O pomo de prata
Jogos de quadribol são como duelos: apenas um pode vencer. Somente o melhor apanha o pomo e ganha a disputa. Mas o que é que estamos disputando mesmo? "(...) Ouça bem, James, porque eu só vou dizer isso uma vez: a única diferença entre um capricho e uma paixão eterna é que o capricho dura um pouco mais..."
Observação: essa fic tem um pequeno spoiler de DH: o fato de Regulus ser apanhador do time de Quadribol da Sonserina. Tive que inferir algumas coisas para que pudesse montar o enredo, tais como: a diferença de idade entre Regulus e James (que se assemelha àquela entre Regulus e Sirius), que determinei como um ano (já que temos a confirmação de que James nasceu em 1960 pela lápide de seu túmulo em DH); e o ano em que Regulus entrou no time da Sonserina, que determinei como sendo o seu quinto ano em Hogwarts, sexto ano de James. Portanto, essa fic se passa em 1977 (se James entrou em Hogwarts com exatos 11 anos, como se supõe que deva ter acontecido). E a fic é UA pelo mero detalhe de que a dona J.K. Rowling disse numa entrevista que o James era artilheiro, e não apanhador do time de quadribol. Na minha fic ele é apanhador, ok?
Capítulo 1: Um talento nato
O único som que ecoava pelo dormitório masculino da Grifinória naquela manhã era o do ressonar suave de quatro garotos. Talvez o de Peter Pettigrew não fosse tão suave: estava mais para um motor de caminhão trouxa, mas seus companheiros de quarto já estavam acostumados e pareciam não se incomodar.
A cama próxima à janela era cercada por uma cortina pesada, de veludo vermelho, entrecortada por um rasgo. Através dele, era possível divisar um jovem de cabelos muito negros e completamente bagunçados, espetados no alto da cabeça. Ele estava profundamente adormecido, os óculos que usava ainda pousados meio tortos sobre a face, a boca ligeiramente aberta. Os braços envolviam um livro de capa vermelha, com o título cintilando em letras douradas: "Quadribol Através dos Séculos". Era a única possibilidade de leitura que poderia interessá-lo. Logo acima de sua cama havia um pôster do Puddlemere United que mostrava os jogadores acenando sobre o campo de quadribol em suas vestes azul-marinho, com o emblema de dois juncos cruzados sobre o peito. O destaque ficava por conta do jogador sentado no centro da primeira fila, de cabelos muito claros e que segurava um pomo de ouro, com as asinhas se debatendo freneticamente entre os dedos. Ao lado do pôster, havia uma foto do mesmo menino adormecido na cama, as vestes de quadribol da Grifinória brilhando enquanto ele voava de um lado para o outro em sua vassoura.
James Potter sabia que seria jogador de quadribol desde... bom, desde sempre. Mesmo antes de conseguir pronunciar o nome do jogo, seu pai, o senhor Potter, já o havia presenteado com uma pequena vassoura e um pomo especial para crianças, com uma velocidade reduzida. Logo o brinquedo perdeu a graça: ficou fácil demais pegá-lo. Era um talento nato, de berço. O quarto do filho único e temporão era decorado por pôsteres de seu time e jogadores preferidos, e ele trouxe um pedacinho de sua própria casa para o dormitório de Hogwarts. Quadribol era sua vida.
Era por confiar tanto em seu "talento nato" que James conseguia adormecer profundamente mesmo diante do jogo de abertura da temporada em seu sexto ano. A Grifinória havia treinado à exaustão nas últimas semanas, com o claro objetivo de honrar a posição de melhor time de quadribol de Hogwarts, que carregava há muitos anos.
Ao menos desde que entrara para o time, James podia se sentir parte dessa história vitoriosa: não havia deixado de capturar o pomo uma vez sequer, o que significava que jamais tinha experimentado o gosto amargo da derrota, tanto como jogador de quadribol quanto em outras áreas de sua vida. Costumava dizer que alguns nascem para perder, outros para ganhar, e fazia questão de destacar sua posição como vencedor. Sempre!
O sol começou a despontar e entrar timidamente pelo vidro meio empoeirado da janela. James murmurou qualquer coisa em sonho e se virou na cama, mudando de lado para evitar que os raios de sol incidissem sobre seu rosto. Os óculos caíram para o travesseiro fofo de penas de hipogrifo, mas nem assim ele acordou. Seu subconsciente ordenava que dormisse o máximo que pudesse, para estar descansado para o jogo.
James acreditava que aquele seria um duelo fácil. Um duelo, sim, porque era dessa forma que encarava cada partida, contra a Sonserina particularmente. Para ele, quadribol era um jogo de um contra um. O melhor apanhador vencia. E não tinha dúvidas de que este seria ele, claro.
Sirius o fez jurar, no dia anterior, que capturaria o pomo o mais rápido que pudesse, talvez tão rápido que estabelecesse um novo recorde em Hogwarts. Os olhos negros do amigo tinham um tom desafiador quando exigiu de James a vitória. Era uma batalha pessoal para Sirius, apesar de não fazer parte do time. Se a Grifinória ganhasse, significaria a derrota de seu irmão mais novo, Regulus Black, estreando como apanhador do time adversário.
