n/a: Primeiramente agradeço à Uhura por ter atendido a esse meu pedido de aniversário [valeu, guria ^^] de retomarmos esse projeto antigo e inacabado de fanfic, num formato diferente do que o usado habitualmente. Trata-se de uma mesma história escrita sob dois pontos de vista diferentes, sendo que ambas podem ser lidas separada ou simultaneamente, isso fica a cargo de você, querido leitor. A gêmea dessa história, contada através das palavras de McGonagall , vc encontrará no perfil da Uhura ou colando "/s/8718659/1/O-Gato-e-a-Fênix" no final do nome do site.

Espero que gostem e comentem. Um grande abraço e boa leitura.


A Fênix e o Gato

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Sinto-me exausto. Os músculos parecem ranger enquanto saio rodopiando da lareira, tensos do trabalho no Ministério, queixosos do trabalho da escola que ainda está por vir. Como se eu precisasse de mais essa lembrança do quanto estou velho. Largo-me então na cadeira e suspiro perante uma enorme pilha de pergaminhos a serem lidos, assinados ou respondidos. Talvez tenha de virar a noite. Bom Merlin, estou certo de que se multiplicaram na minha ausência! Um deles em especial chama minha atenção. Uma carta de letra por demais conhecida e escrita em tinta verde esmeralda, a qual eu abro instintivamente, imediatamente, cuidadosamente.

"Meu caro, devo-lhe desculpas por minha saída repentina ontem. De nenhum modo intencionava lhe deixar falando sozinho. Perdi a conexão lareira-a-lareira, e, como acabasse meu flu, não mais pude entrar em contato. Sinto muito. Dado o adiantado da hora, achei melhor deixar para escrever hoje. Bem, mas nos veremos mais tarde, suponho, então... deixarei todos os assuntos para que os tratemos pessoalmente, o que sempre é mais confortável que através de uma lareira, e, é claro, mais produtivo que através de corujas. Ademais, torço para que nos sobre algum tempo para uma partida de xadrez, há semanas não sentamos para jogar. Sinto falta da oportunidade de ver seu rei tombando. Não está evitando isso deliberadamente, está, professor Dumbledore?
Minerva"

Lanço um relance ao monte de pergaminhos sobre a mesa e se não soubesse, poderia jurar que cresceu enquanto estava desatento. Então me recordo de sua voz sonolenta noite passada, e do como seu cabelo estava preso numa trança em lugar do coque costumeiro, a perder-se de vista entre as chamas, a pequena fatia do colo que o roupão fechado deixava escapar num ângulo tão adorável devido à posição em que se apoiava no chão... E penso que posso muito bem arrumar um tempinho pra uma partida de xadrez. Não sou de ferro, afinal. Também mereço algum lazer nessa vida.

Escrevo-lhe de volta, rapidamente, aceitando entusiasmadamente seu convite. Envio o bilhete pelo leal Jarvis, a coruja do castelo a que costumo confiar minha correspondência quando Fawkes se sente arrogante demais para fazê-lo, então me encho de coragem e me lanço ao trabalho.

Cuido dos orçamentos, dos memorandos do conselho diretor, nego mais um pedido de aumento de Horace e ainda respondo algumas das eternas reclamações dos pais antes que Jarvis retorne com a resposta. Já estou ficando inquieto quando a velha ave pousa ao lado de meu braço e me dá uma bicadinha muito cordata no dorso da mão e, ao mesmo tempo que me estende a pata com a carta, espicha a cabeça à procura de um afago de aprovação.

Minha mão segue acariciando distraidamente as penas desse animalzinho tão útil e obediente, enquanto os olhos percorrem as linhas de uma caligrafia tão familiar que é quase como se eu pudesse escutar sua voz a dizer-me todas essas coisas com seu inconfundível sotaque escocês.

"Ora, jamais me importuna e bem o sabe, Albus.
Fudge, como sempre, empurrando-lhe mais problemas! Eu sinceramente não sei por que ainda me surpreendo. Como também não posso entender o motivo de você sobrecarregar a si próprio se dispondo a ele desse modo. Não é seu trabalho nem sua responsabilidade. Deixe-me lhe dizer, embora você já saiba, que a mim ultraja pensar em quão atrevido e aproveitador é este homem. Se não pode tomar duas ou três decisões por conta própria, talvez simplesmente não tenha a competência necessária para exercer o cargo. Já pensou nisso? Quanto ao seu rei, sinto, mas eu duvido muitíssimo que algo possa ser feito por ele, já que nem mesmo estes seus tão lisonjeiros elogios puderam amolecer meu coração desejoso de vitória.
Nos vemos logo mais.
Minerva"

Suas censuras por eu ser muito compassivo com Cornelius fazem-me sorrir, tanto quanto suas provocações sobre o jogo. Quem mais ousaria fazê-lo a mim? Respondo-a imediata e alegremente, reafirmando meu entusiasmo por nossa partida desta noite, e isso me renova o ânimo de terminar logo meus afazeres e me ver livre pra aproveitar um pouco de sua companhia.

