Com a volta da primavera, o sol estava finalmente aparecendo de novo. Ellie e Joel chegaram ao acampamento da usina há duas semanas e, desde então, o que aconteceu no hospital nunca mais havia sido trazido à tona. Estavam começando a viver uma vida normal, na medida do possível, embora ainda estivessem se acostumando com aquilo. Era estranho ter um lugar, fixo, sem restrições. Não era o mesmo que viver em uma Zona de Quarentena, onde os muros eram o principal símbolo da repressão. As pessoas que estavam no acampamento não viviam com medo do que estava dentro dos muros.
Desde o ataque que aconteceu quando Ellie e Joel passaram pela usina pela primeira vez, o grupo havia se reduzido drasticamente. O frio rigoroso do último inverno parou as turbinas movimentadas pelo rio e, sem energia, algumas mortes aconteceram. Infectados passaram pela cerca eletrizada e alguns casos de hipotermia levaram cerca de cem pessoas, inclusive o pai de Maria. Algumas famílias fugiram depois de todo o acontecimento e restaram menos de trinta sobreviventes. Não havia ninguém que pudesse reparar as turbinas da usina ou fazer a manutenção do sistema. Estavam sem energia novamente. Era por isso que o sol significava um alívio. Além de reduzir o frio, os dias estavam voltando a durar mais do que as noites.
A luz ajudava a ver os infectados que se aproximavam. Tommy comentou, há alguns dias, que a incidência de infectados nos muros havia crescido bastante nos últimos tempos. Isso significava que o número de pessoas em volta de Jackson County também havia aumentado, pensava Joel. O grupo de caçadores que comandava as áreas próximas havia sido eliminado e os que sobraram fugiram. Aquilo, portanto, era problemático porque poderia significar que os Vagalumes estavam procurando Ellie. Marlena era a peça-chave da milícia, mas certamente alguém a substituiria. E este alguém sabia de Ellie, ele tinha certeza.
Joel estava sentado no posto de comando, observando o sol de por no horizonte. Por causa da versão que contou para Ellie sobre a noite do hospital, a possibilidade de ter Vagalumes por perto o perturbava. Ele tinha certeza que ela não havia acreditado quando mentiu sobre a desistência dos Vagalumes em encontrar a cura, mas Ellie não pensaria que estava sendo procurada. Ela havia ficado tão decepcionada por não poder ajudar, que Joel não podia imaginar como ela reagiria caso soubesse que não haviam desistido de usá-la em um teste suicida. Ainda estou esperando a minha vez, disse ela. Aquelas palavras foram aterrorizadoras para Joel. Ellie sabia que morreria? Ela realmente havia escolhido se sacrificar para, supostamente, salvar o resto do mundo? Talvez a morte de seus pais, de Riley, Tess e Sam a houvessem levado a aquele pensamento. Ellie não queria ver mais ninguém morrer.
Aqueles pensamentos haviam o distraído e, somente quando seu irmão chegou, ele voltou à realidade. Tommy subiu pela escada do muro, sentando-se ao lado de Joel.
"Alguma coisa?" Tommy perguntou.
"Não, está quieto." Joel respirou fundo, arrumando o rifle preso na bandoleira. "Você viu a Ellie?"
"Está com Maria, escovando os cavalos" Ele tirou os olhos do horizonte, passando a encarar o irmão. "Você está preocupado com ela?"
"Desde o hospital ela está bastante calada. Ficou decepcionada por não ajudar na história da cura."
"Tá brincando?" Tommy resfolegou, irritado. "Você salvou a vida dela, Joel. Deveria ter contado a verdade pra garota. Aí ela ficaria sabendo quem realmente era Marlena e os Vagalumes".
"Ellie passou por um inferno desde que perdeu os pais. Talvez ela quisesse mesmo aquilo" Joel desviou os olhos do irmão, encarando o concreto do chão.
"Ela só tem 14 anos." Ele levou uma das mãos ao ombro do irmão, fazendo com que ele o olhasse.
"Tommy, pode imaginar o que a disseram para que ela acreditasse nessa besteira?" Joel balançou a cabeça negativamente, respirando fundo. "Marlena construiu essa ideia estúpida de salvar a humanidade na cabeça de Ellie".
"Ela não protegeria a menina de graça. Nem ofereceria o que ofereceu à Tess para que vocês a levassem até aquele maldito hospital." Tommy considerou. "Você ainda pode contar a verdade".
"Não posso" Joel passou as mãos pelo rosto, tentando afastar a irritação. "E se ela quiser voltar?"
"Vai mentir pra sempre?" Ele retrucou, levantando uma das sobrancelhas. "Se os Vagalumes estão mesmo vindo atrás dela, você terá que dizer o porquê. Ellie é esperta, não vai se convencer com qualquer coisa".
