John amava seus filhos. Ele precisava se lembrar disso. Que amava seus filhos e que não seria produtivo matar seu filho mais novo com uma pancada certeira na cabeça. Mas, em momentos como aquele, era muito difícil se lembrar disso. Ele chegara da oficina cansado e sujo, mas satisfeito por ainda ser capaz de restaurar um carro antigo, mesmo sem anos de trabalho na área. Mas, infelizmente, não podia dizer que a convivência com Sam era algo fácil.

Sam sempre fora uma criança curiosa. As perguntas que ele fazia, quando era mais novo, sempre traziam um sorriso satisfeito ao rosto de John, elas o deixavam mais que orgulhoso, o deixavam sem reação. Desde pequeno ele queria entender como o mundo funcionava e fazia perguntas como "mas se o céu muda de cor, por que o mar também não pode?" e John ficava com a tarefa de explicar que algumas coisas eram sempre inconstantes e não se podia mudar outras. Bom, ele e Dean.

Mas quando Sam começara a crescer, suas perguntas e seu tom ficaram mais agressivos. "Por que nos mudamos tanto" e "O que aconteceu com você" e "por que não podemos ser como uma família normal". Agora, ele nem ao menos fazia perguntas, apenas buscava a pior maneira de ferir John sempre que estavam juntos. "Acha que essa é a vida que a mãe ia querer pra gente?" ou "você é o pior pai que alguém poderia ter".

Ao abrir a porta da casa que estavam ocupando há três semanas, fora recebido com o som de berros vindos da sala. ótimo, pensou ele, é um daqueles dias.

– Dean, Jack é um cara legal! – Sam tentava explicar de uma maneira que todos os adolescentes achavam ser completamente razoável. – Não tem motivo pra isso!

John não disse nada. Sabia que a culpa daquela última discussão era dele, afinal, fora ele quem proibira a ida de Sam pra tal cabana. Se dirigiu à cozinha, o tempo todo ouvindo o que se passava, enquanto salvava uma caçarola de atum que Dean havia feito na noite passada de ser queimada além de qualquer reconhecimento do forno. Ele não queria ser cruel, mas John não queria que nenhum vizinho preocupado se metesse na vida dos três.

– Já disse que não Sammy! Você não tem permissão pra dormir fora de casa sem alguém da família por perto e já chega dessa conversa. Não vai e acabou.

John vira o rosto de Sam e os ombros tensos de Dean sentado na cama, enquanto desmontava uma espingarda com facilidade. Ele sabia que seu filho mais velho não concordava nem um pouco, mas ele era um menino obediente. Sam não iria a lugar algum sem a autorização de John.

– Além do mais, não vamos ficar nessa porcaria de cidade por muito mais tempo, é melhor não dar motivos pra família desse garoto te procurar depois que formos embora. – Dean explicava enquanto montava a espingarda de novo, tentando bater seu próprio recorde, e ganhar do tempo de seu pai. Ainda perdia por alguns segundos.

– Eu te odeio, Dean.

John sentiu a força daquelas palavras contra ele por mais vezes do que podia contar vindas do garoto de treze anos, mas Dean... Sam nunca disse aquelas palavras pra Dean antes.

– Pode até ser, irmãozinho. – Dean sorria, de maneira um pouco forçada demais, pra qualquer um que conhecesse o rapaz. – Mas isso não muda o fato deu ser o único irmão que você tem, nem o fato de que você não vai. Você só sai dessa casa amanhã para treinar, ouviu bem?

– Você acha que é grande coisa, Dean, com essa sua jaqueta de couro e esse... esse seu carro e aquelas mulheres que você acha que eu não vejo, mas você não pode mandar em mim assim, você não é meu pai!

– Vá pro seu quarto, Sam. – John disse com a voz seca que impedia argumentos. – Agora.

– Mas não é meu quarto, certo? É o quarto de alguém que teve a infelicidade de acreditar em você e sua mentira sobre vazamento de gás!

– Sam. Agora.

Dean deixou seus ombros caírem assim que ouviu a porta do quarto dos dois bater. John sabia que seu filho de dezessete anos era calmo demais pra um adolescente, mas ele pensava que, talvez, Dean devesse explodir com Sam também. Tal descontrole de emoções não era admissível.

– Sabe, pai, talvez não seja tão má idéia assim. – Dean começara colocando a espingarda atrás da porta de entrada e pegando um rifle que estava lá. – Eu vi Jack e a irmã dele na escola, e...

– Não, Dean.

– Vai ser bom pra ele, sair de casa um pouco, pai. Ele vive com a cabeça enfiada em um livro! Ele precisa ver outras pessoas, talvez conhecer uma garota ou duas.

