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_Vossa Alteza, está na hora.

O sol recém-nascido tinha um brilho suave e revigorante, criando no gramado um espetáculo de orvalho cintilante. Os pássaros cantavam seu lindo coral que nunca precisava ser ensaiado, anunciando o que parecia ser uma indiscutível manhã perfeita.

Entretanto, ele ainda estava dormindo, completamente alheio a toda beleza que existia lá fora.

_Mestre Lucius, precisa levantar ou vai se atrasar -o valete resmungou entre dentes sua segunda tentativa de tirar o príncipe da cama.

O rapaz grunhiu e, puxando o lençol acima da cabeça, virou-se violentamente para o outro lado:

_Deixe-me dormir.

_Mestre, o senhor tem uma agenda a cumprir. -o valete insistiu, embora não ousasse tocar em Lucius. -O que o rei irá pensar?

_O que ele sempre pensa, Jacques… -sonolento e aborrecido, Lucius argumentou, e embora tivesse os olhos fechados, aquela percepção que expressara expulsou o sono de sua mente.

Depois de passado um momento, a porta cerrou e o quarto mergulhou no silêncio.

Lucius soltou um suspiro pesado, enfim permitindo-se externar sua mágoa e o desânimo resultante. Virou no colchão e ficou de barriga para cima, encarando o teto na penumbra. Não seria um treino a mais ou a menos que mudaria a opinião de seu pai sobre si.

Há quantos anos ele vinha mendigando a atenção do pai? Todas as tentativas terminavam sempre frustradas, jamais estaria em pé de igualdade com seu irmão, que para ele não passava de uma sombra distante.

De repente, a porta abriu de uma vez, causando nele um sobressalto tão grande que ele quicou na cama.

_Bom-dia, Alteza! -e a voz que brandiu no ar então não tinha nada comparável ao timbre manso e monótono de Jacques.

Lucius, sentado no colchão, acompanhou a entrada da moça com ultraje:

_Ane! O que você está fazendo aqui?

_Jacques disse que você precisava de uma ajudinha para sair das cobertas… -e avançando para o interior do quarto com passos longos e confiantes, ela aproximou-se das janelas e começou a abrir as cortinas. -Também, pudera… está tão escuro aqui dentro… um pouco de luz do sol vai te animar!

_Ane! -Lucius deitou pesadamente e enfiou a cabeça debaixo dos travesseiros. -Me deixa em paz! Eu não quero treinar!

Depois de correr todas as cortinas, Ane parou no meio do caminho até a cama do amigo e cingiu os quadris com suas mãos:

_Oras… mas vai passar o dia todo na cama?

_Não é uma má ideia.

A resposta azeda não impressionou Ane, que bufando soprou a franja para longe de seu rosto.

_Vamos lá, Lucius, a gente sempre se diverte tanto praticando o duelo de espadas… -do outro lado do travesseiro, Lucius escutava as botas dela tocando o chão, vindo em sua direção. Sentiu que ela sentou na beirada da cama, ao seu lado.

Ane encarava a silhueta dele com brandura, um sorrisinho se desfazendo no rostinho sardento. Não era a primeira vez que precisava motivar o príncipe. Ele não admitia, mas contava muito com o apoio dela, e mesmo que de forma mimada, Lucius não tinha vergonha de aparentar dependente de Ane.

O relacionamento que tinham deviam à Relena. Ao se tornar protegida da rainha, ela recebeu Akane como sua companhia, já que não havia mais crianças no castelo, com exceção do Príncipe Real. O convívio dos três entre obrigações e diversões se transformou em uma amizade verdadeira, a única que lhes era permitida, já que viviam reclusos todo o tempo no palácio.

_Não entendo porque tenho que treinar tanto se nunca serei tão bom quanto ele…

_E por que precisa ser bom como ele? Você pode ser bom como você.

_Isso não é o bastante.

_Bem, para mim, é.

_Que disparate, Ane! -Lucius saiu debaixo de seu esconderijo com tanta brusquidão que atirou os travesseiros no chão.

Sem se assustar com a tempestuosidade dele, ela apenas riu.

Não era uma risada escarninha, mas era do tipo espontâneo e encantador, a primeira música que ele se lembrava de ter ouvido. Ficava ainda melhor quando ela e Relena riam juntas, mas poder escutar Ane rindo assim para ele sempre lhe dava uma satisfação arrogante, já que desfrutava daquele som com exclusividade, exatamente como se estivesse espiando um tesouro secreto que trancara em uma arca.

