cabeça.
Mas entretanto chegou Saki, a rapariga do guarda-roupa muito aflita com os fatos nos braços.
"Estão aqui os fatos! Desculpem pela demora", pediu ela em tom de súplica com lágrimas nos olhos, aterrorizada com a aura furiosa de Shizuo.
"Já não era sem tempo!", Exclamou Shizuo, arrancando-lhe os fatos das mãos.
Passou os fatos a cada um dos volantes e tratou de vestir o seu.
Ainda se lembrava, eram fatos de licra azuis e brancos com lantejoulas e um decote em V até meio do peito.
E estava na hora da apresentação.
"Shizuo-san…", ouviu ele uma voz trémula dizer atrás de si, depois de sentir alguém tocar-lhe no braço.
Já não havia mais ninguém no vestiário, e ele ia a sair também.
Virou-se para o encarar.
Era Masaomi Kida, o mais novo dos seus volantes, que tinha apenas 16 anos.
Tinha um ar de pânico estampado no rosto e tremia por todos os lados.
"O que é que se passa Kida?", Perguntou Shizuo, preocupado a olhar para ele "Sentes-te mal?"
De facto ele tinha passado o dia bastante calado.
"Err…eu…eu…tive um sonho…e…bem…eu…estou com medo…", admitira o rapaz por fim, engolindo em seco.
Shizuo ficou confuso a olhar para ele.
"Um sonho? Que tipo de sonho?", Perguntou, sem conseguir entender.
Kida estremeceu.
"Se calhar é uma parvoíce…mas…eu senti…senti que era uma premonição…", dissera ele, claramente aterrorizado.
Shizuo calara-se por momentos a olhar para o jovem à sua frente com ar pensativo, mas depois sorriu, colocando-lhe uma mão no ombro e dando-lhe umas palmadinhas.
"Está tudo bem…seja lá o que for, foi só um sonho! Não te preocupes com isso, vai correr tudo bem!", Assegurou Shizuo, confiante.
Kida sorriu também timidamente, parecendo mais bem-disposto.
"Vocês vão ficar aí a conversar ou vão subir?", Perguntou uma voz fria e exasperada de rapariga ao fundo do corredor.
Era Vorona, o único elemento feminino do número do trapézio.
Lembrava-se de como o fato dela era rosa em vez de azul e lhe assentava maravilhosamente nas curvas suaves do corpo.
Shizuo sorriu-lhe, animado.
"Vamos subir já, Vorona-san!", Declarou ele.
E subiram ao trapézio.
Aquele não era um número de trapézio comum. Não se limitavam a baloiçar de um lado para o outro no baloiço e dar meia dúzia de mortais pelo ar.
Era uma espécie de malabarismo humano, em que Shizuo era o malabarista encarregue de fazer circular os malabares humanos, pois tinha uma força inacreditável. Uma força monstruosa, como Izaya gostava de lhe chamar, para desagrado de Shizuo.
Para além da infra-estrutura de metal comum, havia quatro postes posicionados geometricamente na área de espectáculos. Cada um desses postes estava conectado com a infra-estrutura de metal através de cabos iluminados com luzes vermelhas.
Em cada um dos postes havia uma prancha, para os trapezistas poderem saltar para o baloiço respectivo.
O número do trapézio era o clímax do espectáculo, e no Circo Sturlson era particularmente apreciado pela sua excentricidade original.
Lembrava-se de sentir as mãos de Izaya nas suas, as mãos de Vorona, as mãos de Kida.
Lançava-os pelo ar como se eles não tivessem peso, era uma sensação assombrosa de poder.
Era fantástico vê-los dar mortais em pleno ar. Como se estivessem a voar.
Shizuo lembrava-se de ficar tão maravilhado como o público de cada vez que os via voar, apesar de os ver fazê-lo centenas de vezes.
Saber que era ele que os fazia voar era uma sensação extremamente gratificante.
Lembrava-se de ter visto Izaya piscar-lhe o olho com um sorriso, quando ele o lançou para a pirueta final e lembrava-se de ter ficado a vê-lo dar mortais rapidamente com uma elegância inacreditável, que nenhum dos outros possuía. Aquele idiota tinha talento, recordava-se de ter pensado nesse momento.
A primeira parte do número correu maravilhosamente e o público estava entusiasmadíssimo.
Mas na segunda parte, que era a parte principal, as coisas começaram a correr mal.
"Onde é que está o magnésio?!", Perguntou Shizuo, em desespero.
