Disclaimer: Harry Potter pertence a J. K. Rowling.
Semilúnio
por N. A.
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- Ei, Moony...
- O quê?
- Essa foi a última noite, não foi? – Sirius ofegava, cansado, do outro lado da cama de casal. – Digo, última... Agora, só próximo mês...
Remus suspirou e gemeu ao tentar se posicionar de forma que pudesse olhar para os estragos que fizera no corpo do amigo. – Sim. – Gemeu em confirmação.
- Isso me deixa feliz.
Remus sentiu uma pressão no estômago que tornava todos os outros arranhões, cortes e hematomas mais suaves. Viu o rosto do amigo sorrindo largamente para ele, na mesma cama, como animais; mesmo que não houvesse magia alguma para dá-los outra forma. O estado do outro era quase tão deplorável quanto o seu, apesar de haver menos sangue. Provavelmente Sirius tentou conter Remus a noite inteira enquanto era lobisomem, numa luta covarde; James e Peter ficaram para trás, para encobrir as suspeitas de Snape sobre ele, sobrando assim para o animago mais hábil. Concordaram que era impossível para um veado conter um lobisomem sozinho e o rato era descartado sem nem pensar. Sobrou para o cão negro tentar domar a fera. Sirius via aquilo como um desafio, uma forma de provar sua coragem e resistência para si mesmo – e ter histórias para contar para os filhos do James o quão mais forte e hábil ele era, dizia. Remus afundava o rosto envergonhado no travesseiro rasgado que o próprio Black havia arrumado, mancando terrivelmente pela provável perna quebrada, depois que tudo se acalmou. Nem pensou duas vezes: Arrastou-se para o outro lado da cama e ali se jogou.
Deitados, cansados e com várias feridas expostas, esperavam algum sinal de vida de James e Peter para levá-los à enfermaria. Felizmente era Domingo e não haveria suspeita alguma dos dois garotos desaparecerem com a desculpa de terem ido a Hogsmead comprar doces e bebidas ilegais. O único problema era que aquilo deveria ser feito o mais rápido possível, pois os gritos e uivos do licantropo estavam se tornando atrações turísticas, e alguns malucos ousavam se espreitar pelas estalagens lascadas e tortuosas; mas a missão de Sirius Black estava completa. Contivera o menino comportado e ajuizado em seu momento de insanidade e sobrevivera. Dependia agora da eficiência dos outros dois amigos para salvar a pele tanto do lobisomem quanto do animago – e de Hogwarts, se algum jornalista sensacionalista resolvesse investigar sobre a casa que geme.
Com muita força de vontade Remus conseguia mover um braço para uma posição mais confortável. Revirou o pescoço dolorido novamente para o amigo, que parecia dormir pesadamente ao seu lado – a cerca de um metro havia uma janela de vidros rachados que borrava toda a imagem do outro lado.
- Sirius... 'Tá acordado?
- 'Tou sim. – Respondeu, para surpresa do amigo. – Impossível dormir com essas dores.
- Sinto muito.
- Eu sei que sim.
- Sinto muito. – Repetiu.
- ...Você já disse isso.
- É que 'tá chovendo.
Sirius entreabriu os lábios, surpreendido.
- É. Até onde eu lembro, os vidros dessa casa não são borrados e esse barulho não é de vento.
O Black, que não olhava para nada, focou-se no rosto do amigo. Remus retribuiu o olhar igualmente desesperado.
- Espero que não se atrasem... – Lupin sussurrou, sem forças para pensar em frases bem-humoradas ou inteligentes.
- Espero que aquele retardado do James traga algo pra nos proteger, porque não estou com a menor vontade de esfregar minhas feridas nessa água gelada.
Momentos de silêncio. Remus sentia-se cada vez mais culpado, e Sirius percebia isso. Incomodava-se. Não precisava de mais machucados além daqueles na pele, não precisava de complexo de culpa. Precisava descansar. Somente isso.
- Siriu—
- Olha, se for pra dizer alguma merda sentimental, pedir desculpas ou sei lá, cala a boca. – Redargüiu rápido e impaciente. – Eu escolhi ser animago sozinho, aqueles idiotas que também são seus amigos escolheram por livre e espontânea vontade imitar a minha genialidade. Mas somente eu fui além e não me transformei num animal inútil ou afeminado. Eu estou aqui, fodido, porque eu quis e sabia dos riscos desde o começo. Então se vai se desculpar, se desculpa pra puta que te pariu.