_Lucius, você já parou para pensar que está se comparando com alguém que nem sabe como é?

_Mas eu sei como ele é… eu me lembro bem… -na verdade, se lembrava bem do brilho de orgulho nos olhos do pai quando voltados para o irmão. Agora, do próprio irmão, conhecia só o que sua mãe havia explicado.

Akane meneou a cabeça. Ela sabia que estava certa, mas não iria insistir. Algumas coisas se aprendem do jeito mais difícil…

_Se você diz… -e quando falava assim, não enganava ninguém. Sua concordância vazia servia só para aplacar a disputa momentaneamente e nem de longe significava conformação, pelo contrário, era um ato de rebelião.

Lucius sabia bem:

_Você sabe que eu poderia mandar castigá-la por tanta ousadia, não é, Lady Ane?

Ela deu de ombros, sem desfazer a leveza de suas feições marotas.

Lucius estreitou os olhos, as sobrancelhas franzidas faziam um contraste interessante com o sorriso que se esboçava em seus lábios.

_Não precisamos treinar hoje. -e ela apresentou por sua vez, numa mudança brusca de assunto.

Ele sabia que aquela cabecinha linda estava maquinando algo.

_Um verdadeiro príncipe precisa de muito mais do que destreza com a espada… precisa de atos de bravura!

Pensando nas novelas de cavalaria que vez por outra a rainha lia para eles, o que Ane apresentara fazia muito sentido.

_Vou me vestir. -ele concluiu, seu olhar se aguçando, o verde da íris ainda mais intenso. Pulou para fora da cama, com a pressa de quem tem um mundo para salvar.

Voltou trajando suas roupas práticas de exercício, o cabelo acaju bem penteado, preso para trás. Ane comia uma uva que roubara da bandeja que Jacques trouxera no meio-tempo, pacientemente aguardando o rapaz, planejando a aventura do dia.

_E então, Ane, o que vamos fazer? -ele pediu, com um bigode de leite.

_O primeiro feito heróico em sua lista deve ser salvar uma donzela em perigo!

_Vamos atrás de Relena… -ele apanhou o pão branco da baixela, quebrou em dois e deu uma mordida enquanto rumava para a porta, apontando a direção com um dos pedaços, falando de boca cheia.

Ane beliscou o queijo e correu alcançá-lo.

Primeiro foram até os jardins. Normalmente ela gostava de sentar debaixo das árvores para ler. Entretanto, não a acharam em parte alguma. A próxima etapa lógica era o quarto da amiga.

_Não, Carena, esse é muito simples. -a rainha estava sentada em uma banqueta enquanto a empregada ia tirando vestidos de dentro de um baú.

Relena estava em pé, recebendo as peças de Carena e, segurando-as na frente de seu corpo, mostrava para a rainha o resultado.

_Não, esse também não vamos levar. -Amanda tinha uma expressão intransigente no rosto, feito tomasse decisões capitais.

_O que está acontecendo aqui? -Lucius estacou no umbral, desestabilizado pelo estado caótico do quarto. Havia pilhas de roupas na cama e vários baús abertos espalhados pelo assoalho.

_Estamos fazendo as malas, Alteza… -Carena reverenciou e informou, branda.

_Eu vou levar Relena comigo a Selenea.

_Meu primeiro evento oficial! -Relena radiava ao mencionar, sorrindo ao mesmo tempo que mordia o lábio inferior, empolgação sendo um eufemismo em seu caso.

Lucius, ao contrário do comum, não empalidecia, mas corava sempre que recebia uma notícia aflitiva:

_Por que ninguém falou sobre isso antes?

_Tínhamos de esperar a confirmação de sua tia.

_E eu não posso ir?

_Lucius, a Saudação a Lua é uma cerimônia só para mulheres. -Akane sussurrou pelo canto da boca. Amanda riu carinhosamente da situação, mas logo voltou a rejeitar vestidos.

_Ah é… -ele fez um bico frustrado, cruzando os braços.

Relena suspirou, sacudindo os ombros. Tinha ficado tão maravilhada com a possibilidade de ir a celebração que esqueceu de como Lucius ia se entristecer com aquela partida repentina.

_Serão só quatro dias, nem vai ter tempo de sentir minha falta… -Relena avisou, seu sorriso meigo influenciando a doçura de seu consolo. Ele assentiu a contragosto, os olhos parando na ponta de seus sapatos.

_Estamos em sérios apuros… -Amanda, que continuava com a organização da bagagem, desabafou com Carena.

