Era um agradável fim de tarde na residência dos Hyuuga. O céu estava tingido em degradê, partindo do azul escuro, que ia clareando até chegar em um laranja intenso e tórrido.
No interior da bela mansão em estilo oriental, a jovem herdeira da linhagem principal estava saindo do banho. Vestindo um quimono simples de coloração lilás, com os longos cabelos envoltos em uma toalha, suspirava contente sentindo a bruma do vapor que ainda restava da água quente utilizada no ofurô. Com passos curtos e rápidos, foi em direção a varanda da casa, aonde havia um pequeno lago rodeado por pedras arredondadas e acinzentadas. Sentou-se em um banquinho vermelho que ficava na beira do lago, enquanto sentia os últimos raios de sol aquecerem sua pele alva e secarem seus cabelos densos e macios.
Ela observava as carpas nadarem tranqüilamente através das águas límpidas e transparentes do lago. Invejava a tranqüilidade e a harmonia que deveria ser ter a vida de uma carpa. Suas feições, embora delicadas, demonstravam um sentimento de preocupação e agonia. Faltava apenas um dia para o seu aniversário de 16 anos, e com isso, chegava cada vez mais perto o momento em que teria que decidir que rumo tomaria na vida.
De acordo com as tradições de seu respeitável clã, ao atingir tal idade, o herdeiro ou herdeira da família principal deveria se casar com alguém que fosse escolhido por seus pais. Hinata não tinha dúvidas quanto a quem seria o escolhido. Seu primo, Hyuuga Neji, estava prometido à menina a mais tempo do que ela própria conseguia lembrar. Além disso, por ter sido criada de forma muito rígida, a garota não teve muito contato com outras pessoas, sendo Neji o único garoto de idade próxima a sua que ela conhecia. Mas isso não amenizava a inquietude que estava, dia após dia, tomando conta de seu coração com cada vez mais intensidade. Muito embora admirasse e respeitasse seu futuro noivo, Hinata sentia que não era com ele que queria se casar. Pelo menos não antes de sair para o mundo. Não antes de conhecer outros horizontes, outras realidades, outras pessoas...Outras possibilidades.
- Hinata-sama, Hiashi-sama quer vê-la. – A simpática empregada chamou-a delicadamente, fez uma reverencia e retirou-se.
"O que será que otou-san quer falar comigo?" – Pensou a garota surpresa. – "Meu aniversário é só amanhã, provavelmente não iremos tratar dos assuntos do casamento até lá."- tentava afastar da mente os pensamentos inquietantes sobre seu casamento arranjado.
Respirou fundo e se levantou do banquinho vermelho. Algumas gotas de água pingaram na grama quando ela retirou a toalha que envolvia seus longos cabelos, que embora já estivessem quase totalmente secos, ainda estavam úmidos nas pontas.
Ao chegar em frente a porta delicada de bambu e papel de seda que guardava o escritório de seu pai, ela podia escutar seu coração batendo rápido e de maneira descompassada. Hinata tomou coragem e abriu a porta, entrando na sala. Seus olhos perolados percorreram o ambiente, observando o tatami que cobria o chão, o grande leque vermelho e dourado que se encontrava em uma das paredes, e, a sua frente, sentado atrás de uma imponente escrivaninha de madeira marrom escuro, Hiashi Hyuuga, o patriarca da família Hyuuga. Ele tinha os mesmos olhos de tom perolado da filha, comum a todos os membros do clã. Estava com uma expressão séria, formando rugas na testa que pareciam não se dissolver tão cedo.
- Sente-se, filha. – Ele pediu em um tom firme, porém gentil – Como você sabe, a data de seu aniversário está se aproximando...
A expressão da menina também adquiriu contornos preocupados, fazendo-a arquear as sobrancelhas. Tentava manter o rosto firme e não desmoronar em lágrimas, entretanto, sentia por dentro como se já estivesse chorando.
O respeitável senhor também estava com dificuldades para continuar a conversa. Ver o rosto da filha em tal estado de contenção e tristeza não o agradava nada. Após um suspiro fundo e pesaroso, retomou a fala.
- Então, com a proximidade desta data, chega também a hora de você assumir uma nova responsabilidade perante o clã. Você sabe que infelizmente, não é algo o qual você possa recusar. Assim que cruzar a meia noite de amanhã seu casamento já estará marcado. – ele permanecia com um rosto impassível – Filha... – Sua expressão se suavizou – Você também sabe que isso não é uma escolha minha.
Queria levantar-se, e gritar. "A escolha pode não ser sua, mas com certeza deveria ser minha! Afinal, é a minha vida! É do meu futuro que estamos falando!".
- Sim. – foi tudo o que Hinata conseguiu responder na hora, ainda lutando contra as lágrimas que pareciam teimar em querer sair.
Ela estava sentada de joelhos em uma almofada dourada colocada em frente a escrivaninha , com as mãos na coxa e a cabeça abaixada. Um primeiro filete de água quente escorreu sob seus olhos escondidos pela vasta franja reta.
- Além disso – Hiashi tentava ter uma voz amigável – seu primo Neji é um excelente rapaz. Tenho certeza de que nada lhe faltará em seu casamento com ele.
"Eu sei uma coisa que faltaria. Eu sei de uma coisa que eu nunca terei se aceitar isso. Amor. Amor e liberdade". Viraria a mesa e diria: "Você prefere que eu seja infeliz a quebrar essa tradição ridícula e infrutífera!?". Por fim, iria embora e, antes de fechar a porta, terminaria: "Se é assim, escolho eu o meu destino... Longe daqui!"
Porém, Hinata sabia que não teria coragem de fazer isso. Jamais conseguiria contrariar a seu pai. Jamais conseguiria falar assim com ele, quanto mais sair de casa desse jeito.