O rosto do moreno parecia sério. Lupin suspirou, mas não era mais uma lamúria – era quase um riso.
- Só queria algo pra retribuir. Pra não me sentir tão mal, pro meu ego não ficar ferrado como 'tão meus ossos.
- Então me passa cola.
- ...Que?
- Eu não sei merda nenhuma de Runas. As provas estão chegando e eu não vou parar de estudar Poções e Defesa Contra as Artes das Trevas, e deixar que aquele seboso do Snape tenha notas maiores que as minhas.
- Eu não posso fazer isso, você—
- Então morra de culpa, nunca vou te perdoar pelas feridas e vou fazer chantagem emocional em todos os seus aniversários, e mandar seus filhos me agradecerem eternamente por ter salvado seus testículos para que você pudesse reproduzir e—
- Certo, certo, chega. Vou pensar no seu caso.
- Hmm.
- O quê?
- Pense enquanto come chocolate.
Ambos riram; um riso fraco que mais parecia tosse, mas riram. Amanhecia lentamente quando os ouvidos dos garotos identificaram barulhos incomuns pela casa. Entreolharam-se, receosos. Passos corridos, desengonçados, subiram as escadas e arrastaram a porta – que caiu, fazendo um barulho enorme.
- Eu disse pra você não empurrar, James! – Peter entrou após o Potter e, com um feitiço aparentemente simples, recolocou a porta no lugar e consertou as dobradiças velhas. – Anda. Pega essa minha bolsa, tem primeiros socorros, tenta dar um jeito no que tiver mais grave.
James pegou a mochila do outro e se aproximou da cama. Viu os amigos com rasgões, arranhões, cortes e hematomas por todo o corpo, sangue seco espalhado pelo chão, lençóis rasgados. Meio travesseiro apoiava a cabeça de Lupin.
- Putz. Vocês são muito feios pelados, eu deveria tirar uma fotografia disso e espalhar pelo colégio. Perderiam suas fãs rapidinho.
Sirius levantou o braço demoradamente apenas para mostrar-lhe o dedo do meio. James sorriu com o canto da boca.
- Padfoot está consciente e consegue se mover, vou cuidar do Remus primeiro.
- E você ainda pensa sobre isso? Não é óbvio? – Sirius tentou se posicionar para sentar sozinho, mas Peter logo foi ajudá-lo.
- Tua perna 'tá roxa, e não parece ser porrada simples. – Disse o loiro. – Consigo fazer uma tala rápida... Não podemos demorar...
Vestiram os garotos com roupas simplórias, que não demoraram a ficar manchadas de sangue pelos ferimentos ainda sensíveis. Remus tinha um corte particularmente feio na bochecha, que renderia algumas piadinhas quando tudo estivesse bem.
- Consigo levitar o Remus. – Disse James depois de limpar boa parte dos ferimentos do rapaz. Pettigrew meneou a cabeça e imitou o feitiço que Potter estava por fazer, também depois de limpar e medicar alguns dos ferimentos do Black. Em pouco tempo ambos levitavam, Sirius claramente envergonhado pela posição. James retirou dois lençóis da mochila que carregava e cobriu os corpos flutuantes.
- Como fantasmas de Halloween. – Peter complementou. – Brilhante.
- Brilhante uma ova, é ridículo! – Reclamou Sirius, mas silenciou-se assim que sentiu seu corpo flutuante se mover, e os rapazes se voltaram para a porta; carregaram, concentrados, os corpos dos amigos, deixando a bagunça para ser limpa em outra hora. Houve dificuldade para sair da casa e caminhar pela passagem até chegar ao Salgueiro; Peter tentou conjurar um segundo feitiço para evitar que a chuva os molhasse, mas fez o suficiente apenas para os garotos, sendo obrigado a ouvir James reclamando do frio e do que faria se ficasse resfriado com as partidas mais importantes de Quadribol à vista. Próximo à entrada do castelo Peter desfez o feitiço de levitação de Sirius, e jogaram em Remus a capa de invisibilidade que James conseguira roubar dos aposentos de Hogwarts enquanto cumpria detenção – e adicionar o lugar à planta baixa mágica que estavam criando –, e ajudaram Sirius a caminhar. James emprestou-lhe o corpo para se apoiar e, aos tropeços, caminharam até a enfermaria. Pelo horário que caminhavam, dificilmente haveria alguém a passear pelos corredores – e de fato não houve. Sorte, talvez.
