Prólogo
Estava meio desconfortável.
Não sei se era por causa da cadeira reclinável de metal em que eu estava deitado ou do tubo na minha boca sugando toda minha saliva e deixando minha língua seca.
Mesmo assim era necessário.
Quero dizer, até os semideuses precisam ir ao dentista de vez em quando.
Todos os capítulos são narrados por Charlie Beckendorf.
Capítulo 1 – Esperas e surpresas
Minha consulta com o Dr. Slove já tinha acabado há 30 minutos, eu já deveria estar em casa assistindo o jogo de basquete na TV. Mas eu estava gentilmente esperando a Sra. Bates acabar de verificar se o dinheiro que eu tinha usado para pagar era verdadeiro.
Nada contra velhinhas. Elas só fazem as coisas... Devagar.
Minha hiperatividade não ajudava nada, a única coisa que tinha para fazer naquela sala era olhar para o teto. O que não é exatamente legal de se fazer. Trocaria mil dracmas de ouro por sair dali, mas eu ainda tinha que esperar o troco, o que parecia que ia demorar bastante. Ouvi o som da porta abrindo e os malditos sinos "calmantes" tocando.
Um anjo em forma de semideusa entrou.
Seus cabelos loiros balançaram levemente quando ela entrou no meu campo de visão e os chaveiros presos em sua bolsa fizeram um barulhinho estranho. Seus lábios rosados se movimentaram rapidamente enquanto ela cochichava alguma coisa com a secretária.
Se sentou em uma poltrona quase na minha frente, seu vestido branco subiu uns 2 centímetros, mas não fez tanta diferença já que o vestido não era tão curto, e seus olhos azuis começaram a analisar milimetricamente a sala.
Percebi que seu olhar se demorou no vaso com orquídeas em um canto e no dinossauro disfarçado de computador no balcão. Logo depois, nossos olhares se encontraram por um milésimo de segundo. Abaixei a cabeça imediatamente.
Era Silena Beauregard, do chalé de Afrodite.
De algum jeito mágico, eu sempre me machucava acidentalmente quando estava perto dela. Já acertei meu dedo com um martelo, deixei uma pedra cair no meu pé, já prendi a mão em uma janela e deixei a bola de vôlei acertar a minha cara. Não sei direito, mas acho que isso é um sinal para eu ficar longe dessa garota.
Se há 2 minutos eu queria sair daqui, agora eu estava desesperado. Não podia deixa-la me ver pagar mico novamente. Peguei minha mochila e me levantei, percebi que ela me acompanhou com o olhar. Talvez para ver qual o desastre que eu ia causar naquele dia. Saí de lá sem o meu troco.
Entrei no primeiro táxi que vi e entreguei meu endereço para o motorista. Minha mãe ia ficar muito brava, eu não tinha pegado o troco e ainda estava voltando para casa de taxi. Mas eu precisava sair de lá o mais rápido possível, ela só não vai acreditar nisso.
Depois de chegar em casa, fui direto para o sofá e liguei a TV, Laker's contra Chicago Bulls. Mais ou menos no meio do jogo, comecei a ouvir um barulho de passos. E ficaram uns 10 minutos indo para um lado e depois voltando. Indo e vindo. Quando o som ficava baixo demais para ser ouvido e eu pensava que tinha ido embora, ele voltava. Minha cabeça já martelava. Levantei e fui para a janela com a intenção de mandar a criatura lá fora escolher para onde ela ia.
Era Silena Beauregard.
Segurando o guarda-chuva amarelo com bolinhas azuis da minha mãe.
Meleca.
Pensei em voltar para dentro e me esconder, mas era tarde demais. Ela havia me visto e acenava freneticamente com a mão livre. Agora eu não tinha mais escolha, desci para a portaria do meu prédio e a vi me esperando no hall. Parei na sua frente.
- Me pediram pra te devolver isso. – ela me entregou o guarda-chuva -
- Ahn, obrigado. – passei a mão na nuca, gesto nervoso – É da minha mãe, ela não ia ficar muito feliz se eu perdesse...
Ela deu um sorriso simpático que me fez sorrir também. E então pareceu lembrar-se algo.
- Ah. – ela revirou um pouco a bolsa azul-clara – Isso também. – ela me entregou o dinheiro que deveria ser o meu troco –
- Obrigado. – eu disse um pouco sem graça –
Silêncio constrangedor.
- Então eu já vou... – ela falou –
- Tá bom, tchau.
- Até amanhã.
Subi para o meu apartamento pensando no que ela queria dizer com o até amanhã. O dia seguinte era uma segunda-feira, dia de ir ao supermercado, fazer os deveres atrasados de história, dar comida para o hamster hiperativo da minha mãe, andar de bicicleta, de ir à escola...
A escola!
Esqueci totalmente que estudamos na mesma escola!
Desgraça.
