Hay cadáveres,
hay pies de pegajosa losa fría,
hay la muerte en los huesos,
como un sonido puro,
como un ladrido sin perro,
saliendo de ciertas campanas, de ciertas tumbas,
creciendo en la humedad como el llanto o la lluvia.

Sólo La Muerte – Pablo Neruda

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Podem ter se passado dez minutos ou dez anos. Para Regina não resta a capacidade de distinguir, a escuridão de sua prisão encobrindo tudo a sua volta e permeando em sua mente de forma furtiva.

É uma maldição mais cruel do que a por ela lançada em um passado que virou história. Enquanto suas vítimas foram abençoadas com o esquecimento, deixando suas antigas vidas e augúrios para trás – bem como seus potenciais finais felizes – em seu caso, no isolamento de sua prisão, as memórias são tudo o que lhe resta.

Pequenos detalhes lhe dizem que o tempo passou. O comprimento de seus cabelos, madeixas escuras que se derramam sobre seus ombros em cascatas e descem pelas suas costas em emaranhados escuros. O ratinho que perseguindo as sombras encontrou o caminho até sua cela tornando-se uma companhia constante até o chegar de sua velhice e a morte o levar. Mais do que tudo, Regina percebe o passar do tempo na forma como suas memórias começam a perder a cor e vivacidade dando lugar a versões desbotadas pelo uso.

Quanto tempo?

Ela não é capaz de dizer.

Na escuridão, as horas se perdem enquanto sua mente nunca para. Tudo o que ela fez, todas as escolhas que a guiaram até onde Regina se encontra agora – a prisão a qual ela foi condenada pelo resto de seus dias – repetindo-se perpetuamente em sua cabeça.

Algumas coisas ela jamais irá esquecer.

Os lábios gelados de Daniel junto aos seus em seu último beijo. As lições de sua mãe sobre o amor. A traição de Snow. A amargura que contaminou seu coração obscurecido e que a consumiu pouco a pouco com o passar de cada ano, mesmo depois, em uma cidade aonde o tempo não existia. Segurar o coração de seu pai em suas mãos em uma última tentativa desesperada de escapar daquela vida arruinada.

Mas mesmo as coisas boas, a única coisa boa – Henry - começa a se tornar uma memória borrada prestes a ser consumida pelo tempo.

Ela tenta agarrar as lembranças do filho com unhas e dentes, mas tudo o que é sombrio dentro de si mancha e arruína o pouco de luz que ainda lhe resta. Assim, não demora (ou talvez sim) até que suas memórias se percam e se confundam com suas esperanças e desejos...

Ilusões se tornam quase palpáveis em seu constante frenesi, enquanto seus pesadelos, cultivados pelos erros cometidos no passado, também ganham vida.

Isolada em sua prisão de dias iguais, Regina dorme e sonha para então acordar e ser perseguida pelas mesmas imagens.

Em breve ela não consegue diferenciar o que é realidade e o que não é.

Quase sempre é a figura de Henry quem a visita – sua idade e aparência mudando de acordo com seu humor.

Às vezes ele acabou de completar seis anos, ainda tem dificuldade em pronunciar palavras grandes, ainda lhe falta o dente da frente e ele parece feliz em compartilhar os menores e mais insignificantes detalhes de seu dia. Em outras ele tem dez anos, sem medo de dizer o que lhe vem à mente, acusando-a de todos os seus crimes e tratando-a pelo título que lhe pertence: Rainha Má.

Às vezes ele a ama, mas na maioria delas não.

É doloroso, mas não menos do que a visão do que poderia ter sido sua vida se ela não tivesse perdido a guerra.

Se ela não tivesse perdido a si mesma.

Aconteceu quando Cora morreu em seus braços, as ações de Snow levando-a de encontro ao seu fim.

Regina se lembra da voz de sua mãe lhe dizendo que ela teria sido o suficiente quando seu coração finalmente foi devolvido ao devido lugar. Da esperança brotando timidamente em seu peito, do sorriso partido nos lábios da mulher a quem ela amou sempre, mesmo quando a única coisa que se podia ver era o monstro. Da sinceridade em olhos que até então sempre pareceram tão duros e vazios.

