Obs: Os parágrafos em itálico pertencem a música "Manu" de Renaud
Obs 2: os asteriscos (*) indicam um flashback
Capítulo Único
Tudo é nada. Nada é muito.
Alguma vez já se apaixonou?
Te contarei um segredo, guarde-o.
Costumava fugir de meus problemas com o álcool, algo comum, uma noite comum, aqui em minha cidade. Qual é? Que seja. Típica história de amor? Talvez. Uma mulher pobre, a típica história do menino rígido com a garota perigosa... Que sempre acaba mal.
Éh déccone pas Manu
Vas pas t'tailler les veines
Une gonzesse de perdue
C'est dix copains qui r'viennent
Uma música insuportável que me faz sentir identificado... Taverna suja, praticamente vazia, cheia de uma fumaça grossa que, quando não se importa, te faz rir. Uma vida de merda, sempre igual. As pupas, o adolescente problemático, a tentativa de cara legal e a sua fracassada saída de moto. Tudo perdido por tudo e nada, uma mulher... Quando foi que tudo isso começou? Um dia, em qualquer ano, não importa, só sei que foi há muito tempo... em Abril.
*Chovia... Chovia muito, mas isso não era problema para um garoto rígido que conseguiu respeito a base de violência. Infância perdida. Despertar repentino, a volta ao passado. Mas me senti orgulhoso. Vinha de uma das minhas lutas de rua. Encontro. Só cruzamos um olhar enigmático, seus olhos atraentes como um buraco escuro e seu sorriso arrogante. Destino maldito...*
Pedi outra garrafa de whisky barato, que ela odiava... Era uma vingança secreta, depois de tudo ela não veio. Se foi e não voltará. Um homem com muitas saídas e poucas ideias. A comparação resulta dolorosa... Comecei a beber.
*Passado difícil, aparência atual. Por coincidência da vida, encontrei-a novamente. Se aproximou e me perguntou uma razão. A resposta não quis sair de meus lábios. Foi enquanto a olhava espantado. Nada nunca tinha me deixado tão surpreso. Talvez esse tenha sido o começo, ou talvez tivesse sido mais cedo, naquele dia chuvoso.*
Eu queria chorar. Lembrar sempre me deixa melancólico. Mas, se tinha aprendido algo, é que chorar não adianta nada. Não no mundo em que me movia. Olhei ao redor, só bêbados, como eu.
*Não me acalmei até encontrar a resposta para aquela pergunta. E fui para a mesma rua aonde a encontrei, em um dia também chuvoso. Coincidência? Duvido muito. Me aproximei dela e simplesmente pedi para que viesse comigo. Não disse nada, apenas me seguiu. Uma fumaça e um cigarro. Sempre o mesmo, como um ritual. Tantas vezes neste motel em ruínas, cada detalhe lembrado.*
Esse mesmo hotel, sujo como o fedorento bar onde me encontro. Lábios carmim, óculos glamouroso com um toque vulgar. Mulher de programa. É o que vem a minha cabeça, gole após gole.
*Novembro, dia frio, como meu coração, quando ela fumou seu último cigarro. Um momento, atordoado. Virei a cabeça para onde já não estava mais. Desapareceu de minha vida. Um pobre iludido, era isso o que era e é isso o que sou. Nessa cama, aonde há 15 minutos estava essa mulher, e agora só há esse cheio grosso, mistura entre cigarro e suor. Recuo, dor. Memórias nítidas. Maltratado em casa, humilhado em público. Vencedor em derrotas, perdedor em vitórias.*
Sai do bar, sem nenhum destino fixo. Numa estive em casa, agora muito menos estarei. Passei pelas favelas daquela cidade, na qual não me transmitem nenhum sentimento. Um trem, uma luz, uma hora, um destino... e ela.