John sabia que não teria como convencer Dean sem parecer um idiota sem coração. Claro, ele já estava acostumado a ser visto assim por seus filhos, mas não significava que ele gostava disso.

– Ele está menos irritante esses dias. – John admitiu, ao que Dean sorriu pra ele.

– E você sabe como é chato pra ele ficar comigo o tempo todo, ele precisa de gente da idade dele, pai, conversas que não sejam sobre carros e gente que goste daquelas coisas nerds que ele gosta.

John ouviu tudo aquilo e balançou a cabeça. Eles já tiveram aquela discussão antes.

– Sam é... sincero demais, Dean. Quem sabe o que ele pode dizer pra essas pessoas sem perceber?

– Ele não é burro, pai, ele sabe o que deve falar, você sabe disso.

– É um risco desnecessário. – John percebeu que queria que Dean o convencesse a deixar Sam ir ficar o fim de semana na cabine do tal Jack. – É uma cabine, Dean.

– Mas nós dois já olhamos aquela área, Caleb também há uns meses atrás! Não tem nada lá, pai.

John fizera um grunhido no fundo da garganta. Ele perdera o argumento e sabia disso. E pelo sorriso que Dean tinha no rosto, ele também sabia disso.

– Você devia contar a ele, então. – John disse indicando a porta fechada com a cabeça. – Que dei permissão.

O sorriso de Dean perdeu um pouco do brilho. Ele balançou a cabeça em negativa e disse:

– Acho que vocês estão precisando de um momento pai-filho, sabe, um que não acabe com um de vocês fechando a porta na cara do outro. – Dean sorriu mais uma vez, dessa vez um bem maior e sincero. – Não se esqueça de ir levar o garoto e se apresentar pros pais de Jack antes de sair correndo pras montanhas.

E John, sorrindo, foi até o quarto de seu filho mais novo.


Sam ainda estava chateado com Dean, no outro dia. Mesmo depois de ele oferecer ajuda pra montar sua mochila com roupas suficientes pro fim de semana. Sabia que só estava indo porque Dean e John fizeram algum tipo de acordo enquanto estava em seu quarto, mas não queria conversar com ele. Dean tinha que entender que ele não era mais uma criança. Já tinha treze anos, pelo amor de deus, não tinha três.

Negou comer as panquecas que ele fizera e enchera uma vasilha com cereal e leite. Parte dele sabia que estava sendo pouco razoável, mas a maior parte, apenas estava chateada e enraivecida além de qualquer argumento lógico. Até John percebera que ele devia ter mais liberdade, Dean era... insuportável

Quando entrou no carro com seu pai, Sam se preparou mentalmente pra mais uma vez ouvir a lista de recomendações que os dois sempre lhe passavam nas raras ocasiões em que passava mais de duas horas sozinho. Viu Dean apoiar o braço em cima da janela do passageiro e revirou os olhos esperando o velho e conhecido sermão.

Mas ele não veio. Dean apenas bagunçou o cabelo de Sam e disse:

– Comporte-se, Sammy.

Nessa hora, ele podia dizer adeus, dizer que o havia perdoado e sorrir pra ele. Mas tudo que ele conseguiu dizer foi:

– É Sam.

Sam viu Dean revirar os olhos e se afastar. E Sam respirou fundo. Ele teria dois dias sem John, sem Dean, sem monstros, sem acordar no meio da noite com medo de ser John chegando ensangüentado e precisando ser costurado por seu irmão mais velho no sofá. Dois dias com uma família normal.

Seu pai não diz nada no caminho e, graças a deus, age como um ser humano normal, pra variar um pouco, quando conversa com a mãe de Jack. Eles estarão na casa durante todo o fim de semana e ficarão de olho pra que nada aconteça. John pega o telefone da casa e deixa o numero de seu celular com ela. Sam sente orgulho de seu pai quando ele não o puxa de lado pra lembrá-lo de colocar um círculo de sal em volta da sua cama.

A sala da cabana de Jack é maior que toda a casa onde eles estão morando. Sam não pode deixar de ficar um pouco incomodado com tanto espaço aberto. Relaxe, Sam, ele pensou, as saídas são arejadas e não têm obstáculos... oh deus, estou ficando tão paranóico quanto o pai.

– Sam, espero que se sinta a vontade em nossa casa. – A mãe de Jack tinha um sorriso agradável. Do tipo que fazia qualquer um relaxar. O sorriso que ele reconhecia em Dean. – Hoje teremos a noite da Pizza. Cada um escolhe o que quer e vai montar a própria pizza. Parece divertido?

Antes que Sam pudesse dizer qualquer coisa, Jack apareceu do nada e o abraçou com força, dando tapinhas em suas costas e sorrindo como um maníaco.