Então, com seu último fôlego e a vida esvanecendo em um breve suspiro pelos lábios de sua mãe, tudo se torna névoa e a última memória fragmentada que Regina é capaz de evocar é a de se encontrar segurando o dispositivo que deveria transformar Storybrooke em cinzas se Emma não tivesse chegado a tempo e a impedido.

E esse foi seu fim.

Uma vez detida, nenhuma outra chance seria concedida a mulher que mais uma vez havia ameaçado tantas vidas e seus valiosos finais felizes.

Regina se lembra do rosto de Henry quando sua sentença foi anunciada. Da angústia provocada pela sua impotência quando ele precisou de conforto. Mais do que tudo, ela se lembra com avassaladora tristeza de sentir o coração do filho que ela tanto amou se partindo, como tantos outros que ela destruiu com suas próprias mãos.

A última vez em que viu Henry será possivelmente a última lembrança a abandoná-la, uma ferida que talvez nunca venha a cicatrizar.

Ainda assim, apesar de toda dor provocada por essas memórias, Regina sempre irá preferir a visão dele aos outros fantasmas que insistem em assombrá-la.

Snow, a criança arrogante, a princesa condescendente. Cora, a mãe desapontada, a bruxa cruel. Rumple, o mentor, o vigarista. Daniel, o rapaz amável, o corpo que despertou da morte. E Emma, a salvadora, a heroína. A responsável por roubar seu filho e com ele, seu final feliz.

E é claro, não poderia faltar uma figura em particular. Embora ela nem sempre se apresente da mesma forma, Regina jamais consegue lhe escapar.

Sua maior inimiga...

Ela mesma.

Ou mais precisamente, as diferentes versões suas que a visitam regularmente, implacavelmente.

A garota inocente que ela foi e perdeu. A recém-casada amargurada e infeliz. A rainha vingativa. A poderosa prefeita.

De tantas formas, Regina desapontou cada uma delas, e agora elas não cansam de apontar seus erros, expondo-os diante de seus olhos um após o outro, suas vozes se sobrepondo em um cântico frenético e imbatível.

Todos esses personagens vêm até ela como assombrações, preenchendo as lacunas deixadas pela solidão de seu cárcere, para então desaparecer no mais fino ar, deixando nada senão a voz da Regina ecoando pelas paredes de pedra de sua prisão.

Assim, quando Regina recebe um visitante de verdade, este não a surpreende, simplesmente porque ela não é capaz de identificar se ele é mesmo real ou mais um de seus fantasmas. Sua sanidade então, apenas um fino véu, prestes a ser carregado pelo vento.

"Muito bem... A quem eu devo a honra da visita de hoje?"

O estranho permanece encoberto pelas sombras a princípio, e seus movimentos revelam pouco de sua real identidade. Ele é rápido, habilidoso. Esguio e até mesmo elegante. Jovem, sem sombra de dúvida. Mas isso é tudo. Regina ergue uma sobrancelha, visivelmente intrigada e seu tom é régio, apesar das circunstâncias. "Que tal revelar-se?"

Ele atende seu pedido.

Dando um passo em direção à luz que o envolve como uma aura, Regina não pode deixar de notar que de fato ele é ainda mais jovem do que ela havia suposto a princípio, alto e ligeiramente magro demais, seus cabelos evidentemente precisando de um corte e descoloridos pela constante exposição ao sol.

Regina encara sua figura então, avaliando-o com interesse.

Seus braços e pernas longos, a forma como ele se porta vagamente familiar e seus olhos, escondidos sob uma franja desgrenhada que serve quase como uma máscara, lhe proporcionando um estranho pressentimento.

"Você não me reconhece?" Sua voz de barítono escapa trêmula, provavelmente porque ele ainda está se acostumando a manejá-la. Ou talvez porque esteja nervoso. O que ela somente poderia compreender se...

Não.

Não pode ser.

O rapaz dá um passo à frente, suas roupas sujas e muito além do uso.

Talvez seja possível, mas não deveria ser.