"Não posso" Repetiu. Os lábios se abriram para dizer algo mais, mas as palavras fugiram da mente de Joel. Ele não sabia o que dizer. "Talvez seja hora de voltar para a estrada".
"Como é?! Porra, Joel..." Tommy levantou-se. "Não! Você não vai se arriscar".
"Estamos arriscando o acampamento, Tommy. Se os Vagalumes vierem, vão matar todo mundo que está aqui também". Joel ergueu o rosto, respirando fundo. "Eu só posso proteger a Ellie".
"Que venham!" Gritou, abrindo os braços. "Eu tenho mesmo algumas contas para acertar".
"Deixa de estupidez! Olha pra essas pessoas assustadas que estão aqui. Eles não têm nada a ver com isso" Ele levantou-se, tirando a bandoleira do rifle do ombro e entregou a arma nas mãos do irmão.
"Não dá pra proteger Ellie o tempo todo. Só você pode dizer o sufoco que passou no último ano. Você está envelhecendo e ela é só uma garota" Tommy argumentou. "Pensa nisso, Joel".
"Eu vou ver como ela está e já volto para ajudar no turno" Depois de um tempo em silêncio, ele respondeu simplesmente, descendo as escadas.
A luz do sol já estava quase desaparecendo, então já havia algumas pessoas acendendo as lenhas nos toneis da rua. Os passos pesados no cascalho ecoavam pelas ruas vazias, quebrando o silêncio profundo. As poucas pessoas que ainda estavam na rua rapidamente entravam nas casas, assustadas pela escuridão da noite. Joel continuou até alcançar o estábulo, percebendo que Maria e Ellie já haviam saído de lá. Voltou para a rua, seguindo até a pequena cabana onde ele e a garota haviam se instalado. Abriu a maçaneta devagar, encontrando as duas sentadas à mesa da cozinha.
"Bem, ele está aí" Maria disse, levantando-se.
"Oi Joel" Ellie cumprimentou, sem olhá-lo. Ela fazia pequenos desenhos invisíveis com a ponta dos dedos na mesa.
"Estávamos pensando em fazer algo pra comer, você pode nos ajudar" Maria parou logo atrás de Ellie, colocando as duas mãos nos ombros dela.
"Já estou voltando para o posto de controle. Vim só ver como você está" Ele disse. Maria afastou-se, saindo do cômodo.
"Estou bem, não precisa se preocupar. Maria vai ficar aqui comigo até de manhã, quando você voltar" Suspirou, parando o movimento das mãos.
"Ótimo" Joel sentou-se na cadeira ao lado, fazendo com que ela, finalmente, o olhasse. "Ainda está pensando sobre os Vagalumes?"
"Às vezes." Ellie movimentou os ombros despreocupadamente, respirando fundo em seguida. "Mas acho que vou ter que começar a aceitar as coisas como elas estão. É só... diferente" Uma pausa. "Eu achava que meu futuro seria aquele".
"Você está decepcionada?"
"Eu esperava ser útil, de alguma forma. Agora sou só um peso morto pra você carregar por aí" Balançou as mãos, gesticulando. O tom de voz agora era de irritação, embora a expressão do rosto dela pudesse mostrar claramente que ela estava frustrada.
"Ellie!" Joel protestou, inclinando-se.
"Tá, eu sei! A culpa não é tua, ok? Eu sou muito agradecida pelo que você fez por mim, Joel, mas não sei o que fazer daqui pra frente" Os olhos verdes foram emoldurados por lágrimas grossas que ela se esforçava para não derramar.
"Lembra do que a sua mãe te disse na carta?" Perguntou. Ela fechou os olhos, deixando as lágrimas correrem pelo rosto. "Vamos ficar juntos, não importa o que aconteça" Ele levou a mão ao queixo dela, fazendo com que ela o olhasse. "Eu te prometo".
"Tá" Ellie inclinou-se até recostar levemente a cabeça no ombro dele.
"Amanhã de manhã conversamos, ok? Preciso ir agora" Ela afastou-se e ele se levantou. "Tente descansar e obedeça a Maria". Ellie rolou os olhos, resmungando algo entre dentes. Joel sorriu, passando a mão pelo topo do cabelo dela. Ele sabia que aquilo a irritava porque desfazia o costumeiro rabo de cavalo.
"Tá, tá! Vai logo!" Reclamou, empurrando a mão dele. Joel acenou mais uma vez, sorrindo. Caminhou até a porta novamente, encontrando Maria ali.
"Toma conta dela, por favor." Pediu.
"Pode deixar. E você tome conta do Tommy. Assim que amanhecer, assumo o turno" Ela movimentou a cabeça positivamente, abrindo a porta para entrar na casa novamente.