Estavam todos reunidos na plataforma principal e estavam a preparar-se para regressar às posições.
"Não sei!", Exclamou Kida, em pânico a tremer dos pés à cabeça.
"Não é aquilo ali em baixo?", Perguntou Vorona, apontando para o chão sob a plataforma, que ficava a nada menos do que 30 metros de onde eles estavam.
De facto era mesmo o pó lá espalhado em baixo.
"Quem é que espetou com aquela merda lá para baixo?!", Gritou Shizuo, enraivecido.
"Oops…acho que fui eu quando aterrei aqui…", admitiu Izaya, com um sorriso estranho a olhar para a porcaria que tinha feito.
Shizuo passou-se e agarrou-o pelos colarinhos do fato.
"E AGORA?! E AGORA O QUE È QUE VAMOS FAZER?!", Gritou-lhe ele, encarando-o furioso "ESTÁS A PENSAR PENDURAR-TE NA BARRA SEM MAGNÉSIO NAS MÃOS, SEU IMBECIL?!"
"NÃO GRITES COMIGO! NÃO FIZ DE PROPÓSITO, ESTÁ BEM?!", Gritou-lhe Izaya de volta, colocando as suas mãos nas de Shizuo e apertando-as com força e devolvendo-lhe o olhar, igualmente furioso.
"O CARALHO! EU CONHEÇO-TE!", Acusou Shizuo, enraivecido.
Izaya arregalou os olhos, com ar claramente chocado e cerrou os dentes, antes de lhe dar um soco na boca com toda a força.
"Não, não conheces", declarou Izaya, com uma frieza que ninguém lhe conhecia olhando-o com raiva no olhar.
Shizuo levou a mão ao lábio, que começara a sangrar, e afastou-se dele surpreendido.
Mas já não havia nada a fazer, ele já estava descontrolado. A pólvora acabara de explodir.
E quando deu por si, tinha tentado dar um soco a Izaya, que este desviou e que acertou no poste atrás dele.
As luzes dos cabos eram eléctricas, pelo que tinham de estar ligadas a alguma coisa, e essa coisa era a estrutura de metal, que por dentro era uma autêntica bomba eléctrica.
Shizuo partiu o metal com o punho, tão violento fora o soco, e enfiou a mão no meio dos cabos eléctricos que havia dentro da estrutura. Ao puxar a mão ensanguentada para fora, rebentou alguns deles, provocando instantaneamente um curto-circuito que rapidamente se espalhou a todos os outros cabos e incendiou o poste inteiro em poucos minutos.
Ninguém sabia exactamente o que se estava a passar lá em cima, até verem o poste a ser engolido pelas chamas.
Tal como o sistema de luzes era eléctrico, também o aquecimento era eléctrico, pelo que num instante os cabos do aquecimento, que estavam distribuídos, nada menos do que por todo o lado, incluindo os assentos da plateia e o telhado, se incendiaram, pegando fogo literalmente a tudo.
Shizuo olhava horrorizado para o que estava a acontecer, não querendo acreditar nos seus olhos.
Havia pessoas a correr em todas as direcções, ouviam-se coisas a explodir ao longe, a plataforma tremia. Parecia o inferno. Parecia realmente o inferno. Era difícil de acreditar que ainda há menos de dez minutos o espectáculo estava a decorrer com tanta perfeição.
"É como…como…no meu sonho…", murmurou Kida, em estado de choque, com os olhos arregalados e as chamas reflectidas no olhar.
Shizuo olhou para ele de repente, chocado com a revelação.
Ouviam-se os gritos desesperados das pessoas lá em baixo que se abalroavam e acotovelavam umas às outras na ânsia de escapar dali o mais rápido possível.
"NÃO QUERO MORRER!", Gritou Kida de súbito, sendo tomado pelo pânico e pelo desespero.
Agarrou no baloiço e içou-se para longe.
"NÃO! KIDA! NÃO FAÇAS ISSO! VAIS CAIR!", Berrou-lhe Shizuo "VOLTA AQUI!"
Já não havia rede de protecção, pois as chamas já a tinham destruído.
E saltou também para um dos baloiços, tentando alcançar o rapaz, mas já foi tarde demais.
Ainda conseguiu agarrar-lhe na mão antes de ele cair, mas ele tinha desmaiado, possivelmente por causa do pânico e da inalação de dióxido de carbono, e não agarrou na mão de Shizuo, pelo que escorregou-lhe e caiu desamparado, de uma altura de 30 metros.
De súbito pareceu que o som tinha desaparecido.