_Majestade… -angustiada, a empregada olhou todos os vestidos que a rainha tinha excluído.

_Não temos nada apropriado para Relena vestir na noite do banquete e tampouco há tempo hábil para encomendarmos um…

_Mas senhora, são todos muito lindos.

_Você não entende, Relena… esta ocasião será seu debute. Ninguém irá se esquecer de sua primeira aparição e é imprescindível que cause uma excelente impressão caso queira ser uma rainha respeitada.

Relena perdeu seu brilho instantaneamente ao pensar na gravidade da situação:

_Não é possível… -e reclamou, desagradada com superficialidade dos critérios com que era julgava. Entretanto, não havia nada a ser feito a não ser conformar-se. Assim, suspirou e sentou-se na arca aos pés da cama, desanimada.

Ane e Lucius trocaram um olhar e foi quando ele lembrou-se de sua missão ali.

_Tem certeza que já procuraram em todos os lugares? -saiu caminhando pelo apartamento, a postura marcial fazendo-o aparentar mais do que seus quinze anos. O modo como ele passou tudo em minuciosa revista provava que ele herdara bem mais do pai que sua aparência. Parou em frente a um armário e o abriu com intrepidez, percebendo um embrulho esquecido no fundo. Abaixou e tirou o pacote de tecido vermelho. -Hey, o que é isso?

_Ah, a minha fantasia de fada do último baile… -Relena saiu de seu lugar para ir ver o traje mais de perto. Lucius o desenrolou com cuidado e segurou-o pelos ombros.

_Sim, este será perfeito! Retirando as asas e a sobressaia teremos um vestido novo! -Carena se adiantou, reconhecendo o potencial do modelito.

_Meu herói! -Relena comemorou e plantou um beijinho na bochecha dele.

Por um instantinho, ele ficou sem graça, mas depois olhou ao redor, sorrindo altivo.

Sua primeira realização cavalheiresca tinha sido bem-sucedida.

Deixando as três resolvendo as alterações da veste, Ane e Lucius metaforicamente cavalgaram em direção do sol-poente:

_Muito bem! Conseguiu! -Ane alardeou, mostrando a mão aberta para ele, convidando-o para um high five. Ele estudou o gesto dela com intriga, mas depois aceitou completar o cumprimento.

Em seguida, ela o puxou e abraçou pelo ombro. Caminharam assim por algum tempo, ele passou o braço pelo ombro dela também, sem conseguir ver maldade naquela familiaridade deles. Sorriam ao descer pelo corredor, sem pensar em nada importante.

De repente, Ane freou:

_Ah, completamos o primeiro item da sua busca! Precisamos partir para o próximo! -e desvencilhando-se do abraço dele, jogou os cabelos e colocou-se em uma pose meditativa.

_Talvez encontrar algum tesouro?

_Sim… ah! Vamos roubar o tesouro de uma fera temida!

_Ane, onde vamos achar um dragão? Eu nem tenho certeza se eles existem…

_Dragão não… seu pai.

_O quê? Você é louca?

_Eu achei que isto já tinha sido acertado…

Lucius costumava achar graça nas coisas que ela falava, mas dessa vez não apreciou a piada. Nem a ideia. Não enxergava proveito nenhum em ir até o pai realizar a façanha que fosse… sabia que no fim, só receberia mais humilhação.

Ane estava preparada para a reação dele. Mas desde o princípio este tinha sido seu estranho objetivo - pôr Lucius e o pai cara a cara. Seria bom se Heero também pudesse participar, mas quem sabia quando afinal esses irmãos se encontrariam? Por enquanto usaria o que tinha a mão para se aproximar da solução do problema.

_Eu digo para irmos até o gabinete de seu pai e escondermos a pluma de ouro que ele usa para assinar os documentos.

_O que você está tentando fazer? Quer me ver deserdado?

_Lucius, não seja dramático… você por acaso está com medo?

_Claro que não. Mas isso o que você está propondo é uma criancice, nós já passamos dessa idade.

_Eu não contei todo meu plano…

_Hã? Tem mais?

Zechs apontou no final do corredor e os dois se calaram de sopetão.

_Olá, Zechs! Bom-dia! -Ane já foi logo cumprimentando para disfarçar. Abriu um grande sorriso charmoso e colocou as mãos para trás. Lucius observou a atitude dela e depois mudou a vista para o jovem escudeiro, que veio respondendo:

_Bom-dia, Vossa Alteza, milady. -e sua expressão bem-humorada revelava uma desconfiança divertida. -Não foram treinar hoje? Fiquei esperando-os para assistir… -Zechs parou diante deles então para escutar a resposta. Não se preocupou em fazer reverências ou tomou cuidado demais com o modo de falar. Por ser irmão de Relena, também tinha seu grau de intimidade com o príncipe.

