Voltando a viver

Por Priscila Marvolo

Era estranho dizer adeus àquela simpática cidadezinha litorânea. Essa era a mais pura verdade, embora eu mesmo não quisesse aceitá-la. Posso dizer que inegavelmente eu passei bons momentos aqui. Nunca pensei que ser ligado a colégio, e participar de suas hierarquias poderia ser tão divertido. Pelo menos estando próximo do topo dela.

E também o fato de ter outras pessoas para fazerem o meu serviço de mediação não deixava de ser um atrativo a mais.

Ah! Devo me apresentar, que rude. Meu nome é Paul Slater, e eu sou um deslocador. Eu posso viajar pelas dimensões, além de ver mortos. Mas nas palavras de Suze, outra mediadora, nós não passamos de mediadores metidos a besta. Mas eu acho que quando ela falou isso, ela estava mais se referindo a mim do que a ela. E de forma alguma eu a culpo, eu fui bastante obtuso com relação a ela.

Quando notei que ela era iguala mim, em termos de dom, eu achei que ela deveria ser minha. E eu fiz de tudo para ficar com ela, o que acabou não sendo tão sábio ou bonito. É, definitivamente muito bonito, mas eu estava um pouco obcecado então dê-me uma desconto.

Hum... Sim, talvez eu estivesse muito obcecado. Talvez.

Mas acabou não dando certo, e tudo o que eu fiz foi terminar de unir ela com o outro cara. Outro cara que para inicio de conversa, nem era um cara, e sim um defunto, mas fazer o que? Quem um dia dirá que entende completamente as mulheres?

Mas sabe? Foi melhor assim, os dois se gostam, até eu reconheço. Eu nunca gostei dela assim. Alias, para falar a verdade eu nunca gostei dela. Eu só estava obcecado nela. Eu achava que ela era o certo para mim, e esqueci que nunca senti nada por ela. Embora ela seja uma garota muito charmosa e com bastante estilo, eu nunca fui realmente apaixonado por ela. Nem por ninguém. Mas eu queria, não, eu precisava de companhia, e achava que só ela servia. fazer o que? Eu estava sendo obtuso, como já disse.

Hoje em dia ela é uma amiga, e até o Jesse é, embora a gente se trate de uma forma meio rude, acho que algum laço ficou entre nós. Algo como o fato d'eu não ter feito o que eu fiz, nunca possibilitaria que eles ficassem juntos.

Mas chega, eu não estou aqui para falar sobre a Suze e Jesselândia.

Sabe, a verdade é que eu sempre soube que era diferente, e sempre me mantive afastado de todos, até do único que poderia me ajudar, meu avô, já que ele também é um deslocador. Mas ele tinha sido considerado louco pelo meu pai, e eu não queria me misturar com loucos, me achava especial, e fui colhendo informações solitariamente. E crescendo solitariamente.

Posso garantir que não foi muito divertido, mas não foi de todo ruim, porque além de um dom incomum, o criador me deu alguns outros diferenciais. O meu porte físico, o meu charme e a minha inteligência sempre me abriram as portas que eu queria.

E isso me faz voltar ao ponto de partida. Ou alias, o ponto onde eu darei a partida. Ponho a chave na ignição, dou uma última olhada na casa que foi meu lar por quase 2 anos, sorrio de leve para a janela do quarto de meu avô e arranco com minha BMW conversível.

Passo por todo o trânsito caótico de Carmel. Quando passo na frente da Academia Junipero, lembro-me novamente de tudo o que eu vivi ali, e algo como saudade me vem no peito. Mas pensando bem, não era como se eu nunca mais fosse voltar, então não preciso ter saudades. Eu moraria a poucos quilômetros daqui. Eu posso muito bem ser o presidente do clube de tênis na faculdade também, oras.

Perto da saída da cidade, eu entro no posto para completar o tanque antes de começar a viagem. Meu olhar se depara com uma figura loira radiante, que também estava ali abastecendo, só que diferente de mim, que estava inteiramente vestido com uma camisa pólo, calças macias e sapatos Gucci, Kelly estava de biquíni rosa, uma mini saia provocante, uma bonito chapéu e um sorriso falso nos lábios.

- Então quer dizer que você vai embora mesmo, Paul? - ela fala tentando fazer manha. Tão fútil, mas ao mesmo tempo tão linda e tentadora. Além de boa de cama.

- É, Kel. É uma proposta boa demais para se jogar fora. - saio do carro rapidamente e começo a abastecer. Ela pelo visto já acabou e vem em direção a mim, andando com aquele rebolado completamente desnecessário.

- E eu não mereço nem um beijinho de despedida? - ela faz uma cara pidona, enquanto cruza os braços abaixo do peito, fazendo eles parecem ainda maiores.

Sorte minha, era que eu já tinha anticorpos contra Kelly Prescott. Caminhei dois passos até ela e dei uma beijinho estalado na bochecha dela. Coisa que foi bem sábia, por se eu tivesse optado por um local a uns 4 centímetros da onde eu a tinha beijado, o grande namorado dela teria visto e eu não queria mais uma surra.

Porque além dos melhores anos, Carmel me rendeu as maiores surras. Não que eu tenha algum orgulho quanto a isso.

- Hey, Slater. Você já teve sua dose de Kelly, deixe os outros aproveitarem também. - Brad Ackherman falou caminhando até ela e enlaçando ela pela cintura. Eu ainda me perguntava como Kelly conseguia conviver com alguém do tipo dele. sabe? Do tipo acéfalo.

- Relaxa, Brad. Pode ficar sossegado que eu estou saindo da cidade. - dei um sorriso e um aceno e segui para o posto pagar a gasolina. Pensando bem, pior do que Kelly, era Suze conviver diariamente com aquele porco. Tinha agora uma sincera pena dela.

Quando sai da lojinha suja, os dois já tinham saído. Tanto melhor para mim. Entrei no carro e segui pela estrada. A viagem não seria longa. E eu trataria de deixá-la bem mais curta, pensei enquanto afundava meu pé no acelerador e ligava o som no último volume.

Eu tinha uma sensação estranha, de como se eu tivesse entrando em uma coisa nova. Naquela hora, quando eu ainda não sabia de nada, eu achava sinceramente que era porque eu estava indo para a faculdade, e começando uma nova fase de minha vida. Por Deus, como eu estava enganado. Mas a música tamborilava nos meus ouvidos e o som me aquecia fracamente, não tinha porque eu pensar que alguma coisa daria errado.