Pomfrey – acostumada com aquele tipo de situação desde a entrada do lupino no primeiro ano – levantou-se da cadeira sobressaltada ao ver Sirius Black com marcas como nunca vira, e o corpo amorfo pelo lençol flutuante que se seguira – a capa de invisibilidade fora retirada minutos antes de entrarem na enfermaria e devidamente escondida numa das mochilas. Peter, ensopado, deixou que James pusesse Sirius na cama com a ajuda da bruxa mais velha, enquanto solenemente deitava Remus na outra cama. Retirou-lhe o lençol cuidadosamente para que o tecido não grudasse nas feridas abertas, não tendo muito sucesso em duas ou três.
- Bom. – A mulher examinou o corpo do garoto de cabelos acastanhados. – Já vi você entrar em estados bem piores aqui...
- É... – Suspirou. – Eu sei.
- Mas o Black me é surpresa... Vocês dois! – Engrossou a voz para os rapazes que molhavam toda a enfermaria. – Voltem para as suas casas, tomem um banho e deixem seus amigos descansarem, ou pelo menos se enxuguem para não ensopar o castelo!
- Bem que 'tava demorando. – James sussurrou para si mesmo. – Mas é melhor não atrapalharmos. Anda Wormtail, ainda teremos provas e N.O.M.s pra nos preocuparmos.
Remus gemeu ao se recordar dos Níveis Ordinários de Magia. Seria um problema se acontecesse na lua cheia e não saberia como explicar para a banca sua ausência, já que os alunos são praticamente cuidados em redomas de vidro nessa época. Faltar as provas era o mesmo que pedir para rodar o ano. Sirius, separado de seu amigo por uma cortina, puxou o tecido para o lado e resolveu tentar acalmá-lo com alguma piadinha, mas seu estoque de coisas engraçadas e legais havia zerado. Ficou apenas olhando para a cara do outro, pensando no que falar, e nada. Nada vinha.
Remus riu-se somente da tentativa.
- É. Isso aí.
- Chega de conversinhas! Já tiveram uma noite bastante ocupada, sequer dormiram e estão destruídos... Black, acho que sua perna está fraturada...
Conter o Lobisomem que dormia dentro de Remus era apenas mais um dos dias dos Marotos. Três ou quatro dias depois, Lupin, juntamente com o Black, se despediu da enfermaria – e provavelmente só voltaria a vê-la no próximo mês – e logo foram bem-vindos com notícias sobre mais uma discussão de James Potter com Severus Snape que resultou em feitiços desnecessários – o surpreendente foi que Snape aparecera com um feitiço sem nome e, de acordo com o professor Flitwick, incompleto. Raios verdes que, se James não evitasse com um feitiço de proteção, iria cortá-lo facilmente como cortara os quadros mais próximos.
Naquela manhã apenas Peter fora recepcioná-los – todos estavam excitados demais com a nova briga.
- Não é irônico – Remus se sentou e logo procurou pelas sobremesas que havia no grande banquete mágico – que apenas Snape tenha coragem o suficiente para enfrentar o James, sendo este tão popular? Digo... – Apanhou alguns bolinhos cremosos de groselha – Ele é um Sonserino que não trapaceia, não cola, que estuda e até certo ponto respeita as pessoas, apesar de ser estranho – Mordeu um pedaço do bolo, sujando os cantos da boca. – E... O único com coragem o suficiente para enfrentar uma das pessoas mais populares do colégio. – Disse ainda com a boca cheia.
- E quase matá-lo sem dó. – Completou Peter. Sirius riu alto do outro lado de Remus, chamando um pouco de atenção.
- Francamente, o que ele tem a perder? Se ele ficar se escondendo para sempre, tudo o que vai ganhar é fama de covarde. – Procurou alguns pães pela mesa. – Ele não tem nada a perder, e que história é essa de respeito alheio? Ele estampa na cara que odeia mestiços.