_Não, hoje não… -Lucius murmurou, encarando o rapaz com certa censura, além da contrariedade que já estava sentindo.

Zechs não estranhava a pequena animosidade do príncipe, visto que normalmente Lucius direcionava para ele alguns olhares tortos e soberbos. Porém, dessa vez havia algo de bastante suspeito nos modos dos dois. Analisou-os bem para ver se conseguia descobrir o que era, mas não via nada de mais no sorriso espevitado de Ane ou na feição desgostosa de Lucius. Resolveu assim que não iria interferir:

_Muito bem, juízo vocês, hein?

_Você tem certeza de que sabe com quem está falando? -e Ane provocou, buliçosa, colocando as mãos na cintura então, obrigando Zechs a rir. Depois, ele acenou e prosseguiu seu caminho.

_Pára com isso, Ane! -Lucius repreendeu em um rosnado.

Ela jogou a cabeça para o lado, estranhando:

_Isso o quê?

_Toda vez que vê ele, você fica assim… -encruzou os braços, acertando-a com seu fito implacável de condena.

_Assim como? Oras… -e riu, confusa.

Ele não acreditava que ela não sabia sobre o que ele estava falando e isso o deixou duplamente mais irritado:

_Ah, deixa para lá. -e bufando, começou a andar, parecendo que iria deixá-la para trás.

Ane gargalhou e correu até ele depois de um instantinho:

_Como eu estava dizendo… -e enganchou-se nele, proibindo-o de ficar bravo com ela.

_Você dá esses tipos de ideias suicidas para a Lena também? -Lucius quis confirmar, monotóno.

_Apenas escute, está bem? Nós vamos roubar a pena e depois você vai devolvê-la para o rei e ele vai ficar bastante contente, daquele jeito dele…

Lucius foi quem brecou dessa vez. Apesar da lógica corrompida dela, podia enxergar o benefício da aventura que ela propunha. Ainda assim, continuava sendo arriscado demais. Qualquer coisa que saísse errado naquela operação poderia destruir de vez suas chances de impressionar o pai e provar seu valor.

_Então…? -ela o pressionou com um ronrono. Ela estava ciente de que havia muitos prós e contras a pesar. Assim, esperou o que julgou tempo o suficiente para a mente dele seguir o caminho que demarcara.

Com um suspiro de quem ia se arrepender do que fazia, Lucius enfim decidiu:

_Vamos lá. -na teoria, todas as ideias são boas, mas para prová-las, era preciso praticá-las.

Sempre que estava trabalhando sozinho em seu gabinete, o rei Dante mantinha a porta aberta. Isso não significava, entretanto, uma demonstração de acessibilidade. Ele sempre estava ocupado, assim era óbvio que para dirigir-se a ele sempre haveria a necessidade de interrompê-lo.

Ele deixava a porta aberta para que todos pudessem ver sua diligência e manter sua reputação intacta e também para estar a par da movimentação do palácio.

Lucius e Akane espiaram sorrateiramente e o viram trabalhando lá dentro. Então se esconderam junto a um conjunto de armadura que pertenceu ao bisavô do príncipe para definir o plano.

_A pluma fica no estojo na segunda gaveta da escrivaninha. Precisamos tirar o rei de dentro da sala. -Lucius estabeleceu.

_Certo, o que vamos inventar?

_Mamãe está chamando-o?

_Então, nós vamos até lá e eu digo a ele que a rainha está chamando… então ele vai querer saber o porque. O rei sempre quer um porque.

Lucius sacudiu a cabeça, com dificuldade de pensar:

_Algum problema com a viagem, não sei, Ane, qualquer coisa…

_Tudo bem…

Os dois retornaram até a entrada do gabinete. Cerimonial, Lucius bateu na porta aberta e cumprimentou:

_Bom-dia, Vossa Majestade. -e baixando a cabeça, mostrou sua subordinação. Ao seu lado, Akane fez sua cortesia, puxando um pouco a saia longa.

Dante não ergueu os olhos de sua leitura, feito a chegada dos jovens não fosse relevante. O protocolo ditava que eles só poderiam voltar a falar com o rei se ele lhes dirigisse a palavra ou desse alguma permissão. Entretanto, uma exceção bem poderia ser aberta ao príncipe e por isso Akane lançou a Lucius um olhar de encorajamento.