- Sim senhor. – ela se livrou daquele único resquício úmido de sua rebeldia enclausurada e deu um sorriso conformado. – Posso me retirar agora? – foram as únicas e mais "rebeldes" palavras que de fato conseguiu externar.
- Pode. Obrigado por me ouvir. – ele falou por fim, com expressão séria, enquanto olhava o arranjo de leque na parede.
Assim que fechou a porta, Hinata saiu correndo em direção ao seu quarto. No caminho trombou em cheio com Mikao, uma das jovens empregadas da casa.
- Ouch! Desculpe-me Hinata-sama! – E antes que Hinata pudesse dizer qualquer coisa, Mikao já estava de joelhos e com a cabeça abaixada em posição de desculpas.
- Tudo bem Mikao – chan. – ela respondeu dando um sorriso tímido – A culpa foi minha.
A empregada levantou-se lentamente e falou para Hinata se aprontar para o jantar, que seria servido daqui a 15 minutos. Ela não queria ir jantar, mas sabia que deveria estar à mesa antes que seu pai chegasse. Assim, acompanhou Mikao até a cozinha e sentou-se em seu lugar a mesa enquanto esperava seu pai e sua irmã. Sua cabeça estava pesada, atolada em pensamentos confusos. Até minutos atrás, achava que estava pronta para desafiar seu pai e todas essas tradições familiares, mas percebeu, com pesar, que na verdade não passava de uma pessoa obediente e submissa. Entretanto, apesar de obediente, não conseguia resignar-se a essa situação. Era como estar presa em um corredor sem saída.
Momentos depois sua família chegou para o jantar. Agradeceram pela comida e se serviram. Hinata pegou apenas um pequeno pedaço de peixe assado e um bolinho de arroz. Não estava com fome e o que a garota mais queria era poder ir para seu quarto, ficar sozinha e reorganizar seus pensamentos. Comeu vagarosamente para não ter de ficar muito tempo esperando. Nas regras de sua casa, apenas poderiam se levantar para se retirar da cozinha quando seu pai assim fizesse.
Logo, já não havia mais nada em seu prato, mas mesmo assim ela teve que esperar Hiashi se levantar antes de poder sair da mesa. Agradeceu as empregadas pela comida, deu boa noite para sua família e rumou correndo para seu quarto.
Era uma noite calma e agradável de primavera, o ar estava limpo e fresco e no céu, agora tingido de azul Royal, estrelas cintilavam como diamantes sobre seda. Hinata se aproximou da janela, por onde ficou contemplando toda a imensidão do céu. Toda a vastidão do mundo. E a sensação de aprisionamento que sua família simbolizava tornava-se cada vez mais forte. E mais pesada. E mais densa.
Deitou-se em sua cama tentando dormir. Virava-se para todos os lados, mas nenhum parecia confortável. Estava cansada, mas não conseguia dormir. Passou horas revirando-se na cama, até conseguir cochilar um pouco. No entanto, tornou a acordar. Verificou o relógio, constatando que já eram 2:17 da madrugada. Voltou para o parapeito da janela, e os pensamentos sobre a vastidão do céu e do mundo retornaram.
Então lágrimas voltaram a encher os olhos perolados da menina. Era fraca, submissa e obediente. Simplesmente isso. Vertentes de raiva começaram a circular em seu sangue. Não queria mais ser fraca, não queria mais obedecer. Limpou os olhos rapidamente. Seu olhar agressivo cruzou o céu enquanto formulava uma decisão rápida: ia fugir.
Não demorou muito antes de colocar algumas mudas de roupa e um pequeno pacote de dinheiro em uma mala. Vinha juntando esse dinheiro já fazia algum tempo, sem saber para o que iria utilizá-lo. Agora descobrira. Cuidadosamente pulou a janela, estando do lado de fora de casa. Tinha sorte de que seu quarto encontrava-se no térreo. Agora era só ela e a liberdade, ela e seu destino.
Deu uma ultima olhada no céu. Uma estrela cadente cruzava a imensidão azul com velocidade e Hinata fez um pedido: desejava encontrar o seu destino. Neste momento, ouviu-se um estrondoso barulho de impacto. Algo havia caído no chão de terra com força, e estava parado bem em frente a Hinata.
Assustada, a menina se afastou, escondendo-se atrás de uma pequena árvore que havia por perto. "Droga", pensou. "Justo hoje que ia tomar uma atitude tem que cair um meteoro no meu quintal! Agora otou-san vai vir ver o que aconteceu e me pegará no flagra tentando fugir". Assim que a poeira abaixou, porém, Hinata percebeu que não se tratava de um meteoro.
Caído no chão estava um rapaz muito bonito, que devia ter entre 15 e 17 anos. Sua pele era pálida e tinha cabelos pretos. A menina aproximou-se cautelosamente, segurando a mala a sua frente, caso fosse necessário se defender. Olhando mais de perto percebeu que o garoto estava ferido e desacordado. Preocupada, largou a mala no chão e o levou, com certa dificuldade, até a janela de seu quarto. Colocou para dentro e deitou-o para verificar seus ferimentos. Acendeu uma lamparina ao invés de acender a luz principal do quarto para não chamar atenção com a claridade em seu quarto a essa hora, uma vez que as paredes de papel de seda deixavam transparecer a luz e as formas de quem estava dentro do quarto.
Olhou novamente para o ferido. Era um garoto muito bonito mesmo, mas ela perguntava-se o que estaria fazendo para ter caído assim tão repentinamente em seu quintal.
Lembrou-se do pedido que fez a estrela cadente, momentos antes do aparecimento do rapaz. Seria esse o seu destino?