– Sam! Você demorou, cara, por um segundo achei que seu pai tinha mudado de idéia no meio do caminho! – Jack finalmente percebeu que Sam precisava respirar e o deixou livre. Com um rubor no rosto que Sam não pode deixar de achar engraçadíssimo. – Espero que seja um cara paciente... não consegui me livrar da minha irmã pentelha. Pra piorar, Phil tá chegando amanhã.

Sam gostava muito de Jack. Era um garoto legal que não teve muita sorte na vida. Logo na primeira semana em que estava na escola, teve medo de ser 'o garoto novo' pra todos por muito tempo, mas Jack conversara com ele e até dividira seu almoço com ele, quase todos os dias.

Sam percebeu com o tempo que Jack não tinha mais apetite pra comer muito, mas seus pais tentavam com todos os favoritos dele, o que fazia de seu almoço o maior de todos (e também lhe fazia alvo de todos os imbecis da escola). Jack tinha um tipo de câncer que fazia com que ele ficasse sempre doente, mas era um garoto legal.

– Sua irmã não é tão ruim, cara, pra uma garota de seis anos... e quem é Phil?

– Meu irmão mais velho. – Jack pegou a mochila de Sam e começou a andar em direção a um dos quartos. – Ele é um pé no saco, não me deixa fazer nada!

– Cara... Acho que é parte de algum gene de irmão mais velho.

– Qual é, Sam – Jack olhou pra ele incrédulo. – Eu vi o Dean te buscando na escola milhares de vezes! Acho que se houvessem fotos nos dicionários, teria uma foto dele em "legal".

– É, mas como irmão, ele não é tão "legal" assim.

– Bem, aqui, nós dois vamos nos unir contra o governo opressivo do irmão mais velho, ok?

E Sam não se lembrava de rir tanto com um comentário tão simples antes.


Dean ouviu o motor do Impala chegando de seu quarto. Ele precisaria colocar óleo nela logo. Chegou a sala ao mesmo tempo que John fechava a porta. Seu pai sorriu pra ele pra sinalizar que tudo tinha corrido bem na casa dos Muller e se sentou, com os pés em cima da mesa de centro. Dean sorriu imaginando a voz de Sam gritando indignada que a mesa não era lugar para os pés sujos de lama. Não se passaram nem três horas e eu já sinto falta daquele moleque.

– Pensei que, já que Sammy não está aqui, poderíamos deixar você de folga da cozinha e comer uma pizza. Talvez algumas cervejas. E nem adianta se fazer de inocente, eu ouvi o que você anda fazendo com Caleb pra saber que você bebe mais do que eu.

Dean sorriu envergonhado. Pegando duas cervejas da geladeira e se sentando ao lado do pai.

– Na verdade, eu só bebi metade... os outros tragos foram todos jogados fora quando o Caleb não estava vendo.

E a risada de John aqueceu um pouco do frio que Dean estava sentindo desde a partida de Sam. Não era ser sensível, qualquer um que conhecesse o garoto saberia que ele não era, e Dean sabia que todo adolescente pensa que odeia a família uma vez ou outra, mas, ouvir seu irmãozinho declarar com todas as letras que o odiava... aquilo doeu.

– É isso aí, filho! Pizza de mussarela ou você prefere...

John se mexeu um pouco e puxou o telefone celular do bolso traseiro. Dean viu o sorriso dele aumentar assim que atendeu o telefonema.

– Caleb, seu filho da mãe, tenho uma ótima pra te contar!

Mas o sorriso dele sumiu com a resposta de Caleb. Dean podia ver a tensão aumentando em seus ombros a cada instante. Seja lá o que estavam discutindo, não era nada bom.

– Nós estamos de saída, Dean. – John disse jogando o celular em cima da mesa. – Agora.

– Pai?

– Rawheads. Uma cidade depois de Dover.

– Dover... em Delaware? Pai, você não pode estar falando sério!

– São dois, Dean, dois. já pegaram seis crianças de que sabemos, uma com menos de 4 anos.

E Dean sabia que John estava jogando pesado. Dean não gostava nem um pouco de Rawheads justamente pela escolha de crianças como vítimas e John sabia que só mencionar a quantidade das crianças seria suficiente pra convencê-lo. Se Dean não aceitasse logo, ele começaria a dizer o nome de cada uma das crianças.

– Vamos pegar Sam no caminho.

Dean parou no meio da ação de colocar sua jaqueta de couro, o que o deixou com o braço direito em uma posição muito desconfortável.

– Pai... Estou ouvindo coisas ou acabei de ouvir que você quer levar Sammy numa caçada de Rawhead?

– O que você sugere, Dean? – John passou uma das mãos em seu rosto. – Jim está no hospital com a esposa. O que eu devo fazer, Dean? Quer que eu deixe seu irmão com estranhos enquanto nós arriscamos nossas vidas?