Demora bastante, mas ainda assim menos do que eu havia previsto.

Uma ou duas estrelas já apontam no céu, a despeito do sol ainda um pouquinho visível no horizonte, enquanto me deixo ficar um pouco parado junto à janela, vendo minha última coruja do dia se afastar até tornar-se um pontinho sumindo por detrás das colinas. Há uma certa felicidade pelo dever cumprido tomando conta de mim enquanto volto cantarolando para a escrivaninha, dessa vez para pegar minha própria correspondência mais recente e tomar assento em frente da lareira. Uma última lida rápida e as atiro ao fogo. Cada uma delas ficaria infinitamente mais segura apenas na minha memória e nas cinzas do que se as guardasse... E, ainda assim, não consigo queimar todas.

Há aquelas com algum significado especifico e/ou de pessoas queridas, como essas pelas quais corro os olhos novamente com um pouco mais de calma antes de guardá-las no bolso. Entre meus pertences há uma caixa expandida magicamente somente para esse fim, que por sinal já está ficando pequena.

No mesmo bolso encontro uma bala de limão, que sem nem mesmo me dar conta desembrulho e atiro na boca, ainda cantarolando. Não me dou ao trabalho de apanhar um livro ou qualquer outra coisa para fazer, apenas me permito recostar confortavelmente na poltrona, apoiar os cotovelos e juntar os dedos para deixar o pensamento correr solto. Também não é necessário consultar o relógio, pois há qualquer coisa dentro de mim que aprendeu a marcar as horas pelos sons distantes que vem do resto do castelo e a luz que se projeta pelo meu gabinete. Não traz a mesma exatidão, mas já me é um segundo instinto.

Então vem o som arrastado de pedra desgastada contra pedra desgastada anunciando a chegada de alguém, seguido do quase imperceptível arranhar das escadas giratórias na parede rivalizando com os discretos cochichos de alguns de meus antecessores nos quadros a minha volta. Como se eu já não soubesse, as duas batidas firmes na madeiras da porta confirmaram qualquer dúvida que pudesse haver quanto à identidade de minha visitante. Por um instante penso em levantar-me e ir abrir a porta para recebê-la, mas com certa autocensura convenço-me de que não é necessário.

– Entre, minha cara.

A porta se abre e ela entra num movimento gracioso.

Há quem pense que a elegância reside em cercar-se de riqueza ou usar de algum tipo de artifício para sobressair-se, mas posso afirmar que o caso é exatamente o contrário. É na simplicidade que a real beleza se destaca. E Minerva é assim, a única pessoa que conheço que pode continuar deslumbrante mesmo trajando vestes em tartan e cardos no chapéu.

Mas hoje está mais como de costume, aquele verde profundo capaz de igualar seus olhos ao absinto, em cor e capacidade de embriagar. Lança-os a sua volta até encontrar-me e eu não consigo me impedir de sorrir. Ela me retribui e se aproxima, sem ao menos me dar tempo de recuperar o fôlego. Penso em cumprimentá-la e dizer o quanto está bonita, mas me detenho tentando encontrar um elogio suficiente e pouco incriminatório, e essa ação acaba por me retardar até que o momento de falar passou e ela já tomou para si a tarefa de iniciar a conversa.

– Tarde produtiva?

– Moderadamente.

Os óculos escorregam enquanto se senta, mas ela os endireita tão rapidamente que mal tenho tempo de vislumbrar seus cílios longos e encurvados. Ajeita-se na poltrona e põe-se a me olhar como se esperasse que eu fizesse ou dissesse algo, mas não consigo pensar em nada. Sinto-me ligeiramente desconcertado, mas nem mesmo sei o motivo disso.

No entanto, ela parece contente, então suponho que deve ter passado todo o dia sobrecarregada de trabalho. É fato pouco conhecido que nada a aborrece mais do que o ócio, salvo, é claro, a injustiça.

– Eu mesma estou, admito, um tanto cansada. Tive, há não muito, dois horários seguidos com o terceiro ano, Grifinória e Sonserina. Estavam terrivelmente agitados hoje. Compreendo a ansiedade, no entanto, já que amanhã farão sua primeira visita a Hogsmeade. Mesmo assim... gostaria de os ter pego mais calmos, há ainda muito conteúdo a ser visto. Estou bem mais adiantada com o terceiro Lufa-Lufa e Corvinal.