Porque isso significa que o seu menino se tornou um homem.

E Regina já viu Henry crescido. Em seus devaneios ele sempre é confiante, quase convencido, mas ainda usa Cardigans e jeans, ainda sabe o que é um corte de cabelo, e o mais importante, ele está longe, longe dali.

Nos sonhos de Regina, Henry não está em uma terra de contos de fadas, ou mesmo em Storybrooke, mas cursando uma faculdade em alguma cidade grande e anônima aonde ele possa enterrar e esquecer seu passado, seguindo seu próprio caminho, prestes a se tornar alguém, a encontrar seu final feliz.

Portanto, esse garoto a sua frente não é seu filho.

Ele não pode ser. Porque se for, isso significa que algo terrivelmente errado aconteceu.

O que muito provavelmente explica o que ele está fazendo ali.

"Sou eu." O rapaz se aproxima da cela, sua mão afastando o cabelo daqueles inconfundíveis olhos acinzentados que Regina conhece melhor do que ninguém, suas palavras confirmando o medo que dela se apodera.

"Henry." Ele acrescenta nervosamente, uma resposta à névoa de dúvidas que encobre os olhos de Regina, o tom dele quase austero. "Seu filho."

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Ela não se parece em nada com a imagem que ele guarda em sua memória. Essa mulher parece mais velha, mais cansada e, sobretudo, ligeiramente insana. Ele jamais esperara encontrá-la nesse estado, embora seja obrigado a admitir que a expectativa de encontrar a mesma mulher que preparou seus cafés da manhã e lhe deu beijos de boa noite antes de dormir pelos primeiros dez anos de sua vida não tenha sido exatamente realista.

Agora, ainda que sua imaginação lhe pregue peças, não é possível fingir que o tempo não passou. Especialmente quando ele se vê diante dela após todos esses anos.

Primeiro ela olha para Henry como se ele fosse um produto de sua imaginação. Então, à medida que suas palavras a alcançam, uma expressão indecifrável nubla suas feições.

Por um segundo ele acha que Regina não irá acreditar no que ele está dizendo. Então os olhos dela se enchem de lágrimas que ela não ousa derramar, engolindo-as em um soluço, o que é mais desconcertante do que qualquer coisa que ele tenha imaginado para este encontro.

Porque a mãe dele é forte. Obstinada. Orgulhosa.

E ao invés disso Henry se depara com uma mulher pequena, frágil... humana.

Regina se aproxima das grades onde a mão dele repousa, seus olhos escuros buscando algo que ele não é capaz de dizer ao certo o que é, mas quando a mão dela toca a sua, Henry repele seu toque instintivamente.

Ele pode ver o ferimento provocado pelo gesto rapidamente refletido em seus olhos, o que é quase familiar, mas então, em uma questão de segundos, Regina se recompõe com o máximo de dignidade que a situação lhe permite, ganhando alguma semelhança com a mulher que ele julgava conhecer.

"Por que você está aqui?" É a pergunta que ela lhe direciona sombriamente, suas suspeitas se mesclando ao que ele quase reconhece como preocupação.

Henry tinha um discurso ensaiado. Envolvia fazer a coisa certa dessa vez, uma última chance para provar que ela é mais do que a mulher cujo título somente ainda assusta criancinhas. Ele ia dizer a ela que essa é a sua chance de ser a heroína da história.

A verdade, contudo, é muito menos honrosa do que isso.

"Eu não te perdoei, se é isso o que você está perguntando." As palavras lhe escapam de supetão com uma amargura que não foi propositalmente deferida, o que surpreende Henry, mas a julgar pela expressão versada de Regina, a ela não.

"Essa não foi a minha pergunta." Ela responde friamente e Henry sente a raiva que borbulha em seu íntimo perder a força.

"Algo terrível aconteceu." Ele desvia o olhar, inseguro quanto a extensão do que deve revelar. Anos de clausura, entretanto, não proveram Regina com uma grande tolerância para reticências.

"Isso eu fui capaz de deduzir." Ela declara sem emoção. "Então você precisa da minha ajuda?"

