Nota da Autora:
x. Segundo lugar I Challenge Família Black do fórum 3V.
x. Prêmio extra de "Melhor Briga".
x. Capa no profile.
Traição do Sangue
Meu irmão e eu contra meus primos.
Meus primos e eu contra os estranhos.
Provérbio Árabe.
1. Infância
Três elfos robustos puxavam a grossa corda erguendo a enorme faixa vermelho-tinto enquanto quatro elfos magrelos, no alto da arcada, estendiam as mãos minúsculas para apanhá-la. Era o último estandarte e o mais importante, ficaria logo acima do centro da cerimônia e trazia a mais importante das mensagens daquela noite: Toujours Pur.
Desde a primeira cisão da família, a que deu origem à primeira cerimônia de exclusão, os sucessivos donos daquela casa tentavam apagar aquela frase da parede, mas ela permanecia cada vez mais nítida. Teimosa, como convinha ao velho lema dos Black. Com o passar dos anos os Black se conformaram em adequar a arquitetura da casa ao seu gosto pessoal e esconder a frase incômoda mantendo o salão fechado e mandando bordar imensas faixas como aquela, quando o salão precisasse ser aberto. Sorte essa não ser uma geração de Blacks que não se importava de gastar dinheiro para manutenção do bom nome da família.
Sirius tinha um sorriso de deleite no rosto e um olhar perdido. Sempre ficava assim quando pensava em novas maneiras de envergonhar sua família. Mas o plano de derrubar a faixa com o salão lotado de convidados ficaria apenas no plano das idéias. Sirius também não gostaria que aquela frase ficasse exposta e se tornasse emblema da vergonha dos Black. Como sua mãe, seu tio e os Black antes deles, que a frase entalhada na arcada do salão fosse vinculada com aquela família. Por motivos bem diversos é claro.
Não tinha nada demais, era uma frase curta, simples, em latim, entalhada sabe-se lá quando num salão de cerimônias. E desde que Sirius botara os olhos nela e escutara sua história, tinha se tornado seu lema pessoal. De modo algum ele queria seu lema pessoal vinculado a sua família. Memento Moris, era o que Augustus Black tinha escolhido para escrever no brasão de sua família. Realmente não era nada demais e foi aceito como um lema sábio por alguns séculos, até o primeiro Black se envolver em um grupo que discriminavam trouxas. Da discriminação de trouxas para mestiços foi muito rápido e para aquela geração de Black decidir que não era digno viverem sob o lema de um amigo e defensor de trouxas.
Augustus Black gostava tanto de trouxas que, quando chegou perto dos quarenta anos, adicionou um precioso item a sua coleção de objetos trouxas: uma mulher cujo nome e rosto os descendentes de Augustus apagaram para sempre do mundo. Dizem que era bela. Deveria ser, o quadro de Augustus, eternamente colado na parede da casa de Cygnus mostrava uma bela figura de homem.
Sempre que os Black faziam da vida de Sirius um lugar difícil ele pensava em Augustus Black e no seu lema indestrutível. Sirius podia apostar que ele sabia que seu sangue era ruim e acabaria gerando descendentes podres. Se não, por que prenderia suas idéias à parede? Ele sabia... E isso consolava Sirius de alguma forma, quando sua revolta virava uma tristeza tímida, de grifinório que sofre de uma necessidade insalubre de felicidade.
Naquela noite Sirius não estava triste e isso era bom. Estava orgulhoso de dividir um segredo com Augustus Black e os elfos da casa. Orgulhoso de ser diferente de todos os 150 parentes convidados que lotavam o salão. Tinha o sangue de Augustus, ainda que ele e sua esposa trouxa não tivessem tido filhos. Todos os Black naquela celebração se diziam filhos de Abel, irmão de Augustus e marido de Samantha. Ninguém gostava de dizer que Samantha era Weasley, mas tinham o consolo de saber que não havia traidores do sangue naquela época antiga.
Sirius gostava de pensar que a linhagem de Augustus tinha ficado velada todos esses anos, por uma enorme conspiração dos Black e que ele tinha o sangue forte daquele homem. Sua única semelhança com ele, porém, eram os olhos castanhos muito escuros e um tipo de beleza radiante, calorosa.
