Jane's House

No auge dos meus 40 anos, divórcio, guarda compartilhada e filhos pré-adolescentes não são a parte mais fácil da minha rotina, bandidos, assassinos, tiroteios e buscas implacáveis pareciam mais simples e menos exigentes que os dois juntos em uma segunda de manhã.

Meu filho mais novo é o pequeno Nickolas, são 7 anos de pura fofura e esperteza, no momento mais esperteza que fofura na verdade. Existem dias que eu quero quebrá-lo ao meio, mas, em geral ele é meu melhor amigo. Nick tinha lindos cabelos pretos enrolados como os meus, que precisavam desesperadamente de um corte, seus olhos eram castanhos claros e sua pele branca, o sorriso espalhava pelo seu rosto, deixando suas pequenas bochechas rosadas e olhos bem pequenininhos, eu sentia certo orgulho toda vez que o olhava, ele era um pedaço de mim, conseguia ver minhas manias, meus trejeitos e até a risadinha malandra. Ele ainda tinha alguns momentos fofos, quando dormia no sofá eu ainda o carregava, chorava quando algo não o agradava, fazia bico e ainda tinha a coberta que arrastava pela casa, existia nele o restinho do bebe que um dia eu tive.

Já minha filha é a Alice, são 14 anos do que foi um dia fofura e hoje é só algo tenta me enlouquecer sempre que tem chance, é claro que ainda vejo minha menininha correndo pela casa, com seus tutus, lacinhos, coisinhas floridas e coisas cor de rosa, tudo aquilo que me desesperava e que não sabia exatamente como lidar, mas, ao mesmo tempo vejo a música alta, a teimosia e a ligeira falta de modos que eu tenho certeza, eu soube ensinar como ninguém. Alice tinha os cabelos dourados e os olhos verdes, já era alta e esguia, mais do que a maioria da sua sala, isso a destacava, não de um jeito desproporcional, era atleta e isso a deixou ligeiramente agressiva.

-"Ma, anda logo! Minha mãe vai te matar se eu chegar atrasada mais uma vez, toda vez que durmo aqui eu perco o primeiro período e já falaram isso pra ela." – Alice e Nick estudavam em um dos colégios mais famosos de Boston, era aluna exemplar e não possuía falhas quando o assunto era seus boletins ou desempenho em esportes, suas amigas eram filhas de políticos, celebridades e empresários famosos, que queriam seus filhos preparados para Harvard, isso dificultava um pouco a minha vida, já que por mais que eu vivesse aparecendo nos noticiários, minha vida não era nem um pouco glamorosa.

-"Era só ter levantado mais cedo, a culpa não é minha, querida." – Eu disse rindo e ela mais emburrada ficava.

-"Você e o Nick são enrolados isso sim, semana que vem eu fico na casa da minha mãe!" –

-"Fica nada, você morre de saudades de mim que eu sei! Vamos Nick, sua irmã está atrasada." – Eu gostaria de ser uma mãe exemplar mas deixá-la nervosa era quase uma obrigação.

-"tá nada, mãe! Ela quer é ficar vendo o time de futebol e ela chega atrasada porque fica conversando com o Connooooor!" – ele cantou a novidade enquanto fazia careta, minha cabeça até doeu ao escutar.

Alice estava em choque, seu rosto alcançou em poucos segundos vários tons de vermelho e eu conseguia ver ódio nos seus olhos.

-"CALA BOCA, Nick!" - quanto mais raiva ela sentia mais ele ficava feliz.

-"para de provocar sua irmã." – dei um pequeno tapa na sua cabeça assim que passei pela porta do apartamento.

-"já Alice, já? Já vou começar a ter problemas com jogadores de futebol? Não podia pelo menos ser baseball... eles são mais fáceis de lidar..." - falei com desanimo, ela não me olhava e Nick ria abertamente.

Ter a guarda compartilhada não é nem de longe o plano assim que se decide ter filhos, mas ainda sim é a melhor saída, por mais que a rotina não seja das melhores, com o remédio esquecido em uma casa, livros esquecidos em outra, com o uniforme da natação na lavanderia do outro lado da cidade e o do softball escondido no fundo do meu cesto de roupas sujas, durante 90% dos nossos dias vivíamos bem, hoje eles mudariam como combinado e passariam a semana na outra casa, voltando pra mim no final do colégio na próxima segunda.

O caminho até o colégio foi cheio de conversa como todos os dias, menos Alice, que permaneceu vermelha e calada durante todo o percurso, já Nick entusiasmado como todos os dias me adiantava tudo o que faria a semana toda, com mínimos detalhes.

-"ah e sexta tem meu jogo, ma, você vai vir no meu jogo né? Pufavôôô!" – Nick joga bela categoria de base de baseball na escola, eu disfarçava, mas quase morria de orgulho, quem sabe eu não seria a mãe orgulhosa de um astro do REDSOX, além do mais meu histórico não estava dos mais positivos, do começo do ano até agora eu não tinha conseguido comparecer muito aos jogos e isso o deixava visivelmente chateado.

–"eu não perderia por nenhum crime no mundo, filho!" – estacionei o carro na entrada de alunos e Nickolas se despediu com o fervor de todos os dias, me deu um abraço apertado e um pequeno beijo na testa, todo dia a mesma coisa, eu não sei de onde ele tinha tirado, mas não servia outro lugar, todo dia um beijo na testa. Alice desceu pisando duro.