"NÓS precisamos da sua ajuda." Henry faz questão de enfatizar ao que Regina acena com a cabeça compreensivamente, dando um passo para trás e abraçando o próprio corpo enquanto as palavras de seu filho são absorvidas.

"O que o leva a crer que eu ajudaria essas pessoas a quem você chama de família?" Ela pergunta então, sua franqueza pegando Henry de surpresa.

Ele não responde de imediato, ponderando silenciosamente antes de decidir que sua mãe adotiva merece o mesmo tipo de honestidade que está lhe oferecendo.

"Pela mesma razão de sempre, eu acho." Ele olha diretamente em seus olhos pelo que parece ser a primeira vez em décadas, ainda que não tenham se passado mais do que cinco anos. "Por mim."

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O raciocínio de Henry é lógico e indisputável. Manipulativo, é verdade, mas Regina não pode condená-lo por isso, afinal, esta é uma lição tirada de seu próprio livro. O desejo por trás de suas palavras, no entanto, é um tanto quanto otimista; um traço que ele somente pode ter herdado dos estúpidos Charming.

A mera possibilidade de que este seja o caso faz com que ela estremeça.

"Você deve estar bastante desesperado se está disposto a se arriscar dessa forma, depositando as esperanças de qualquer salvação nas mãos de uma vilã."

Apesar de ter suas palavras recebidas por um silêncio estólido, Regina ainda é capaz de capturar no ar algumas peças soltas. Intrigada pelas pistas que encontra, ela insiste com impertinente audácia. "O que aconteceu com a sua 'Salvadora'?"

"Minha mãe vai muito bem, obrigado." Henry cospe a resposta secamente. Seu curto estopim revelando pontas afiadas no acento de suas palavras. "Escuta, eu não estou interessado em qualquer disputa que ainda possa existir entre você e a Emma ou você e a minha avó, ok? O que estamos enfrentando é muito maior do que isso."

A raiva que reverbera nas palavras de Henry não surpreende Regina, mas a gravidade em seu tom aumenta seu grau de preocupação ao passo que Henry decide finalmente colocar as cartas na mesa. Ou pelo menos algumas delas.

"Olha, eu sei que faz muito tempo e que muito aconteceu desde então, mas por quase um ano após a quebra da maldição você transformou em sua missão me fazer acreditar que você se importava comigo. Que o seu amor por mim era verdadeiro e não apenas uma fachada para manter sua preciosa maldição."

"E era verdade." Regina afirma resoluta, a sinceridade em suas palavras revelando sua vulnerabilidade pelo mais breve instante. "Henry- Ainda é."

"Então prove." Ele rebate, o queixo erguido em desafio. "Ajude-nos a derrotar o inimigo."

"Eu nem mesmo sei a que inimigo você se refere."

"E isso importa?"

Regina olha para Henry então, olha realmente, e por um momento ela não enxerga o jovem com cabelos desgrenhados e feições angulosas. Não vê a dureza marcada em suas feições pelos anos que se passaram.

Ela vê seu filho.

O bebê que lhe roubava o sono por noites a fio quando sofria de cólicas. O menino que manchou o piso da cozinha abrindo um pote de geleia de amora ao tentar preparar um café da manhã surpresa quando tinha oito anos. Ela vê a primeira e única pessoa a quem ela disse "eu te amo" depois de Daniel.

E a resposta, simples e inegável, encontra seus lábios sem qualquer esforço.

"Não. Nada mais importa."

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Henry se move rapidamente com passos leves e a princípio é fácil para Regina acompanhar seu pique, a escuridão do caminho tomado pelos dois de muitas maneiras familiar a ela. No entanto, uma vez que os dois se aproximam da superfície, o ar fresco e suas propriedades começam a afetá-la de formas para as quais ela não está preparada, lhe dando um breve vislumbre do que a aguarda lá fora. E quando eles finalmente se aproximam da saída, a luz é mais do que ela pode suportar; seus olhos excessivamente sensíveis após anos de reclusão em trevas.

Regina pára então, abruptamente, vendo nada além de pontos brancos e algo mais começa a formigar dentro dela, a sensação familiar e desconcertante ao mesmo tempo.