- A Sonserina inteira faz isso, e alguns lufos, e até pessoas da Corvinal e Grifinória. – Lambeu os dedos. – Eles só são mais discretos; a Sonserina não é o foco do problema, ela apenas explicita o problema, que, de certa forma, é uma coisa boa.
- Qual o seu ponto, afinal? – Disse enquanto enfiava dois pães na boca.
- Snape. Mal tem características de um Sonserino.
- A não ser que ele use a fragilidade e a coragem de forma mista para conseguir confiança entre os covardes e os corajosos. – Peter completou. Sirius e Remus olharam para o outro lado da mesa.
- Faz sentido. – Remus completou.
- Não faz não. – Sirius disse enquanto cuspia farelo. – E ele vai querer essa confiança pra quê? Convidar pra festinha de aniversário?
Peter e Remus riram-se.
- A não ser que ele esteja planejando algo além. – Completou o próprio Sirius. – Ele apareceu com um feitiço novo, um feitiço que podia ter decepado o pescoço do James, certo?
- Na verdade... – Peter interrompeu enquanto se servia de um bom pedaço de torta de limão depois de comer alguns pães com queijo suíço. – O feitiço fez alguns cortes nos quadros, nada além dos cortes que apareceu em você há quatro dias, Sirius. Isso de decepar cabeças já é exagero das pessoas.
- Mas o feitiço está incompleto. – Remus interrompeu. – Se for um feitiço iniciante, quando estiver completo, certamente vai arrancar a cabeça do James.
Silêncio sobre a mesa – apenas barulho de conversas alheias, pratos, talheres, movimento. Remus foi o primeiro a terminar o café da manhã, contentando-se com algumas coisas doces; Sirius e Peter comiam como cavalos.
Refeição encerrada, cada um iria para as suas salas – Sirius foi ao lado de Remus para a aula de Runas, Peter mudou sua direção para as escadas bêbadas, esperando pacientemente que estas lhe levassem aos andares corretos. Black e Lupin ainda debatiam sobre como o chapéu seletor parece estar pirado com alguns alunos – "James deveria estar na Lufa-Lufa, ha, ha!" –, e relembrando das torcidas violentas de Quadribol que aproveitavam o jogo para jogar ácido verbal com seus apelidos maldosos. Griffyndor, Huffle-Puff, Slytherin, Ravenclawn, os grandes bruxos e seus atos eram reduzidos a Suicidas, Desqualificados, Ladrões e Pseudo-Intelectuais, nas formas mais sutis de se irritar. Lembraram de quando eram primeiro ano e Sirius saiu na porrada com um lufo, e de quando eram ainda primeiro ano e Sirius saiu na porrada com quase todos os sonserinos.
- Você era doente. – Remus ria-se enquanto procurava o caminho da sala.
- Fico feliz em saber que não sou mais. – Sirius completou, obrigando o amigo a interromper seu pensamento.
- Eu não disse isso.
- Disse sim. A propósito, o que vamos fazer nas aulas de Runas? Por que estamos indo pra lá?
- Como assim? Sirius, nós vamos... Estudar? Sabe, é o que se faz na escola.
- Eu não vou estudar e você está adiantado, não está?
Remus olhou novamente o amigo; era verdade que estava bastante adiantado em Runas. E era verdade que mesmo que levasse Sirius para a aula, ele apenas iria dormir, como em todas as outras.
- Hm.
- Hm. – Sirius imitou.
- Hogsmead?
- Muito esperto.
- Então vá sozinho e boa sorte. Traga-me umas bombas e sapos de chocolate.
- Como assim?
- Eu sou monitor, seu retardado. Não posso sair por aí matando aulas, nem gosto disso.
- Ah. Que bosta.
Lupin continuou andando, mas Black parou, com a intenção de realmente matar aula. Isso não era lá um grande problema, mas algo passou na mente do outro amigo. Algo que não pretendia ser ignorado.
- Sirius. – Remus parou de caminhar e virou-se sério para o rapaz, que o ouvia com atenção. – Você é inteligente. Segue bem em todas as outras matérias, mas foge de Runas, que é... Hm... Uma matéria opcional.