Todos os Black eram bonitos, ou tinham sido em algum momento das suas vidas. Alguns convidados comentavam em cochichos, todos invejavam silenciosamente a beleza das crianças Black. Eram todos perfeitamente diferentes uns dos outros de modo a não serem alvo de comparações que os desvalorizasse suas belezas delicadas.
Sirius ficava um homem vestido no traje de gala que convinha ao filho mais velho, azul escuro, justo, com bordados prateados e algumas insígnias da família. Um pouco parecido com um militar ou um membro da guarda de honra do Merlin, com aquela cauda de pianista chegando na metade das suas pernas compridas. Era um rapagão alto e encorpado, com um sorriso marcante que variava rapidamente entre a maldade, o sarcasmo e o deboche.
Regulus rosto e cabelos de anjo renascentista, o que fazia seu pai temer que ele nunca fosse levado a sério pelos outros homens. Tinha só 14 anos e já era evidente que com as mulheres ele não teria problema algum. Não havia nada que não conseguisse com seus belos olhos grandes e azuis somados a sua voz e modos agradáveis. Um pequeno príncipe.
Se o irmão se Sirius era o pequeno príncipe da família nada mais conveniente do que posicionar ao seu lado aquela que ocupava o lugar de princesa. Tão parecida com Regulus que se podia tomá-la por sua irmã, Narcissa tinha proporções corporais absolutamente perfeitas. Um pouco imatura para seus 16 anos, mas sabia se comportar dentro de um espartilho e na pomposa veste azul bebê que cabia à caçula de Cygnus.
A mais desajeitada era Andrômeda, com aqueles ombros largos de jogadora de Quadribol. Mas qualquer um que a olhasse nos olhos não poderia deixar de ser hipnotizado por seu rosto trigueiro e seus cabelos castanhos, cujos cachos grossos eram tão brilhantes que dispensavam adereços e enfeites.
Estavam todos dispostos em forma de ferradura de frente para a tapeçaria, de modo que Sirius podia olhar diretamente para a sua prima mais velha, ainda que esta não tivesse olhado para ela uma vez sequer naquela noite. Eram os olhos azuis e os cabelos castanhos muito escuros de Bellatrix que faziam com que Sirius e muitos outros a achassem a mais bonita das irmãs. Sirius não podia admitir, mas havia algo de cínico nos lábios finos da prima que mantinham seu interesse nela ao longo dos anos.
Era uma cerimônia desinteressante aquela. Estavam excluindo da família uma mulher que já estava morta há quase 50 anos. Se ela estivesse presente atacando os parentes com umas maldições imperdoáveis, talvez Sirius conseguisse manter a concentração. Pelo menos não era o único... Andrômeda e Narcissa estavam claramente conversando mentalmente e Regulus tinha olhos tão baixos que Sirius desconfiava que estivesse dormindo. Só Bellatrix olhava para o altar com uma compenetração religiosa, muito ereta, os olhos piscando freneticamente na direção da tapeçaria.
O discurso do tio Cygnus era longo. A honra da família. A desgraça da família. Cedrella Black estava sendo postumamente castigada por ter se casado com Septimus Weasley. A honra da família, a desgraça da família. Os traidores do sangue. Sirius estava perto de fechar os olhos e cochilar como seu irmão. A honra, a desgraça, a traição. Blá. Blá. Blá. Já estavam em pé há mais de 2 horas e tio Cygnus não dava sinais de cansaço. Toujours Pur, ele disse. Toujour Pur, todos repetiram batendo a mão no peito como soldados romanos.
Sirius gostava do seu traje de gala. Sentia bonito, importante dentro dele. Mas se sentia bem ridículo berrando Toujours Pur com Memento Moris na cabeça. Como se permanecer puro fosse algo que valesse com que valesse a pena desperdiçar a vida. Poucas coisas amedrontavam mais Sirius do que ficar puro. Tinha um desejo que só os grifinórios entendem sujar-se de vida, mergulhar nela de cabeça e sair imundo. Impuro. Completamente maculado. Toujour Pur era um lema que apenas não aceitava, como não conseguia compreender.
O homem do fundo do altar parecia compreender bem o Toujour Pur. Sirius não o conhecia, mas sabia que o altar era só para membros diretos da família. Lá estavam seus pais, seus tios e aquele homem estranho. Era jovem, mas era muito sério. Sirius não gostou dele, talvez pela sua convicção ao dizer o lema de seus parentes, talvez por ele ficar bem em suas vestes de gala ou talvez por estar lado a lado com todos que Sirius renegava.