Não se trata da pequena quantidade a qual lhe foi dado acesso para que ela sobrevivesse em sua prisão. Não, isso é algo inteiramente novo. Trata-se de mágica que foi acumulada durante todos esses anos, amadurecendo dentro dela sem nunca poder se manifestar. E agora, Regina pode senti-la espalhando-se em seu sistema, percorrendo suas veias, prestes a transbordar.

É diferente da vez em que Rumplestiltskin levantou o véu que permitiu que magia finalmente se derramasse sobre Storybrooke. Desta vez, Regina sente como se estivesse prestes a se afogar nela, de dentro pra fora.

O esforço que lhe custa para que ela possa conter seus poderes faz com que ela tenha que parar tudo o mais, sua consciência dos efeitos operados em seu corpo pela drástica mudança de ambiente, momentaneamente esquecida.

Alguns passos adiante, Henry nota a ausência de movimentos de sua parte e se volta em sua direção, sendo imediatamente surpreendido pela cena que se passa diante de seus olhos.

Ofegante, Regina traz os olhos fixos em suas próprias mãos nas quais uma bola de energia é contida com visível esforço. Então, como se ela pudesse sentir a atenção dele voltada em sua direção – o que provavelmente é uma superpoder de mãe – seus olhos escuros encontram os de Henry, um vinco se formando em sua testa quando ela tenta falar sem perder o controle da energia que está se manifestando em seu próprio corpo.

"Está tudo bem." Ela diz, num tom estremecido e Henry recua, com cautela.

"Não me parece bem." Seus olhos são enormes e sua voz alguns tons mais elevado. "Que diabos é isso?"

"Nada para você se preocupar."

"É, se há uma chance de que você possa nos explodir."

"Henry, apenas me dê um momento." Sua respiração é superficial. "Por favor."

Ele não estava lá quando ela teve o gatilho em suas mãos. Emma foi a única testemunha e o que quer que tenha acontecido entre as duas se tornou um segredo fielmente guardado pela xerife loira, mesmo quando os sussurros de fofoca já haviam perdido interesse pelo conto da rainha com tendências terroristas.

Ainda assim, ele sempre se perguntou. E agora, de repente, Henry percebe que já não faz tanta questão de saber o que sua mãe adotiva é realmente capaz de fazer.

Histórias e contos foram uma coisa, mas testemunhar em primeira mão, parece agora algo completamente desnecessário. E mais do que um pouco assustador - especialmente quando Regina parece não ter um bom controle sobre sua própria mágica.

Henry encontra-se com duas opções então: ficar ou correr. E ainda que correr seja praticamente um instinto básico, ele não está prestes se entregar assim tão facilmente, senão por honra, ao menos por orgulho próprio. Afinal de contas, as pessoas estão contando com ele para realizar esta missão.

Portanto, mesmo que permanecer signifique confiar em uma mãe que o traiu no passado pelo uso de magia, a verdade é que esta é a mesma magia que agora ele tanto precisa.

(E puxa vida se isso não é um chute nos dentes. Metaforicamente falando, é claro.)

Sendo assim, suor frio e lutando contra seus instintos, Henry fica.

E se espanta ao ver, depois de alguns minutos, a bola de luz se encolher até desaparecer entre as mãos de Regina sem deixar o menor traço.

"Obrigado." Ela diz com um sorriso trêmulo e Henry não sabe ao certo por que, mas este o deixa desconfortável da mesma forma.

"Está tudo sob controle aí?" Ele pergunta desconfiado; uma pitada de preocupação evidente em seus olhos mesmo que não seja por sua vontade.

"Tanto quanto o possível." Regina lhe assegura, ao que a resposta de Henry parece ser automática quando ele se vê capaz de respirar novamente apenas por esse pequeno gesto. Mesmo depois de todos esses anos.

"Então, nós devemos ir. Há um longo caminho pela frente e a noite só irá tornar a viagem mais difícil. Confie em mim quando eu digo, nós não queremos isso."