_Senhor, a rainha pediu que viéssemos chamá-lo.

Erguendo o rosto, o rei tirou os óculos e os depositou em cima da mesa. Ainda assim, não falou nada, apenas fez com a mão um gesto para prosseguirem.

_Ela precisa do senhor, uma mensagem de Selenea acabou de chegar. -Akane se encarregou de explicar, cumprindo seu papel na farsa. Armou uma expressão tensa de urgência. Lucius entrou no mesmo espírito e assentiu com veemência.

Dante bufou, impaciente, nem um pouco convencido.

_É muito importante, senhor, a rainha está desesperada. -e Ane disse mais, franzindo a testa e fingindo apreensão mal contida.

O rei baixou uma sobrancelha, crítico e ponderativo, e enfim se levantou. Só esperava que não fossem más notícias.

_Por aqui, Majestade! -ela incentivou, expressando com o corpo a necessidade da pressa.

Lucius assistiu os dois se moverem até a saída e, assim que cruzaram a porta, ele avançou para trás da grande mesa de carvalho. Abriu a gavetinha da direita, contudo frustrou-se. Deste modo, ao abrir a gavetinha esquerda, logo encontrou o estojinho decorado de damasquinaria. Levantou a travinha para confirmar seu conteúdo e seus olhos se iluminaram com o reflexo do ouro da pluma.

Mal Akane tinha conduzido o rei poucos metros para longe da sala, o homem parou e resmungou:

_Preciso de meus óculos. -e no mesmo momento girou nos calcanhares, fazendo o caminho inverso.

_Majestade! -Ane não conseguiu dizer mais que isso.

_O que está acontecendo aqui? -o rugido de Dante fez as armaduras que ladeavam a passagem sacudirem um pouco.

Akane correu até a sala há tempo de ver Lucius devolver o estojo dentro da gaveta com descuido.

Dessa vez ele não corou, mas ficou tão branco quanto a camisa que usava. Seus olhos eletrificados dardejaram Akane, também em choque, parada atrás do rei, cobrindo a boca com as duas mãos.

_Quem te deu o direito, Lucius St-Pier Yuy?

_Eu… -o rapaz queria falar algo, mas mesmo que soubesse o quê, provavelmente não conseguiria.

A seguir, Dante virou-se para Akane:

_E o que dizer da senhorita, aceitando ser cúmplice dessa molecagem?

_Majestade, foi culpa… -Akane adiantou-se até o rei, querendo manter o foco de Dante todo sobre si, mas Lucius a interrompeu:

_Pai, foi culpa minha. Nós… não, eu estava apenas querendo fazer uma surpresa. Eu ia te devolver a pena intacta…

_Que tipo de brincadeira sem graça é essa, na qual tem de mexer em algo proibido? Que ideia vocês crianças têm! Isso é ridículo… quantas vezes mais, Lucius, você irá me causar apenas desgostos?

_Pai, eu peço desculpas. -e saindo de trás da mesa, Lucius mirou direto nos olhos do pai e declarou. Ainda não era isso o que achava dever dizer, mas depois do discurso de Dante, só podia pensar em admitir seu erro.

Akane sacudia a cabeça, inconformada com a atitude que vira o pai de Lucius tomar. Até mesmo para a severidade havia um limite:

_Meu senhor, por que precisa falar assim com o príncipe?

Apenas por dirigir-lhe um olhar austero e zangado, Dante a advertiu, assaz ofendido.

_Com todo o respeito, Majestade, ele apenas queria um pouco de sua atenção. -e apesar da audácia, era possível ver na postura da moça sua franqueza e sensatez. Sua intenção não era de desafio, mas de puro esclarecimento e a segurança e nobreza em seu modo de falar eram para o rei indícios de um bom caráter que não podiam ser ignorados.

_Ane! -e dessa vez foi Lucius quem a repreendeu.

Como ela podia falar assim com o rei? Não era para ser tão simples assim, tão fácil, chegar em seu pai e dizer a verdade, contar seus sentimentos, pedir a sua compreensão.

Por que ele não podia ser assim também? Por que ele tinha de deixar se afetar pela rigorosidade daquele homem?

O minuto seguinte foi lento e mudo.

Dante tirou a vista pesada e inflexível da menina e a transferiu ao filho. Era clara no rapaz a angústia de ter sido exposto.