- Padfoot, relaxe! – disse James, enquanto caminhavam pelos corredores na sexta-feira antes do jogo, depois de uma aula de Feitiços na qual eles não haviam prestado a menor atenção. Remus e Peter vinham logo atrás deles, o segundo com um olhar admirado, sorvendo cada palavra dos dois amigos. James continou: - Eu já disse que vou capturar o pomo antes que o frango do seu irmão mais novo possa terminar de dizer "quadribol".
James e Sirius riram, seguidos por Peter, que bateu nas costas de James enquanto dizia:
- É isso aí, Prongs! Vamos detonar os Sonserinos e...
Um baque surdo interrompeu a animada conversa dos rapazes. Remus, que os seguia silenciosamente, estava caído no chão, os livros que antes carregava nos braços espalhados pelo corredor, o olhar surpreso de quem se pergunta "o que aconteceu comigo?". Sirius foi o primeiro a se abaixar ao lado do amigo.
- Essa última noite foi feroz, não é mesmo? – disse enquanto ajudava Remus a se levantar. – Eu que o diga! – e Sirius apontou um corte ainda brilhante de sangue seco no próprio rosto, enquanto colocava o braço de Remus sobre seu pescoço. – Portanto, Prongs, vença esse jogo para nos dar um pouco de divertimento saudável, talvez xingar alguns sonserinos ou arranjar uma briga qualquer, ok?
Remus sorriu de maneira cansada, retirando o braço do pescoço de Sirius:
- Eu posso andar, Sirius, estou bem. E você, James, faça o que puder.
- Tudo o que posso fazer é ganhar, Moony – James falou, passando a mão pelos cabelos espetados e estufando o peito. – É uma atitude natural.
- É... o tal talento nato – completou Sirius, soltando uma gargalhada rouca que se parecia muito com um latido.
Mas naquela manhã que antecedia o jogo, enquanto os quatro amigos Grifinórios ainda dormiam, a situação era um pouco diferente no dormitório localizado nas masmorras do castelo. Um sonserino de vestes de quadribol caminhava de um lado para o outro desde as três horas. Não conseguiu pregar o olho durante a noite toda. O franzino rapaz sofria de insônia desde que se conhecia por gente, e a expectativa diante da estréia como apanhador tinha piorado os sintomas. Seu rosto já pálido adquiriu uma coloração esverdeada, e ele não se sentia capaz de tomar sequer um copo d'água, pois o estômago estava absolutamente embrulhado.
Sempre gostou de quadribol. Apesar de ser um rapaz calado e não possuir exatamente o tipo físico ideal para praticar esportes, por ser franzino e bastante magro, decidiu seu candidatar à vaga de apanhador assim que descobriu que a equipe da Sonserina estava desfalcada. Pensou que reunia as características necessárias para ocupar a posição no time, afinal, quanto menor e mais magro, mais rápido para voar. Sem fazer alarde, fez os testes no campo de quadribol numa tarde fria de inverno, quando o vento soprava contra os jogadores e dificultava os vôos. Foi o melhor apanhador do treino, embora não tenha acreditado nisso até o exato momento em que o capitão do time, o corpulento John Mulciber, anunciou o escolhido:
- O novo apanhador da Sonserina é: Regulus Black!
Permaneceu por um tempo em transe, encarando os sorrisos dos companheiros de casa sem saber exatamente o que dizer. Alguns batiam palmas, pois o jovem tinha se mostrado um excelente jogador durante o teste. Embora soubesse que merecia aquela psoição, Regulus não estava acostumado a ser escolhido para nada, e muito menos a ser o centro das atenções em situação alguma. Em Hogwarts, sempre foi um aluno mediano, sem qualquer destaque nas matérias que cursava, exatamente como o era em sua casa. No Largo Grimmauld, fazia questão de não ser exatamente percebido, sem dar motivos para reclamações ou elogios. Era só mais um, alguém normal. Mas no momento em que foi selecionado para ser apanhador, tinha, literalmente em suas mãos, a oportunidade de ser mais. Agora fazia parte do time de quadribol da Sonserina, posto invejado por muitos dos estudantes de Hogwarts. Quando se deu conta do que teria pela frente, seu estômago deu um salto furioso, mesmo sabendo que o jogo de estréia da temporada ainda estava distante pelo menos um mês.
O tempo passou como se as horas fossem segundos e os dias fossem horas. A estréia de Regulus finalmente havia chegado, e ele se sentia absolutamente doente. Não, não poderia jogar daquele jeito. Não quando sabia quem deveria enfrentar como apanhador: o poço de confiança, habilidade e... charme de James Potter.
O coração de Regulus protestava, nervoso, diante da mera menção do nome de seu oponente. E o jovem sonserino se perguntava, sem parar, por que diabos se sentia daquele jeito em relação ao metido grifinório.