"Quem é aquele?", ele disse sussurrante, já que não podia falar com os pensamentos.
"Quem?", disse Narcissa, que fora pega de surpresa e deu uma olhada curiosa para os lados.
"Aquele...", Sirius apontou o estranho com nariz.
A boca de Narcissa formou um leve sorriso e seus olhos brilharam maldosamente. "Ah, aquele...". Ela cutucou a irmã com o cotovelo e repetiu a pergunta de Sirius numa entonação vagarosa. Andrômeda não pareceu muito a vontade com a pergunta e olhou severamente para a irmã mais jovem percebendo-lhe a maldade.
"Oh! Aquele...".
O garoto respirou fundo e buscou nas profundezas das suas entranhas a paciência que Narcissa requisitava. Sempre fora a prima que menos gostara (a terceira logo depois de sua mãe e seu irmão), mas tudo tinha piorado muito desde que ela entrara na puberdade e instalara em todas as suas palavras um estúpido tom libidinoso. Evidentemente ela achava isso sexy. E o mais intrigante para Sirius era que havia um bom número de rapazes que concordavam com a jovenzinha egocêntrica e não achariam a menor graça na imitação perfeita que ele fazia da prima dizendo: "Meu nome é Narcissa e eu não tenho cérebro".
O tal Lestrange mantinha seus puxados olhos espanhóis vivos e muito atentos a toda cerimônia. Sirius não poderia nunca simpatizar com alguém que achasse aquela situação ridícula minimamente interessante. Mesmo seu irmão, que era uma pessoa consideravelmente obtusa e desprezível, lutava bravamente para se manter acordado. Teria arrumado mais cem bons motivos para não gostar do visitante, mas sua mente hiperativa se distraiu de modo que as palavras de Cygnus Black penetraram nos seus ouvidos sem que ele pudesse evitar. Quando percebeu, já era todo atenções para o ritual.
"Cedrella Black nos traiu", Cygnus dizia em tom fatalista. Sua voz grave e dramática dava uma entonação verdadeira para a cerimônia que todos sabiam ser cuidadosamente ensaiada. "Cedrella Black se uniu ao pior tipo de gente: os traidores do sangue. Sim..." Os convidados reagiram com falsa surpresa e ele fez com a cabeça um severo sinal afirmativo com a cabeça.
"Ouso dizer que mesmo um trouxa seria preferível – embora jamais perdoável - já que um trouxa é uma criatura obtusa frágil, inconsciente da sua própria banalidade. Mas um traidor do sangue!", ele gritou a última frase e seu punho forte e moreno bateu no púlpito acordando os que cochilavam de olhos abertos.
"Morte aos traidores do sangue!", uma voz esganiçada bradou e Sirius sentiu um imenso nojo de reconhecer naquela mulher sua própria mãe. Todos os convidados ergueram seu punho fechado e repetiram as palavras de ódio. Sirius manteve suas mãos firmemente coladas no corpo, assim como Andrômeda (que ficou muito corada e Sirius sabia porque), mas ninguém deu atenção a essa pequena rebeldia.
Nenhum dos adolescentes sabia quem era Cedrella Black. Era um nome preso a uma tapeçaria que logo seria apagado e esquecido para sempre. Sirius sabia que ia esquecê-la também e envergonhou-se. Ele e os traidores do sangue deviam ser como amigos, parceiros, cúmplices e ele nem sabia qual era a história dessa mulher. Só sabia o que lhe contaram no mês anterior, que há muitos anos atrás ela havia casado com um Weasley.
Considerando que todos os Weasley subseqüentes ainda eram ruivos, Sirius acabou formando uma imagem ruiva da jovem Cedrella, escapando para casar. Sardenta (mas nenhum Black que conhecia tinha sardas) e sorridente. Uma verdadeira traidora do sangue. Sirius orgulhou-se dela e lamentou que fosse frívolo demais para lembrá-la mais do que algumas semanas.
"Toujours Pur!", berrou fervorosamente a voz desagradável da mãe de Sirius, mas dessa vez ele sorriu. O nome da mulher traidora fora apagado, os Black estavam salvos e puros e a cerimônia idiota estava terminada. Agora era chegada a parte que Sirius realmente apreciava nessas cerimônias: a festa.
Memento Moris: (Latim) Lembre-se que morrerás.