Joel saiu pelas ruas novamente, fazendo o caminho de volta até o muro que protegia a entrada do pequeno vilarejo. A essa altura, ninguém mais estava fora de suas casas. Depois da morte do líder local, o pai de Maria, e de mais da metade das pessoas que moravam ali, os que ficaram sentiam medo o tempo todo. Nada parecido havia acontecido naquele vilarejo. Uma espécie de toque de recolher voluntário havia sido criado. Ele continuou a caminhar pela escuridão até encontrar as escadas do muro frontal. Tommy estava de pé, com o rádio na mão. Ele conversava com um dos poucos voluntários que estavam na estrutura da usina.
"Já estamos atrasados para a ronda" Disse, virando-se para ver Joel.
"Vamos lá" Ele pegou um dos rifles da cabine do posto de controle, descendo as escadas. Outro voluntário, um rapaz de trinta anos, assumiu o lugar dos dois.
Saíram pelo portão, começando a andar pela trilha que levava à central da usina. O silêncio completo só era quebrado pelo som do rio que corria logo ao lado ou pelo som dos animais da floresta. Tommy estava tão acostumado a fazer aquele caminho, que nem sequer precisava mais de uma lanterna. Ele achava que a claridade poderia atrair qualquer infectado que pudesse estar no caminho. Joel também não ligou a sua lanterna, concentrando-se na sua audição aguçada eventualmente, para ter certeza de que nada os cercava. Depois de alguns minutos, chegaram à cerca dos fundos da usina, entrando por uma porta discreta que foi construída logo após a ocupação do lugar. Passaram pela casa de máquinas e pelos outros prédios que, assim como todo o resto, estavam escuros, vazios e silenciosos. Chegaram finalmente ao primeiro posto de controle, onde Joel e Ellie foram identificados pela primeira vez. Dois rapazes e uma mulher estavam lá.
"Algum problema por aqui?" Tommy perguntou, cumprimentando-os com um aceno.
"Nada. Algo no caminho?" A mulher perguntou.
"Não, tudo tranquilo. Podem ir" Ele respondeu, vendo os três descerem pelas escadas. O sistema de rondas funcionava daquela maneira: quando uma dupla chegava ao posto de controle, a outra, que estava naquele posto, descia para fazer a ronda. Aquela movimentação seguia pela madrugada até o amanhecer. Os dois sentaram-se, um de cada lado, no topo do posto. Joel arrumava o rifle quando ouviu algo entre as árvores. Fez um sinal para Tommy e manteve-se totalmente parado, prestando atenção nos ruídos. Percebeu que eram dois humanos armados andando entre as árvores. Levantou o braço, sinalizando que atiraria no da direita, para que Tommy atirasse no da esquerda. Apoiou o rifle no peito e fixou a mira, acompanhando os passos dele. Destravou e atirou, fazendo com que o estampido quebrasse o silêncio entre as árvores. Logo em sequência, o tiro de Tommy. Nenhum dos dois caiu e Joel começou a imaginar que eles estavam protegidos por um colete à prova de balas.
Começaram a correr, se escondendo entre as árvores. Joel e Tommy recarregaram as armas e atiraram novamente. Um deles foi ao chão e o outro continuou a correr. Parou atrás de uma árvore e atirou de volta, acertando o vidro da cabine de comando. Outro carregamento e outros dois tiros que, finalmente, derrubaram o último.
"Vou checar" Joel disse.
"Não, Joel. Eles podem ser muitos" Tommy alertou, sussurrando.
Ele parou, apoiando-se na mureta de proteção. Fechou os olhos por um instante, tentando captar qualquer outro barulho. Não ouviu ninguém.
"Não tem mais ninguém aqui. Me dá cobertura" Pediu.
"Eu vou com você" Tommy começou a descer as escadas. Os dois passaram pelo portão e seguiram até os corpos, entre as árvores. Joel recolheu a munição e outros itens. As mãos ágeis começaram a procurar nos bolsos e, assim que alcançou o topo do colete à prova de balas, o metal gelado de um pingente tocou a sua pele. Ele puxou com um solavanco, ligando a lanterna pra ver o que era. As duas asas bem lapidadas e os contornos retos estavam visíveis, embora o desenho estivesse sujo de sangue do cara.
"Era um Vagalume" Disse. Olhou para frente e viu que Tommy segurava um pingente idêntico entre as mãos.
"Esse também" Jogou o colar para o irmão. "Eles estão se aproximando".
Antes mesmo que os dois dessem a volta, uma voz desesperada começou a sair do rádio de Tommy. Eles ouviram os estalos abafados de tiros ao longe, seguidos por barulhos de explosões. Tommy tirou o rádio do casaco e a voz de Maria começou a ficar mais clara.
"A cidade está sob ataque!" Ela dizia repetidamente, entre o barulho nítido dos tiros que eles ouviam ao longe.
"Ellie!" Joel gritou, correndo para o portão.