- Eu deveria trancar, eu sei.
- Isso não é sobre querer ou não trancar... Você estava bem no começo das aulas, e repentinamente começou a faltar.
- É só perda de interesse.
- ...E me chantageou há quatro noites atrás. Você se preocupa com Runas, apesar de se preocupar também com sua reputação.
- Se ficar aqui conversando, vai se atrasar, Moony.
- Acho que não vou mais.
- Pra quê? – Sirius riu-se. – Pra ficar me passando sermão?
- Pra tentar te entender. Porra, - passou a mão no cabelo, tentando conter a impaciência. – Às vezes penso que é porque não sou suficiente. Que é porque James e Peter não estão aqui que você fica assim, desinteressado. Fugindo.
- Eu vou.
- Pra onde?!
- Pra aula, porra.
Remus suspirou profundamente.
- Tudo bem. Se não quer falar nada, não fale, respeito você.
- Obrigado.
O resto do caminho se seguiu no silêncio incômodo; Sirius sentia como se sua privacidade estivesse sendo invadida enquanto Remus sentia-se traído, mas ambos se gostavam o suficiente para, no fim da aula, se perdoar. Embora perdoar não seja o mesmo que esquecer.
Foi inesperado não ver o Black dormir naquele dia. Parecia vingança, mas aquilo animou bastante a professora Véctor, que também ficou sem palavras ao tentar surpreendê-lo com uma pergunta e obter a resposta. Ao final da aula, a própria foi até Sirius para perguntar o que houve na seqüência de dias que faltara ou dormira. Ele apenas respondeu que estava fazendo algumas coisas, e que ficava cansado, mas que não deixaria a desejar em sua prova – "Não é, Remus?" "É, é." –, e assim estava encerrado o tal mistério.
- Certeza que se fosse alguma pergunta das outras aulas, você não responderia.
- Certeza.
Remus pôs a mão na testa.
- Você me envergonha.
- Estou me aprimorando cada vez mais nisso.
- E me irrita também.
Sirius ficou em silêncio, aparentemente aceitando a última frase como um elogio, o que levou Remus a não se importar sobre ela. Sirius olhava para os quadros e os alunos que iam e vinham, mal esperando para se reunir na aula de Transfiguração com os seus outros amigos, com James, e fugir daquela situação que estava lhe sufocando pouco a pouco, dia após dia. Mas fugir não era mais algo que ele conseguia fazer tão bem.
Conversas, risos. Brigas e flertes para James e Peter, estudos para Remus que estava se preparando para a semana dos N.O.M.s. O lobisomem tentou conversar com Dumbledore sobre sua situação, e como procederia caso houvesse lua em algum dia das provas; e Dumbledore relatou à banca de professores que Remus tinha uma saúde frágil, deixando assim a responsabilidade de aplicar o N.O.M. ao lobisomem nas mãos do próprio Dumbledore. Porém, somente a Remus. E foi o que ele relatou aos amigos animagos, que não pareceram contentes com a última frase do diretor. "Você explicou que se ficar sozinho não vai se recuperar tão rapidamente quanto se nós o determos?", foi a pergunta mais repetida pelos garotos, e Remus disse que aceitou sua condição de bom grado, afinal ele não morreu por ter que passar várias dessas noites solitário nos anos anteriores. Peter, sabendo que não havia mais o que fazer, disse que iria comer alguma coisa para se sentir melhor. James mudou o assunto para "a ruiva protetora dos sonserinos". Remus mostrou-se alegre por isso, mas Sirius não: Escondeu seu descontentamento num sorriso amarelo e sem graça.
Na semana seguinte em que haveria aula de Runas, Sirius disse que iria ao banheiro e não voltou mais. Nem nas duas semanas posteriores. Remus deduziu que ele havia desistido por completo de Runas; e que iria ter que preparar uma boa fila – ou boa reza para que a prova seja feita em dupla, por Merlim – para salvar a pele do amigo. Volta e meia se perguntava se essa preocupação constante que tinha com os estudos dele era por gratidão, afinal Sirius e James o salvara de se tornar um perdedor naquele colégio. O que seria mais ridículo que um nerd lobisomem? Competiria arduamente com o cargo de vergonha do Snape... Se não fosse Sirius. E, hm, James. E Peter.
