Reticências.
O tempo era o seu maior inimigo. Tão feroz e implacável quanto sua natureza imutável e sua consciência era a sua ruína, pois o condenava a solidão eterna. Mas algo, que ele jamais poderia imaginar aconteceria em sua forma de vida condenada. Algo tão forte e resistente quanto seu corpo duro. Capaz de fazê-lo sentir-se humano novamente, concedendo-lhe o calor, que a muito havia perdido...
1901
_Mamãe! – a voz fina estava cheia de medo e soou choramingosa. As mãozinhas seguravam com firmeza as flores de diversos tamanhos e cores, como se elas lhes pudessem transmitir segurança. Ela voltou a andar, passos curtos e temerosos. Um vento gelado balançou os fios claros dos seus cabelos. Seus olhos, de um tom claro, entre o verde e o mel olhavam para todos os lugares em desespero.
A menina tornou a gritar pelo nome da mãe e teve como única resposta o silvo do vento que agora estava mais forte. Seus pés pequenos a levavam cada vez mais longe. E sem ter realmente noção, ela entrava mais e mais na floresta densa. O cansaço já se anunciava em suas pernas curtas e seus lábios tremiam, pois o choro ameaçava escapar pelos seus olhos muito abertos. A pequena chegou perto de um tronco caído e encolheu-se. Com cuidado, ela tirou o fitilho que prendia seus cabelos o esticando no chão de terra, cheio de folhas e pequenos galhos. Depois, acomodou as flores colhidas sobre ele e deu um nó frouxo, fazendo a um pequeno buquê de flores. Com tristeza, ela encolheu-se ainda mais e abraçou seus joelhos. Ela sentia falta da mãe, desejava voltar para a casa e tomar uma caneca de leite quentinho com mel. Depois ela iria para o seu quarto e abraçada a sua boneca de pano, cantaria até adormecer. Sem perceber a boca pequena começou a entoar a canção de ninar e isto lhe trouxe um pouco de alento. A noite caiu lenta, enegrecendo os últimos raios do sol, fazendo com que um gemido sofrido escapasse da garganta da pequena Esme, junto com uma estrofe da canção. Ela abaixou sua cabeça a encostando nos joelhos e fechou seus olhos com força, pois ficou imaginando que se dormisse naquele instante, talvez quando acordasse já estivesse em sua cama quentinha.
Mas um som terrível a fez gritar assustada e o choro a muito contido veio forte. Agora, ela gemia de medo e se encolheu ainda mais, esquecendo-se completamente do pequeno buquê de flores. O som foi ouvido novamente. Esme não sabia dizer o nome para aquele barulho assustador, mas sabia que vinha de algo muito mal. Ela ergueu sua cabeça e teve ainda mais medo, pois a noite agora predominava diante de seus olhos cheios de lagrimas. Seu peito subia e descia cada vez mais rápido e ela chamou pela mãe uma terceira vez.
_Socorro mamãe!
Ela sentia que algo vinha e que era pesado e grande, se aproximava quebrando os gravetos secos e fazendo o chão a sua volta tremer. O medo que tomou conta de seu corpinho fora tamanho, sendo capaz de silenciar sua garganta. Seus olhos se projetaram com terror, pois ela vislumbrara o movimento de algo se erguendo, e o brilho de dentes brancos faiscaram diante de seus olhos. Mas fora o rosnado feroz, que soou acima de sua cabeça que a fez gritar assustada. Algo se moveu tão rápido que fez seus cabelos balançarem e se chocou com a forma grande do animal a sua frente. Esme engatinhou pelo chão até chegar a uma arvore e lá, ela abraçou o tronco o quanto seus bracinhos podiam alcançar e fechou seus olhos com força. Chorando muito, ela ouvia os sons assustadores de algo se rasgando para de repente, ouvir um gemido muito sofrido. Depois, o silêncio tomou conta sendo quebrado somente pelos soluços de sua garganta já dolorida. O corpo pequenino dela passou a tremer novamente, pois ela ouviu um galho se partindo perto e desesperada, tornou a gritar.
_Calma, esta tudo bem! – a voz era macia e reconfortante, trazia segurança suficiente para fazê-la abrir seus olhos e procurar pelo homem que estava parado muito perto.