Não foi sequer capaz de ouvir os gritos que saíam da sua própria garganta.
Não, não, não podia ser, aquilo não podia estar a acontecer. Ele não podia ter morrido.
Olhou em volta.
Parecia que os acontecimentos se desencadeavam em câmara lenta. Conseguiu ver o rapaz cair e viu exactamente onde e o que lhe aconteceu, mas parecia tudo desenrolar-se demasiado devagar. Como se estivesse encurralado no sonho de outra pessoa.
Completamente descontrolado, ainda agarrado à barra com uma só mão, fazendo uma força titânica no metal da mesma, olhou para a plataforma, mesmo a tempo de ver Vorona a ser atingida com um cabo eléctrico que se soltara, e ser mortalmente electrocutada, caindo lentamente de joelhos na plataforma, cravando o olhar com o horror estampado, em Shizuo, antes de cair para a frente e consequentemente da plataforma abaixo.
Teve noção de ter arregalado os olhos e gritado a plenos pulmões, mas não conseguiu ouvir-se.
Não conseguiu ouvir nada.
Izaya estava de pé, olhando para o sítio de onde Vorona caíra, sem se mover.
Não tinha expressão no rosto, estava apenas a olhar. Olhou depois para a mancha escarlate que se formara no local onde Kida tinha caído, continuando na mesma posição estática.
E isso foi o que despertou Shizuo do horror em que se encontrava, sendo atingido brutalmente pela realidade e por tudo o que se passava à sua volta, incluindo o som, que voltara subitamente e quase o ensurdeceu.
"IZAYAAAAA!", Berrou ele, içando-se de repente para a plataforma.
Izaya estremeceu ao ouvir a sua voz e olhou para ele, com a mesma expressão vazia.
"Shizu-chan…", murmurou ele, inexpressivamente.
Shizuo aterrou na plataforma e encarou-o completamente desnorteado, respirando com força.
Havia fumo e chamas por todo o lado, metade do tecto já se tinha desmoronado e a plateia já tinha sido parcialmente destruída, bem como o círculo, cujo chão era de madeira.
A neve derretia-se ao atravessar o buraco do telhado, e parecia que estava a chover. Uma chuva quente e ácida.
As pessoas já tinham conseguido fugir quase todas, eles eram praticamente os únicos que ainda não tinham feito nada para sair dali.
"Eles estão mortos, Shizu-chan…", disse Izaya, abrindo um sorriso estranho, o mesmo sorriso de quando vira o magnésio espalhado lá em baixo, continuando com os olhos abertos inexpressivamente sem pestanejar "Eles estão mortos…"
Shizuo sentiu lágrimas de raiva começarem a escorrer-lhe copiosamente pela cara abaixo.
"EU SEI QUE ESTÃO!", Berrou ele, com a voz embargada pelas lágrimas "COMO É QUE PODES ESTAR TÃO CALMO?! COMO MALDITO?!", Atirou-lhe ele descontrolado, aproximando-se de Izaya, agarrando-o novamente pelos colarinhos do fato e levantando-o do chão.
Izaya não se moveu quando ele o agarrou, olhando novamente para o sítio por onde vira Vorona cair e depois para Shizuo, com o mesmo sorriso estranho e olhar vidrado.
"DIZ ALGUMA COISA, MALDITO! PORQUE É QUE ISTO ESTÁ A ACONTECER?!", Perguntou-lhe ele aos berros, com as lágrimas a escorrerem-lhe abundantemente pelas faces.
"Fomos nós Shizu-chan, a culpa foi nossa…", disse Izaya, num murmúrio.
E foi como se tivessem acabado de o apunhalar, tal foi a dor que sentiu no peito.
"NÃO! A CULPA È TUA! ESTAS SEMPRE A IRRITAR-ME! Odeio-te, odeio-te, ODEIO-TE!", Berrou Shizuo a plenos pulmões e a chorar cada vez mais.
E Izaya pareceu despertar do seu transe violentamente, com aquelas palavras.
Olhou-o com um ar furioso e ferido que Shizuo não lhe conhecia e que também não conseguiu perceber.
"Odeias-me, não é?", Perguntou ele, com o mesmo sorriso estranho que ficava ainda mais estranho naquele olhar de fúria "Seja, já calculava" disse ele friamente "Mas não vou deixar que me culpes só a mim, porque a culpa é tanto tua como minha", declarou ele, antes de dar um puxão para se libertar de Shizuo.