Remus nunca pôde externar, mas sentia uma gratidão muito maior por Sirius do que por James ou Peter, muito embora os três tenham-no apoiado nos momentos difíceis, protegido e se tornado animagos quase que por capricho de Remus. E por falar nisso, a noite de lua cheia muito em breve iria lhe amaldiçoar, assim como a semana de provas dos N.O.M.s. Havia tantas coisas para se preocupar... As provas, as brigas desnecessárias entre James e Snape, a responsabilidade de pôr algum cérebro naquelas cabeças de bagre, já que tinha se tornado monitor – muito embora tenha o feito essencialmente para obter respeito e abafar os comentários nas esquinas de Hogwarts sobre sua licantropia –, Lily Evans sorrindo para ele, conversando e enciumando James, Peter precisando de ajuda constante em História da Magia, N.O.M.s. E Sirius. Cada vez mais longe. Talvez o pior dos problemas, mas seu orgulho era maior e não se permitia correr atrás daquela amizade. Ele apenas queria ajudar, não? Qual o mal de saber do motivo dele ter perdido o interesse em Runas? Não devia ser pior que descobrir que Bellatrix Black era sua prima de primeiro grau, ou que a família Black inteira odiava grifinórios e sangue-ruins. E que ele era os dois – e, como bônus, lobisomem. E que ele nunca seria aceito pela família dos Black. Não, não podia ser pior que isso.
- Talvez Sirius esteja saindo com alguém. – James falou com naturalidade. Remus fez uma cara estranha.
- Ele teria... Nos contado?
- Não, não teria. – James arqueou as sobrancelhas. – É o Sirius, lembra? Só de existir a possibilidade de dizermos que ela é feia ele, esquentado do jeito que é, ficaria puto.
- É, talvez.
- Você o conhece e sabe que ele é assim. Mas... Ele me parece bem natural na maioria das vezes, pelo menos comigo.
- Sim... – Remus retorceu o tecido por dentro do bolso da calça. – Com você, James. E com o Peter. Nós quatro... Mas a coisa muda quando ficamos sozinhos. Parecemos dois estranhos, ou sei lá.
- Talvez vocês não estivessem muito tempo juntos sozinhos. Eu estou sempre incomodando ele, Peter sempre pedindo ajuda ou oferecendo doces, estamos geralmente unidos. Apenas nesse ano que ele começou Runas com você... Mas lembro que ele disse que teve uma brilhante idéia, e que iria aprender Runas somente pra adicionar ao mapa que estávamos fazendo, e dificultar caso alguém encontrasse, sabe?
- Sei.
- Então. Aí eu falei que não ia aprender merda de Runas pra usar meu mapa. Então ele meio que enjoou.
- Mas isso foi antes ou depois dele cursar Runas?
- Antes.
- E por que ele continuou?
- Porque não queria te deixar sozinho.
- Ah. – Remus baixou o olhar, melancólico. – Parece que ele perdeu o interesse em me acompanhar.
- Não é bem isso. Ele tinha medo que fizessem algo contra você, afinal... Você sabe. Snape sutilmente disse pra alguns sonserinos que percebeu que você sai às luas cheias... E o boato se espalhou. O colégio inteiro sabe, só não comenta, porque não é da conta de ninguém.
Remus permaneceu calado.
- E então, do nada, você nos aparece monitor. Foi incrível.
Lupin sorriu com a última palavra, e agradeceu.
- Eu também fiquei surpreso. – Potter prosseguiu. – Você é bem mais forte do que aparenta, e Sirius deve ter pensado o mesmo. Aliás... Você anda cansado, Moony. Excesso de preocupação?
- Sim, é. Falando em preocupações, tenho que terminar meus exercícios. Termine os seus também.
- Falta somente o de poções. Bah. Deixo o mérito de misturar líquidos para Snape, me interesso muito mais por feitiços.
- Sei que sim. – Remus sorriu e caminhou em direção às escadarias. – Então, te vejo pelo Salão Comunal.
- Apareço com umas cervejas mais tarde!
- Combinado.
E finalmente Lupin percebeu o quanto era grato pelos sorrisos espontâneos que Black lhe arrancava com tanta facilidade, mesmo quando ele não sabia que era lobisomem; quando ele era apenas mais um rato de biblioteca de saúde frágil. E o quanto isso fazia falta.