"Eu pensei que nós estivéssemos voltando para Storybrooke." Regina se mostra confusa quanto à distância aludida. As minas onde sua prisão foi construída nunca foram tão longe da cidade.

"Estamos". Henry confirma com um franzir de sobrancelhas e ela pode ver claramente que ele não está revelando nem um terço do que sabe. "Só não a Storybrooke que você tem em mente."

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A caminhada é feita em silêncio e Regina tenta não pensar muito a respeito. Ela não consegue, é claro, tudo nela estudando cuidadosamente as mudanças mais insignificantes operadas no comportamento de seu filho bem como toda e qualquer informação que ele tenha compartilhado com ela até agora, o que é quase nada.

Algo terrível aconteceu, isso ela pode dizer sem nenhuma dificuldade. E não é apenas pelo fato de que seu filho e o grupo de pessoas que ele considera sua "família" decidiram pedir ajuda à Rainha Má, mas porque ele parece mais velho do que sua real idade, e não de uma maneira que seja motivo de orgulho para uma mãe, mas de uma forma que lhe aguça sentidos até então adormecidos.

Seja o que for, Henry parece relutante em falar sobre isso, ainda que ele tenha a envolvido em sua missão secreta. Na verdade, o menino parece relutante em falar sobre qualquer coisa, seu silêncio estóico uma característica perturbadora quando comparado com o quão falante ele sempre foi desde que Regina pode se lembrar.

Ela tenta respeitar seus desejos a princípio, respeitar a distância que Henry estabeleceu entre os dois, mas algo dentro dela lhe diz para fazer exatamente o oposto.

Chame de instinto maternal. Anos em uma masmorra não apagaram isso.

Apenas sua abordagem desta vez é notavelmente sutil - algo que seu eu mais jovem nunca teria conseguido colocar em prática.

"Henry, como foi exatamente que a chave para a minha cela chegou às suas mãos? Se não me engano, apenas uma pessoa tinha acesso à mesma, e acho difícil acreditar que ela teria simplesmente a entregado a você, quais fossem as circunstâncias".

Henry não para de andar, apesar de surpreso pela linha de questionamento utilizada por Regina, não conseguindo enxergar claramente aonde ela pretende chegar com essa história.

"Você não acreditaria se eu lhe disse." Ele responde com um sorriso particular, mas acaba mordendo a isca. "Por que isso importa, afinal?"

"Normalmente, eu diria que não importa. Mas a sua hesitação em me oferecer uma resposta, me diz o contrário."

"Você está livre. Por que se preocupar com isso?"

"Ter Rumple por um mentor me ensinou a ter muito cuidado com os acordos que eu faço. De fato estou livre, mas a que custo?" A menção ao nome de Rumplestiltskin faz Henry hesitar.

"Se você está preocupada comigo, temendo que eu tenha feito um pacto com o diabo, não perca seu tempo. Eu não fiz." Henry pressiona suas têmporas com polegar e o indicador, claramente incomodado pela conversa. "Ainda assim, mesmo se eu tivesse, você seria a última pessoa que poderia falar alguma coisa à respeito, não é mesmo?"

Não é sua insolência o que perturba Regina, não particularmente.

É o quão errado ele está.

"Oh não, Henry. Eu seria exatamente a única que poderia lhe falar sobre isso. Porque eu já peguei esse caminho. E sei exatamente aonde ele pode te levar."

Ela constata com confiança inabalável e um olhar incisivo, ao que Henry não pode retribuir por muito tempo. Ainda uma criança, ela reconhece por trás de toda a bravata e os centímetros a mais de altura, quando ele recua aborrecido.

"Eu não me preocuparia com o Sr. Gold de qualquer maneira." Henry murmura carrancudo. "Ele não está mais em cena."

"O que você quer dizer com não-" As palavras de Regina são cortadas por um som indistinto que vem dos bosques e a reação de Henry ao mesmo.

Algo está se arrastando por entre a folhagem e Henry parece mais alerta do que ela jamais o viu. Seus ombros tensos, enquanto sua mão instintivamente começa a procurar por algo em sua mochila surrada.

Uma faca, Regina reconhece alarmada quando o som anuncia não apenas a aproximação da ameaça, mas o fato de que esta vem em grande número.