-"Alice! Alice!" – desci rapidamente do carro e a alcancei segurando delicadamente seu braço.

-"Filha, seu irmão só faz pra provocar, ele é pequeno" – eu sorri com delicadeza pedindo compreensão, não é fácil para uma adolescente ter um irmão tão mais novo, eu sabia.

-"Ele é muito chato, mãe!" – ela respondeu resmungando e eu sorri.

-"O que ele disse é verdade? Você pode falar, não vou ficar brava." – falei me esforçando ao máximo para não ser a mãe louca ciumenta.

-"Não, ele é só meu amigo, eu tenho que ir! Posso ir? – a segurei delicadamente tentando ver seus olhos.

-"Pode, mas, não se iluda, falaremos sobre garotos! Beijo?" ela me beijou rapidamente e saiu andando mais calma.

-"E o que você sabe sobre garotos, ma?" me fiz de ofendida e continuei olhando até que ela encontrasse as amigas na entrada, me virei entrei no carro e sai rapidamente.

BPD's Building

Chegar ao trabalho na segunda cedo sem nenhuma perspectiva de novos casos, apenas papelada do administrativo me tirava o animo logo cedo, não que eu quisesse que alguém tivesse sido assassinado para minha rotina movimentar um pouco, não é isso, mas ter apenas relatório e documentação para preencher desanimava qualquer um.

-"Oi Frost!" – falei enquanto ele digitava furiosamente no teclado do seu absurdamente moderno computador. – "tudo normal por aqui?"

-"Bom dia Jane, tudo tediosamente normal." – ele sorriu com preguiça e me passou o café que estava ao lado do seu, o apoiei sobre minha meã, tirei o paletó e sentei – "nada de emocionante pra você também?" – curtindo o primeiro gole de café do dia, esquentando meu peito lentamente.

-"Não, só meus filhos brigando bem cedo" – ele sorriu e levantou espreguiçando enquanto sua impressora começava os trabalhos.

–"aparentemente começarei a ter problemas com garotos agora." - ele arregalou os olhos e riu em seguida.

-"Como assim? Alice?" – ele deu uma pequena gargalhada chocado – "mas ela tem quanto? 10?"

Revirei meus olhos e procurei com muita dedicação alguma coisa que me tirasse dali.

-"Pois é, foi exatamente isso que eu pensei, minha filha, minha menininha, é só o que me falta." – ele sorriu abertamente do meu dilema, é claro que eu não sofreria sozinha, existiam dois tios ciumentos que adorariam atacar um pequeno jogador de futebol, uma avó muito curiosa, um priminho pra vigiar e ainda existiria a outra mãe dela, a que agiria como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo e me daria um ataque de nervos.

A outra mãe... Maura Isles, a minha ex-mulher há cinco anos, nos casamos jovens e com pressa, ela era responsável pelo departamento médico forense da BPD e eu estudando para ser detetive, amigas durante anos antes disso demoramos a descobrir nossos sentimentos.

Foram anos de parceria até que descobrimos que tudo estava errado, que nossa amizade na verdade era sintoma de um amor profundo e intenso, que nossas noites juntas não eram tão inocentes quanto imaginávamos. A facilidade no toque, a proximidade inapropriada, o carinho e mais tarde o desejo.

Maura possuía os mais belos olhos verdes que eu já tinha visto, verdes e grandes, Alice os tinha exatamente iguais, com o mesmo brilho e pontinhos dourados, os cabelos dourados desciam por toda a extensão de suas costas e o corpo era perfeitamente desenhado por varias horas de ioga durante a semana e uma hora de corrida diariamente, quando nos conhecemos ela era a definição de "peculiar" pra não falar "estranho", ela não possuía nenhuma habilidade social, a maioria das pessoas simplesmente não a entendia, suas respostas eram literais e ela não entendia piadas, nem as que eram feitas as suas custas, tudo era cientificamente comprovado, eu tinha meu próprio Google portátil, o que eu achava por algum motivo inexplicavelmente encantador... e muito sexy.

Nos primeiros anos foram como se uma onde da felicidade intensa tivesse nos acertado em cheio, a descoberta recente daquele sentimento, a euforia do primeiro beijo, até loucura da primeira vez, quando vimos já estávamos morando juntas. Logo providenciamos a chegada da nossa filha, isso fez com que o mundo tivesse uma camada brilhante de cor o tempo todo, eram raros os dias diferentes e o tempo tinha um ritmo diferente, rápido, nossas discussões giravam por qual seria o nome do nosso próximo bebe, a cor do quartinho, onde seriam as próximas férias e nada era capaz de abalar nossa felicidade.

Logo decidimos que aquele amor precisava de ainda mais espaço, e veio Nick, a casa nova e a rotina da nossa família era um sonho, o que poderia dar errado?

No começo foi o trabalho, de ambos os lados, estávamos sempre lotadas com nossas tarefas e não nos víamos mais, a BPD e as tarefas de mãe nos sobrecarregavam e nossa teimosia em não pedir ajuda só fazia nos afundar mais, depois veio àquele incidente, era difícil e eu odiava me lembrar.