- E foi isso o que ele disse. – Relatou Potter enquanto tentava afastar os cabelos repicados e compridos dos óculos.
Sirius caminhava despretensioso com James próximo ao grande lago ao sul de Hogwarts, observando o despenhadeiro que se seguia a leste. Uma visão pacífica, ideal para discutir sobre problemas sem nenhuma alteração. Sirius meneou a cabeça para afirmar que estava ouvindo cada palavra, observando com serenidade os rochedos, o céu que pouco a pouco formava nuvens cinzentas.
- Puta fofoqueiro do caralho. – Disse o Black, e James riu alto.
- Não posso negar, mas anda, é pelo bem dos marotos. – Suspirou, sentindo o nariz seco e gélido. – Talvez Remus precise de uma namorada e esteja se sentindo muito sozinho. – Falou na esperança que Sirius abrisse o jogo sobre a garota secreta que ele mesmo havia deduzido. – Afinal de contas, estamos muito sozinhos... Somos muito amigos, mas temos quinze anos...
- Ou talvez ele tenha percebido. – Sirius suspirou, levantando uma fina camada de fumaça.
- Haha, percebido o quê? – James se fez de desentendido.
- Hã? Vai dizer que você não percebeu? – Sirius parecia surpreso.
- Ah, eu... É. Hm. Acho que é uma coisa, mas... Não, não sei. Acho que não percebi, acho que percebi, tenho suspeitas. Mas fala logo, o que foi que eu não percebi?
- Que eu... Sou... Hm... Veado?
Silêncio. James estremeceu por baixo do pesado cachecol, Sirius parecia calmo e contido, porém com os olhos grudados nos rochedos.
- Ha, ha, ha. Hahaha. – James riu-se. – Excelente piada. Quase caí, confesso.
- Não é piada. É verdade. – Sirius dizia sério, a voz inalterada. James parecia incrédulo demais pra raciocinar.
- Espera... Espera aí... A gente trocou de cama algumas vezes e tal, ha, ha... Tomamos banho naquela porra de banheiro enorme.
- Do que você ta falando? – Sirius o olhou com as sobrancelhas unidas em expressão de assombro. – Eu jamais iria olhar pra esse seu rabo feio.
- Acho bom. – James completou. – Acho bom mesmo. – Ressaltou a última palavra. – Mas então... Espera. Espera, espera. Puta merda. Isso significa que...
- Anda, Senhor da Lógica, disserte o que seu cérebro veloz deduziu.
- Você... Gosta do Remus? Haha, ha, ha, hahahaha!! – Sirius permaneceu em silêncio enquanto as risadas incontroladas de James quebravam a paz de espírito, pouco a pouco, do lugar. – Puta que o pariu, puta que o pariu. Então é por isso que você tem evitado ficar perto dele?
- É. Ele... Sei lá. É certo. Diferente de mim.
- Ele é um lobisomem, não tem nada de certo nisso!
- E eu sou uma bicha, James. Que tem sonhos estranhos com um dos meus melhores amigos!
- Sonhos... Estranhos... – O rosto do Potter tomou tons escarlates enquanto as risadas pioravam; o outro parecia calmo, provavelmente se preparava há dias para aquela conversa.
Sirius foi obrigado a esperar que James se acalmasse, parasse de rir, se lembrasse das palavras ditas, risse de novo e tentasse se controlar novamente. Podia ter decorado todos os desenhos das rochas naquele tempo em que James ria e falava palavrões descontroladamente. Depois de muito acesso, um Black claramente irritado e algumas lágrimas limpas dos cantos dos olhos de James, a conversa retornou.
- Porra, tu nunca falou de mulher. – Comentou James, as bochechas vermelhas e não conseguindo falar sem sorrir. – Eu achava que era só medo de que a gente a achasse feia e tal, afinal você é bem popular com elas... Seria uma vergonha se você namorasse uma feia.
- É, mas eu terminei gostando de cicatrizes, anatomia masculina e tal.
- Quando... Quando isso começou?