Ele sorria.
_Oi pequena, você está bem? Está machucada?
O homem era muito alto, mas eram os olhos, que brilhavam muito, a chamarem a atenção da pequenina, pois ela nunca vira olhos como aqueles antes:_O monstro, ele vai me comer!
Com um sussurro ela falou o que sentia para o estranho, o fazendo sorrir ainda mais.
_Fique calma, não vou deixar nenhum monstro te machucar.
_Você promete?
_Mas é claro que eu prometo! - a voz do homem soava baixa e calorosa. Fazendo com que aos poucos ela se acalmasse. Ele se aproximou ainda mais, ficando a centímetros apenas.
_Então jura!
_Qual é o seu nome?
_Esme Anne Platt. – O homem riu baixinho da forma como a pequena falara seu nome completo, como se estivesse na escola.
_Então Srta. Esme Anne Platt, eu juro solenemente que não vou permitir que nada de mal lhe aconteça! – ela viu o homem erguendo sua mão enquanto jurava lhe proteger e sorriu. Aquele gesto fez os olhos do estranho brilharem intensamente.
_Você confia em mim agora, pequena Esme?
_Sim!
_Então, me dê a sua mão.
Ela sentia-se segura abraçada aquele tronco de arvore, mas não conseguiu refrear seus braços que se desgrudaram do tronco e estender a sua mão pequenina, que foi encoberta por dedos longos e gelados.
_Nossa que frio!
_Sim, a noite está muito fria!
_Você devia usar luvas!
_Acha mesmo, pequenina?
_Sim, vovó faz luvas de tricô para todos nós. Deveria pedir para a sua fazer um par, elas aqueceriam a sua mão.
O homem ergueu-se lentamente, trazendo a pequena Esme para próximo dele.:_Obrigado pela sugestão.
Sorrindo com encanto, a pequena Esme segurou a barra de seu vestido e curvou uma perna antes de dizer: _Disponha!.
O estranho homem deu um passo sendo acompanhado pelos pezinhos pequenos da menina.
_Agora, senhorita, vou levá-la para casa!
O rosto dela tornou-se sério, escondendo as covinhas perfeitas e o tom triste e baixo, ecoou muito alto nos ouvidos dele que se abaixou até a ela: _Mas eu não sei onde fica a minha casa, acho que me perdi na mata.
_Não se preocupe, eu vou achar a sua casa. Você consegue andar?
_Sim!
_Ótimo! Pequena Esme, você conhece alguma canção?
_Conheço sim, estava cantando uma antes do monstro... – a esta lembrança, ela olhou assustada para trás. E depois voltou-se para o estranho:_Cadê ele?
_Ele foi embora. Agora, que tal cantar para mim aquela canção enquanto caminhamos.
Esme sorriu feliz, e começou a cantar a sua musica de ninar. Ela se afastou com o estranho, deixando para trás suas flores amarradas no fitilho. Esme não saberia dizer quanto tempo andara, mas que já era a terceira vez que cantava a canção, mas nesta ultima, foi muito melhor, pois o homem a acompanhava nas estrofes. Ela parou de cantar no momento em que viu as luzes das tochas.
_Esme! – o grito soou forte e desesperado, era a sua mãe. Feliz que estava ela soltou a mão do estranho e correu de encontro às tochas acessas, diretamente para a voz que a chamava.
_Mamãe, estou aqui! – ela esquecera-se do estranho que deixara atrás de uma arvore, que acompanhava tudo com muita atenção, não se movendo um centímetro sequer, mesmo com a proximidade dos rosnados, que indicavam a vinda dos cães de caça. Ele esperou até o ultimo instante, pois desejava ver o reencontro da pequena com a mãe. Um sorriso triste surgiu na sua face no momento em que as duas se abraçaram.
_Esme, filha minha, santo Deus!
O cheiro canino estava muito forte agora. Ele impulsionou suas pernas e correu, deixando para trás a balburdia dos latidos que se misturavam as vozes dos humanos. Sua mente estava calma e seu coração gelado. Imagens da garotinha assustada no meio da mata apagavam-se lentamente de sua mente enquanto ele se afastava rapidamente.
_Adeus, pequena Esme!
