A vida escorre-me por entre os dedos, como a mortal chuva que, incessantemente, cai devorando arrogantemente o meu espírito, o meu coração e a fugidia esperança de salvar a terra das garras egoístas de um Deus maldoso e caprichoso.

O espelho da reflexão invade a minha mente entorpecida pela frieza da água, tristemente me apercebo que o meu desonrado passado está incrivelmente manchado por caprichos tolos e egoísmo desmedidos. Podia-me desculpar dizendo que era apenas uma criança inconsequente, porém as crianças deviam ser puras e verdadeiras, negando sempre as más tentações que o destino coloca nos seus caminhos. O prazer de humilhar aqueles com quem hoje partilho a vida e a morte, esculpia no meu rosto um sorriso triunfante como se nada mais me fizesse feliz. A superioridade que sentia em relação aqueles órfãos do tempo era algo desprezível, algo de que me arrependo a cada suspiro que dou.

Todavia, a ironia do destino brindou-me com várias surpresas que me fizeram refletir sobre quem eu era e se as minhas condutas para com os outros eram as mais assertadas. A primeira surpresa foi a morte do meu querido avô, aqui compreendi o verdadeiro sabor amargo da vida. Todo o meu mundo colorido e florido se desmoronou, num misto de sombra, tristeza e caos. A segunda surpresa estava para breve, descobri que a Deusa da Guerra e da Sabedoria estava profundamente adormecida no meu interior, pronta para acordar e cumprir o seu destino. Tudo aí mudou a uma velocidade alucinante, a minha forma de pensar e de agir alterou-se como o dia e a noite. Por fim, aqueles que eu desprezei, humilhei e mal tratei teriam a missão de me proteger como cavaleiros de Atena. De princípio todas estas transformações almejaram-me com uma potência dolorosa e estonteante, contudo com a passagem dos dias e com a preciosa ajuda dos meus protectores e amigos, consegui habituar-me e tornar-me uma pessoa melhor.

Uma enorme pressão no peito quase me tira o ar. Apesar de estar a morrer não me arrependo, pois o meu sacrifício poupará a vida de milhões de pessoas, de pessoas que tanto amo. Os cosmos dos meus corajosos defensores vêm até mim, fracos e sem brilho. Eles que lutaram em tantas batalhas cruéis e egoístas para me proteger como as suas puras e nobres vidas. Lutam apelando às suas últimas forças contra o poderoso rei dos Mares e os seus tenebrosos generais sacrificando os seus corpos e espíritos. Não posso deixar que se afundem no mundo das almas, tenho que ir em seu auxílio como eles sempre vieram em meu.

Uma triste e encorajadora canção irrompe pelos meus lábios dormentes e arroxeados devido à água que me devora com os seus dentes impregnados de maldade e ganância, espero que ela alcance os meus esforçados cavaleiros e se enlace profundamente aos seus dignos e honrados corações. Desejo do fundo do meu ser que esta prece seja a ponte luminosa que nos conduza à concretização de mais um milagre, como tantos outros que juntos realizámos.

Cavaleiros! O reluzente sorriso da vitória sempre abraça aqueles que lutam desinteressadamente e nobremente para a alcançar, ela está a um mero elevar do vosso poderoso cosmo. Rezo para que todas estas gotas de água que me afogam malignamente sejam estrelas para vos guiar na vossa luta. Lutem! Lutem por mim e pela paz na Terra, porque eu também lutarei com todas as forças que me restam por vós.