Aquela era uma exigência que Dante nunca imaginou vir da parte do garoto. Lucius na verdade parecia muito mais preferir passar despercebido dele. Considerava isso até conveniente, visto todas as tarefas que precisava executar e seu tempo limitado para outros assuntos que não fossem os interesses do reino. Entretanto, se Lucius tivesse pedido antes, de uma forma mais apropriada, Dante bem poderia ter cedido uma ou duas horas de seu dia para um treino de espadas ou uma lição de Direito.

De qualquer modo, precisava ouvir aquilo da boca do rapaz:

_Isto é verdade?

Lucius respirou fundo e obrigou-se a expressar:

_Sim, pai. Eu gostaria que o senhor olhasse para mim pelo menos uma vez do mesmo modo que olhava para meu irmão mais velho.

Bufando, o rei encruzou os braços, concedendo:

_Que modo é esse a que se refere? Não é possível que se lembre.

_Eu me lembro, pai. O senhor… o senhor realmente tinha orgulho de Heero.

_E ainda tenho. Agora, devo dizer que me sinto insultado ao ver que você achou preciso executar tamanha proeza para chegar até a mim. De fato, isso só causa o efeito contrário do pretendido.

Lucius baixou a cabeça então. Não poderia dizer que não esperara por isso.

Ane estava ali, assistindo com atenção a troca e a escolha do rei pela palavra "proeza" despertou um sorriso felino nela, que conseguiu manter seu contentamento despercebido.

_De uma vez por todas, entenda que um filho deve obediência ao pai. Se realmente quer me causar orgulho, é só o que peço.

Lucius não devia ficar tão intrigado com aquela declaração, mas foi deveras a simplicidade nela que o confundiu. Assentiu, pensativo, e manteve-se calado.

_Agora, eis que dou ao príncipe uma oportunidade de me obedecer: durante uma semana, irá trabalhar nos estábulos. Esse será o seu castigo. E, quanto a lady, ficará o mesmo tempo servindo na lavanderia.

Resistindo em grunhir lamuriosos, os dois assentiram e olharam para baixo.

_Já me tomaram muito tempo por esta manhã. Tenho que voltar a trabalhar. Vocês não deveriam estar aqui. Vão se apresentar a suas novas funções.

E retomando seu lugar a mesa, o rei vestiu os óculos e acompanhou a marcha dos jovens porta afora.

_Obrigada por me defender, Lucius. -Akane segurou a mão dele e sorriu.

Ele devolveu o sorriso, ainda pensativo. De fato, tinha gostado mais desse desfecho. Sentia que algo tinha mudado, talvez não em relação a como o pai o considerava, mas a como ele próprio se enxergava. Estava aliviado por ter desabafado com Dante e, embora tenha tudo ocorrido de um jeito um tanto turbulento, se não fosse por Ane, talvez nunca tivesse a coragem necessária de enfrentar seu dragão.

Entrelaçou os dedos com os dela e rumaram para a lavanderia.

_Os bardos vão cantar baladas sobre esse dia. -e se enroscando no braço dele, Ane arrematou a peripécia. Não parecia em nada abalada pelos acontecimentos dos últimos minutos.

Risonho, Lucius sacudiu a cabeça. Ela não tinha jeito.


Boa-tarde!

Trago a vocês uma fic de uma fic, que tal?

A ideia para essa história é baseada na fanfic de AU Medieval de Gundam Wing, "The Brothers", um projeto em andamento da linda Lica, aqui no FFnet. Visitem o perfil dela para conhecer esse grande enredo, cheio de romance, ação e mistério! S2

As personagens Lucius e Amanda são criações da Lica.

A proposta para o enredo dessa história foi feita pela Jessica Yoko e juntas montamos as ideias para as duas cenas que formam essa fic.

Quero agradecer do fundo de coração a autora e a minha parceira por serem sempre tão boas para mim!

As personagens Akane, Dante, Dafne, Jacques e Carena são de minha autoria.

As personagens Relena, Zechs e Heero pertencem a Sunrise.

Dentro do mundo AU da Lica, eu acabei criando uma outra realidade, na qual tudo é praticamente a mesma coisa, mas Akane existe e Lucius acaba mudando seus sentimentos por Relena. Claro que, por causa dessa mudança de Lucius, todo o enredo do canon com certeza correria bem diferente aqui, já que muito em "The Brothers" original foi desencadeado pelo amor que Lucius sente por Relena.

Espero que estejam se divertindo. Podem ter certeza que eu me diverti muito escrevendo essa história!

Dedico ela a todas que amam o Lúcius! S2

Beijoes e abraços!