O que os coloca em uma posição mais do que delicada.

Ela tenta conjurar uma bola de fogo, mas seu corpo ainda não se recuperou da sobrecarga de magia e ela se encontra com as mãos vazias e uma sensação de que eles estão prestes a enfrentar o exato perigo ao qual Henry mencionou antes. Apenas em menor número e despreparados.

"Não importa o que você fizer", Henry chega perto dela, protetoramente, seus ombros largos servindo-a como um escudo. "Não deixe que eles te mordam."

Quem são eles? A pergunta morre em seus lábios quando as criaturas se revelam.

Nascida e criada na Floresta Encantada, filha de uma bruxa, pupila de um temido duende e tendo magia ela mesma, além de acesso a todos os tipos de criaturas mágicas e reinos, Regina já se deparou com praticamente tudo; ciclopes e gigantes, krakens e dragões, unicórnios e grifos, sereias e lobisomens, fantasmas e banshees... Diga o nome, ela provavelmente já viu.

Sendo a Rainha Má, Regina não apenas trouxe a morte em seu encalço, deixando um rastro vermelho de sangue por onde ela passou, mas a enfrentou com a cabeça erguida mais vezes do que pode recordar. Na maioria das vezes sem medo. E ocasionalmente, com intenção e propósito. A Morte, entretanto, nunca a enfrentou de frente.

Isto é, até agora.

Eles grunhem como animais repugnantes, homens e mulheres, mas na verdade, apenas o que sobrou deles. Sua carne foi comida e o que resta é podre e sujo, um misto de restos mortais gordurosos e pútridos cobertos por trapos imundos.

Eles se movem lentamente, mas constantes, atraídos pelo cheiro de vida que emana de Regina e Henry. O primeiro a alcança-los, Henry abate com um golpe na cavidade do seu olho. A violência do ato e a naturalidade com a qual Henry o defere é mais chocante para Regina do que a presença dessas criaturas desprezíveis em si.

Ela dá um passo para trás, atordoada. Porém, Henry não parece notar sua reação, mais preocupado com o resto da horda. Todo o movimento parece despertá-los de seu estupor e, juntos, eles avançam na direção do garoto.

Henry puxa vigorosamente a faca do corpo da criatura que acabou de atingir e a lança contra o próximo que se coloca em seu caminho. Um terceiro cai em cima dele e seu atacante e obrigando Regina a agir. Com uma pedra pesada em mãos ela se lança contra a criatura e a acerta bem na cabeça com toda a sua força.

O impacto é o suficiente para tirá-la de sua rota, seu corpo sendo lançado ao chão, mas não o suficiente para matar, então Regina a ataca mais uma vez. E mais outra. E outra, até que haja apenas uma mancha vermelha escura sobre o solo.

Henry, que ainda tem um corpo morto sobre o seu, observa a cena congelado no lugar, e é assim que Regina o encontra ao olhar em sua direção, seus olhos selvagens e sangue manchando suas mãos.

"Você disse que não deixá-los morder." Ela empurra o cabelo despenteado do rosto com as costas da mão. "Isso incluía você. Certo?"

"Sim". Henry sacode a cabeça, voltando a si quando outra criatura se lança contra Regina.

Ele rola por baixo do corpo que estava em cima dele, mas ainda está no meio do caminho quando um punhal passa como um vulto ao seu lado e espeta a criatura contra uma árvore próxima.

Tanto Regina quanto Henry olham para trás em tempo de ver uma massa de cabelos loiros se movendo rapidamente com uma espada, decapitando as últimos três com facilidade, suas expressões igualmente perplexas, embora por razões diferentes.

"Ma". "Emma". Suas vozes escapam em uníssono e a ex-xerife enxuga o suor de seu rosto antes de esmagar uma última cabeça com o calcanhar de sua bota de couro.

Com sangue e lama em seus sapatos, Emma Swan finalmente cumprimenta mãe e filho, toda cheia de si com um sorriso dançando em seus lábios.

"Hey... Que foda foi essa entrada, ein?"

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Continua...