– Quero que você deixe Sammy no lugar mais seguro! – Dean ia fazer seu pai ver a razão, era só choque, seu pai não era louco. – Ele vai ficar bem enquanto nós dois e Caleb fritamos aqueles filhos da puta!

John estava com pressa. Dean percebia pela maneira como ele olhava pela janela e para seu relógio.

– Que seja, Dean, isso fica em sua cabeça, ok? Ele fica na casa dos Muller e nós saímos agora. Revezamos no volante até chegarmos lá.


Phil, Sam descobriu, não era nem um pouco como Dean. Claro que seu irmão era inteligente, mas Phil era brilhante. Estudava direito em Harvard e mostrou a Sam as melhores jogadas pra ganhar de Jack no Playstation, tudo isso sem zoar da cara dele nenhuma vez.

Até Sophie, que fazia Jack revirar os olhos sempre que aparecia, era muito engraçada. Pra uma garota, de qualquer maneira. Agora mesmo, ela estava tentando alcançar o controle que Jack segurava acima da cabeça e não havia reclamado pros pais em nenhum momento. Mas já dera dois chutes nas canelas de Jack.

– Sophie, venha me ajudar com os refrigerantes. – A Sra. Muller era como Sam imaginava que sua mãe seria, se estivesse viva: bonita, sorridente, calma. – Sam e Jack, os pratos e guardanapos. Sim, Jack, guardanapos. Não é porque vamos comer com as mãos que vamos esquecer todo o senso de educação que possuímos.

Sam sorria quando Jack puxou ele até a cozinha e perguntou:

– Cara, o que há com você?

– O que você quer dizer? – Sam começou a sentir um pouco de pânico, ele estava se esforçando tanto pra não fazer nada de errado! – Não há nada comigo, Jack, qual é?

– Sam, não mente pra mim, cara, odeio mentiras.

Sam engoliu em seco. Como Jack reagiria se soubesse de todas as mentiras que Sam já contara pra ele?

– Eu não sei o que você quer que eu diga, cara...

– A verdade. Você tá sorrindo, Sam, mas não tá sorrindo, saca? Já vi você rindo na escola de um jeito mais normal do que aqui, e, cara, isso não é normal! É a escola!

Sam não pode evitar a risada. Jack detestava tanto a escola que parecia Guantanamo ao invés do ensino fundamental.

– Não sei, cara, acho que... nossa, isso vai parecer muito imbecil...

– Tá com saudades de casa? – Sam fez uma careta. – Sabe, não precisa ficar com vergonha, acontece com os mais talentosos e bonitos de nós. E pode acontecer com feiosos como você também.

– Hahaha, estou morrendo de rir. – Mas ele estava um pouco mais aliviado, mesmo sem ter dito nada. – Acho que... é, acho que se pode dizer que é saudade, sim.

Mas não era. Bem, não de verdade. Aquela casa não era deles. O que ele sentia falta mesmo, era de Dean. Queria que o irmão estivesse ali pra rir de Sophie subindo no sofá pra roubar o controle do videogame de Jack. Ele queria aquela atmosfera, sim, mas ele queria dividi-la com seu irmão.

– Quer ligar pro seu pai? Ajuda, sabe. No hospital, eu ligava pro Phil quase todos os dias. Tenho certeza que minha mãe não vai se importar.

Sam considerou a oferta, mas balançou a cabeça, Dean apenas teria confirmação de que era um bebezão e que não deveria ficar longe de casa sozinho.

– Não, não precisa, Jack. Vamos comer aquela pizza agora?

– Não sei por que está tão feliz, você vai comer aquela monstruosidade com banana que você inventou.

Sam deu de ombros.

– Eu gosto de bananas.

– Você é um cara estranho, Winchester...

E Sam se deixou ser infantil e estirar a língua pra Jack.

Estava muito confortável ali. Mesmo com a sensação de vazio que gritava o nome de Dean em seu peito, ele ainda estava bem. O desejo de ter aquela vida pra própria família gritava fundo na sua cabeça e Sam se deixou fingir, por um dia.

O segundo dia fora tão divertido quanto o primeiro, fazendo com que Sam se esquecesse da vontade de ter Dean ali por horas. Mas, como tudo na vida dos Winchester, não era pra durar.


Essa fic é uma resposta ao Primeiro Desafio Rachelismos-Lucy Gaunt (hihihi) com o tema "Dia das Crianças".
Espero que gostem tanto do resultado quanto eu gostei de escrever sobre ele.

O capítulo 2 e 3 estão prontos e serão postados ainda hoje.

Ou então tenho que pagar a prenda pra Lucy, e não sei se quero, ela é má i.i