Shizuo ficou a olhar para ele chocado, não querendo acreditar no que tinha acabado de ouvir pois, e ele sabia-o demasiado bem, Izaya tinha toda a razão.
x
E já tinham passado quatro anos desde esse dia.
Para além de Kida e Vorona, também tinha morrido um dos responsáveis pelo sistema eléctrico ao tentar desligar a fonte de energia.
Shizuo e Izaya tinham sido salvos por Simon, o vendedor de sushi da feira, pouco depois da discussão na plataforma, tendo sido ambos içados através do tecto do circo pelo helicóptero dos bombeiros.
Depois de terem sido vistos pelos paramédicos, Shizuo perdeu Izaya de vista e não o voltou a ver mais.
Ninguém sabia dele, nem nunca mais se ouviu nada sobre o seu paradeiro.
Não se sabia se estava vivo ou morto.
Como causa do incêndio, tinha sido dito que fora um curto-circuito. Tendo ficado tudo practicamente reduzido a cinzas, tinha sido difícil averiguar a situação.
Shizuo sabia, claro, mas não fora capaz de dizer nada a ninguém. Simplesmente não conseguira reunir coragem suficiente para assumir a culpa pela morte dos companheiros e pela destruição do edifício. Ocultara todos os factos e não havia mais ninguém que soubesse o que realmente tinha acontecido para além dele.
E de Izaya, que tinha desaparecido depois do acidente.
Desde esse dia Shizuo não tivera uma noite de descanso, digna desse nome. Sentia um peso no peito, um nó na garganta, uma fúria latente.
Não voltara a subir ao trapézio desde então.
Era agora um acrobata de solo, e fazia um número acrobático com as irmãs Orihara, as irmãs de Izaya.
O trapézio fora reconstruído, mas permanecia intocado. Não havia trapezistas.
Existia a infra-estrutura mas não quem a subisse.
Shizuo abanou a cabeça, esfregando o rosto mais uma vez, tentando libertar-se daqueles pensamentos pouco saudáveis.
Levantou-se e foi até ao toucador, apoiando as mãos na mesa, antes de olhar para o espelho.
Estava com um aspecto horrível. Tinha o cabelo todo desgrenhado, viam-se olheiras profundas debaixo dos olhos e estava extremamente pálido. Estava a usar uma camisa branca aberta até meio do peito e uns jeans largos velhos e gastos, parecia quase um mendigo.
Suspirou, virando-lhe as costas, depois de pegar num cantil de whisky que ali tinha e dar um trago.
O sabor forte da bebida a escorrer-lhe pela garganta acalmou-o ligeiramente.
Era Novembro, e estava frio.
Talvez fosse melhor não pensar mais nisso, estando a cerca de um mês do dia 23 de Dezembro, era normal que pensasse nesses acontecimentos com mais frequência, mas tinha de se controlar em nome do Circo Sturlson.
Afinal, o espectáculo tinha de continuar, fosse como fosse.
x
"Bem, meus queridos artistas", começou Shinra abrindo os braços e um sorriso de orelha a orelha, depois de estarem todos reunidos num dos vestiários para uma reunião de pessoal "Como devem estar cientes, chegou aquela altura do ano em que começamos a preparar o espectáculo de Natal"
Ouviram-se sons de concordância.
Shizuo permaneceu calado.
"E sendo o primeiro Natal desde que o Circo Sturlson reabriu, queremos fazer deste o maior espectáculo da Terra!", Exclamou ele, invocando o seu alter-ego de apresentador.
Várias pessoas se riram.
Shizuo permanecia imóvel.
Nesse momento Shinra calou-se, esperando que todos se calassem para continuar a falar.
"E para tal", começou ele "Vamos inaugurar o trapézio"
Silêncio. Ninguém se manifestou. Todos sabiam exactamente o que aquilo significava.
"Não vou subir", declarou Shizuo simplesmente.
O silêncio continuava. Certamente que já esperavam aquela reacção.
"Shizuo…", começou Shinra calmamente, que também já estava à espera "Já passaram quatro anos…"
"Podiam ter passado dez. Não vou subir", repetiu Shizuo, terminantemente, levantando-se do chão, onde estava sentado tal como todos os outros "Não vale a pena insistires, Shinra. Não vou mudar de ideias"
"Mas…", insistiu Shinra, fazendo um ar esperançado.
"Não", disse Shizuo, elevando a voz, mas permanecendo relativamente calmo "Não subo. E se me tentarem obrigar, vou-me embora do circo"
E Shinra calou-se, decidindo que não valia a pena continuar a insistir.