- Sei lá, cara. – Sirius passou os dedos compridos pelos cabelos, que caíram pelas laterais, escondendo seu rosto sério e preocupado. – Acho que eu nunca o vi só como um amigo. Eu realmente gosto dele, mas não como eu gosto de você e tal.
James fingiu dar um passo pra trás, que foi respondido com um singelo "vá se foder.".
- Eu não 'tou entendendo. – James continuou. – Você sempre... Sei lá, foi afim dele?
- Mais ou menos isso. Só que eu não reconhecia. Queria estar perto dele, queria que não o machucassem, queria meter porrada a todo custo em quem falasse mal dele.
- Ha, haha, a sonserina sofreu em nome do seu amor.
- É, sofreu. – Disse sorrindo, pela primeira vez naquela conversa. – Mas então. Só que vocês estavam sempre por perto, daí eu conseguia me controlar. Achei que me sentiria bem fazendo aulas de Runas só com ele, ou que ao menos isso iria acabar...
- E inventou aquela idéia absurdamente idiota de colocar Runas no mapa?
- É.
- Certo.
- Então. – Coçou o nariz, nervoso. – Eu percebi como me sentia... Sei lá. Fraco, perto do Remus. Ele virou até monitor, é bom em todas as matérias, se dá bem com qualquer pessoa que seja no mínimo sociável... E olhe pra mim, matando aulas de Runas, uma matéria opcional.
- Frase do Remus, não é?
- É.
- Nossa... Isso é bizarro. De longe, sabe? E eu achando que conter Lobisomens era uma coisa, assim, diferente.
- Sei, se sei. Então... Eu comecei a me sentir mal perto dele. Queria ser algo mais, queria ser melhor, e me dediquei à Runas por isso. Pelo menos no começo.
- E por que não continuou?
- Porque era difícil me concentrar, me manter amigo, me manter companheiro, fingir o tempo todo ser aquele cara legal que fala coisas legais e faz coisas legais enquanto sou bom nas matérias que eu gosto e em, hm, Runas.
- Em resumo, suas piadas começaram a ficar imbecis demais.
- É.
- Porque você 'tava nervoso?
- É.
- Porque... Você... Gosta do Remus. Ama o Remus. – James falava com uma diversão insuperável nos olhos. – Porque você queria surpreendê-lo, fazê-lo rir, fazê-lo ser purpurinadamente feliz ao seu lado boiola, mas ele estava achando isso imbecil?
- Porra. Mas, sim. É, por aí.
James riu-se outra vez.
- Complicado... Mas tenho boas notícias.
- Hein?
- O Remus nunca me falou de mulher. Assim como você. E nem olhadelas, nem nada.
- Ele está o tempo todo do lado da Lily, James, ou você não notou?
- É, mas ela pede conselhos amorosos pra ele. E, olha, isso é bem gay. Algo em comum.
Sirius se controlou para não esmurrar aquele sorriso sacana estampado na cara de James.
- Vamos voltar, preciso raciocinar até o fim do dia, e não vai ser olhando pra sua cara depois dessa notícia que eu vou conseguir.
- Certo. – Sirius não tinha mais palavras.
- Ah, Sirius.
- O quê?
- Sabe aquela história de "Afinal de contas, estamos muito sozinhos... Somos muito amigos, mas temos quinze anos..."?
- ...O que tem?
- Esqueça. Eu sou auto-suficiente.
Sirius riu alto, acompanhado por risos do próprio James. Uma brisa fria anunciava a chuva pesada prestes a desabar em suas cabeças, e os rapazes se apressaram em entrar no castelo – Sirius Black aliviado como nunca estivera.
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N/A: Se houver muitos erros, perdoem-me, fiz a fiction mais pelo impulso de escrever e pelo desejo pelo fandom do que pela perfeição da mesma. Meu objetivo com esta fiction é mostrar um lado dos Marotos que não costumo ver, a época em que eles supostamente eram felizes, apesar dos seus problemas. Uma época sem seriedade, com dúvidas, erros e deslizes de garotos de 15 anos - garotos. Meninos. Não quis apelar para o drama porque, bem, já li muito sobre isso e não tem mais o que explorar. O segundo capítulo vem em breve, espero, assim como este capítulo. E, por favor, não estranhem o excesso de infantilidade da parte dos marotos. Eles ainda são crianças.
No mais, divirtam-se!