Vou anuindo enquanto ouço, levanto-me e caminho até a mesinha no canto para abrir uma nova garrafa de licor, que comprei faz pouco tempo. É de cereja e estou bastante interessando em saber qual será sua reação ao sabor. Enquanto sirvo a primeira taça, sigo falando:

– Ah, sim, Hogsmeade. Admito que mal dei pela semana passando. – Uma constatação súbita e desagradável me acomete e baixo o olhar para o que estou fazendo, de modo disfarçar minha falta de coragem para olhá-la agora. – Imagino que também estará presente para cuidar deles, e que provavelmente também já tem companhia para a ocasião.

Minha aversão tem nome e sobrenome, e de amigo e pretendente incansável, com o passar dos anos ele vem tornando sua presença cada vez mais irritantemente constante. Mas não tenho direito algum de intrometer-me, muito menos me queixar, então tento controlar meu desagrado e volto a encará-la com o olhar interrogativo, garrafa na mão e esperando que me diga se aceita ou não sua dose de licor.

Tem o pensamento longe e isso é perturbador. Droga, Urquart, não devia tê-lo mencionado! E se o fiz foi porque realmente queria saber o que estava havendo, mas é uma esperança vã tentar arrancar algo da discrição em pessoa. Poderia ao menos apaziguar-me momentaneamente com uma negativa ou então terminar de vez com essa tortura a ir até a estocada final de uma confirmação, no entanto ela nem sequer pareceu notar o motivo real de meu interesse. Ou talvez não tenha se importado o bastante para responder-me de imediato.

Apenas aceita a bebida sem dar-me muita atenção, o mais ligeiro sorriso à guisa de agradecimento. Ainda pensativa, e não sei se isso é bom sinal.

– Obrigada – Toma um gole pequeno, moderado como é tudo o que ela faz. Não se detém muito no gesto, pois que a despeito de sua origem escocesa não aprecia muito o álcool.

Escolhido deliberadamente para uma ocasião como esta, este licor é especialmente suave e doce, como o recheio de um bombom. Do cheiro marcante ao sabor encorpado, assim como o calor, a sede e o delicado torpor que me causa aos sentidos, em tudo faz lembrar-me dela. Ah, e fica uma delícia com sorvete de flocos.

Hey, como será que Minerva...?

Contenha-se, homem! Agora não, ela ainda está olhando.

– Hm, amora? – Um rubor muito suave imediatamente subindo para as bochechas, o sotaque um tantinho mais evidente. Perfeito. Exatamente o efeito que eu esperava.

Bebo também um pouco, certo de partilhar com ela a mesma sensação se espalhando garganta abaixo. Involuntariamente acabo por olhar para sua boca, os lábios finos crescendo num sorriso de apreciação. É ali que eu gostaria de prová-lo, não na taça.

– Cereja – corrijo, sem querer deixando escapar um suspiro. Sem bem que amora também não é nada mal... Mas fica para outra ocasião.

– Pretendo passar a tarde em Hogsmeade, a ficar de olho em meus grifinórios, você está certo. No entanto, não, não tenho nada marcado... ao menos por enquanto. E os seus planos para amanhã, como estão?

Parece bobagem, mas por um momento pareceu-me a oportunidade perfeita de fazer-lhe um convite. E, pensando bem, qual o problema se fosse? O que de pior eu posso receber além de um não?

– Confesso que ainda não tenho nenhum. Mas adoraria pensar em algo, desde que pudesse contar com sua companhia.

O que estou fazendo? Sim, já a chamei inúmeras vezes para tomar chá, jogar xadrez ou mesmo um passeio em torno do lago. Também já pedi que me acompanhasse em várias situações, até mesmo tomando-a pelo braço. Só que normalmente é algo mais espontâneo, como um "apareça se lhe for conveniente". Completamente diferente. Não assim, premeditado, com ares de encontro. Eu não sei se consigo simplesmente dizer... Ah, vamos lá antes que eu perca a coragem:

– Gostaria de jantar comigo?

Não me responde imediatamente, antes pondera um pouco. O que poderia haver de pior? Uma negativa já seria o esperado, até o lógico, mas a esperança de um sim é o que me tortura e me acalenta. Uma pequenina possibilidade, a menor das chances, qualquer sinal que me diga pra seguir em frente é tudo o que posso pedir.

– Eu adoraria – anuncia, enfim, baixando a taça sobre a mesinha de centro, e também um peso enorme de meu peito.