Ninguém abriu a boca e estava um silêncio de cortar à faca quando Shizuo abriu a porta do vestiário e saiu, fechando-a atrás de si.
Caminhou pelo corredor fora em silêncio, dirigindo-se para a rua.
Precisava de ir apanhar ar. Estava prestes a rebentar. Felizmente tinha conseguido manter a calma junto dos outros.
Abriu a porta que dava acesso ao exterior e foi imediatamente fustigado por um vento forte e gelado.
Exactamente o que ele precisava para acalmar os ânimos. O vento ajudava-o sempre a relaxar as ideias, talvez devido ao facto de se concentrar apenas naquele som uivante e esquecer por momentos os seus próprios pensamentos.
Puxou do maço de tabaco e tirou um cigarro, que acendeu com o isqueiro que guardava dentro do pacote.
O vento fumar-lhe-ia metade do cigarro, mas não importava. Apenas o gesto de fumar era suficiente para o deixar mais calmo, novamente porque isso o distraía por momentos, tal como o som do vento.
Mas como é que ele lhe podia pedir para subir ao trapézio daquela maneira? Como é que ele podia usar o facto de já terem passado quatro anos como desculpa?!
Ele tinha estado lá! Ele tinha visto o estado em que Kida tinha ficado! O estado em que Vorona tinha ficado!
Sentou-se no chão, encostado à parede a fumar.
Ele não lhe podia pedir para voltar a subir assim sem mais nem menos usando o tempo como desculpa!
Não havia tempo que curasse o horror daquele dia, assim como não havia tempo que o fizesse esquecê-los.
Se eles quisessem tentar esquecer, que o fizessem, ele não estava disposto a isso.
Não queria fazê-lo. O peso das mortes deles era o castigo por não ter dito a verdade sobre o que acontecera.
E além disso, tal como Izaya dissera, a culpa era dos dois.
Mas Izaya não devia sentir aquele peso no peito que ele sentia.
Pensar nisso fê-lo ficar novamente furioso.
Não conseguia apagar do espírito o sorriso que ele tinha no rosto naquele momento
Não sabia dizer que tipo de expressão era aquela, porque nunca a tinha visto no rosto de Izaya. Nem no de ninguém para dizer a verdade.
O que é que ele tinha sentido? Que reacção fora aquela?!
Durante aqueles quatro anos esse fora um pensamento recorrente do seu dia-a-dia. Sim, porque durante todo esse tempo, não conseguira pensar em practicamente mais nada, exceptuando os momentos em que estava a actuar, de uma maneira ou de outra os seus pensamentos vagavam sempre para essas memórias.
Porque é que se tinha ido embora daquela maneira? Onde é que ele estava agora?
Levantou-se de repente do chão, sentindo o coração bater desconfortavelmente devido aos nervos.
Atirou o resto do cigarro para o chão e pôs-lhe o pé em cima, esmagando-o.
"Shizuo", ouviu ele uma voz inexpressiva dizer atrás de si, antes de ouvir a porta fechar-se.
Virou-se para trás e viu Kazuka, encostado à parede a olhar para ele de braços cruzados.
Ficou com ar chateado ao ver o irmão e virou o rosto para o lado, enfiando as mãos nos bolsos.
"Mandaram-te vir fazer-me mudar de ideias?", Perguntou irritado.
"Não", respondeu Kazuka simplesmente "Todos sabem que não vale a pena insistir contigo. Sobretudo eu. Caso não te lembres, sou teu irmão desde que nasci."
Shizuo não pode deixar de se rir um pouco da forma séria como ele disse aquilo.
"Pois és, já me tinha esquecido", brincou ele, com um ligeiro sorriso.
Kazuka não sorriu. Ele nunca sorria, e Shizuo já estava mais do que habituado a isso.
"Mas posso perguntar-te uma coisa?", Perguntou Kazuka de súbito, olhando-o nos olhos fixamente.
Shizuo encarou-o de volta.
"Força", disse, mas tinha a sensação de que não ia gostar da pergunta.
"Porque é que não queres subir?", Perguntou Kazuka.
Shizuo calou-se, cerrando os punhos nos bolsos.
Porque é que ele não queria subir?
Talvez por ter medo de provocar outra catástrofe. Talvez por não querer deixar mais ninguém morrer. Talvez por sentir que desrespeitaria a morte dos companheiros se o fizesse.
E não respondeu à pergunta. Era demasiado complicado.
"Não queres responder. Compreendo. Não vou insistir", afirmou Kazuka "Mas relembra-me só porque é que viemos para o circo"
"Porque eu sou uma besta descontrolada com uma força monstruosa e tendência a provocar destruição onde quer que esteja, e os nossos pais não conseguiam suportar os problemas que eu causava?", Respondeu Shizuo com uma pergunta, quase instantaneamente.
"Idiota", insultou Kazuka em voz alta, semicerrando os olhos.
Shizuo surpreendeu-se. Era verdade essa era a razão principal, não entendia a razão de ele ter ficado irritado.
"És um idiota", repetiu Kazuka "Não gostas do que fazes?"
Shizuo calou-se por momentos, olhando para o rosto do irmão.
Se ele gostava do que fazia? Ele estava a referir-se ao trapézio e às acrobacias aéreas?
Com certeza que sim, porque era isso que ele fazia. Ele era trapezista, não era acrobata de solo.
E se ele dissesse que não gostava do trapézio estaria a mentir com quantos dentes tinha na boca. Sempre gostara, e quando fora para o circo, aos 12 anos, dissera imediatamente que queria treinar para ser trapezista.
Fora então que conhecera Izaya e os outros, ganhando uma nova família. Uma família que o aceitava como ele era, apesar de ele ser diferente. E fora feliz no circo apesar de algumas divergências.
Kazuka acompanhara-o, alegando que não podia deixar Shizuo por conta própria.
Claro que também ele tinha vocação para as artes circenses e revelara desde cedo interesse pelas artes do ilusionismo, mas Shizuo sempre se sentira culpado por ele ter deixado de seguir uma carreira na sociedade em prol do circo.
Cravou as unhas nas palmas das mãos, virando o rosto para o lado.
"Gosto", murmurou amargamente "Mas isso não quer dizer nada"
Kazuka ficou a olhar para ele, atentamente.
"Entendo", disse ele, depois de alguns minutos tensos de silêncio, desencostando-se da parede e abrindo a porta para regressar lá para dentro.
Mas ao levar a mão à maçaneta hesitou.
"Se por acaso o Izaya regressasse,", começou ele de súbito, "voltarias a subir?"
Shizuo olhou para ele de olhos muito abertos, sentindo o coração bater com força.
"Não precisas de responder", declarou Kazuka inexpressivamente, antes de abrir a porta e entrar, fechando-a atrás de si.
Voltaria?
Ficou parado a olhar para a porta, inexpressivamente, com a boca ligeiramente aberta do choque.
Voltaria a subir se Izaya regressasse…?
Se ele regressasse, muito sinceramente, não sabia qual seria a sua reacção, afinal ele desaparecera sem deixar rasto, sem dar explicações a ninguém, nem dizer para onde ia.
x
Nessa noite, Shizuo não dormiu praticamente nada, como seria de esperar, e levantou-se mais cedo do que toda a gente, indo até lá fora para fumar o seu cigarro matinal.
Estava um frio cortante e o sol ainda não tinha nascido completamente.
Eram seis e meia da manhã.
Nessa manhã, o ar estava diferente. Não sabia dizer o que se passava, mas parecia-lhe sentir algo estranho, algo que já se lembrava de ter sentido.
Ignorou a sensação por momentos, perdido em pensamentos, soprando o fumo do cigarro lentamente e fechando os olhos por segundos.
Segundos que fizeram toda a diferença.
Quando voltou a abrir os olhos, foi tomado pelo choque, não querendo acreditar no que estava a ver.
"Shizu-chan~", cantarolou aquela voz conhecida e sorridente "Há quanto tempo. Quem diria que a primeira pessoa que eu iria reencontrar ias ser tu"
Era Izaya Orihara, em carne e osso.
Shizuo ficou estático a olhar para ele de boca aberta e olhos arregalados, com a mente completamente em branco.
Fim do 1º Capítulo
Nota final do primeiro capítulo: Bem, acho que o conteúdo da história ficou mais ao menos explicado neste capítulo [não me odeiem por ter cometido uns homicídios, não foram ao acaso nem só porque eu não gosto dos personagens (ok, podem bater-me um bocadinho, eu não me importo uwu'')]. Comentem, preciso de opiniões e não é para me armar em nada, mas só posto novos capítulos se houver pelo menos uma pessoa interessada em ler a continuação. É uma questão de lógica, como isto não tem fins lucrativos, um leitor apenas chega-me, mas imaginem que tinha fins lucrativos. É nisso que eu me baseio. uwu'
Ps.: A fic não está marcada como drama por acaso, mantenham isso em mente.
