O som da chaleira ecoava insistentemente por todos os cômodos da casa. Não que isso fosse muito difícil, já que o lar dos recém-casados era simples, com mobília e utensílios acanhados – como uma impressão perfeita da personalidade de seus moradores.

– Marie, o chá está quase pronto... – disse Miranda, com seu tom característico de insegurança até em momentos mais simples.

Marie tentava concentrar-se no som da vitrola que a acabara de ganhar na despedida dos amigos da Ordem, mas sua audição aguçada fazia com que os menores estalos e suspiros de sua esposa se confundissem com a música a qual ansiava apreciar puramente. Mas isso não o incomodava. Afinal, desde a primeira vez em que a encontrou, sentia uma vontade quase instintiva de protegê-la e até pedir silêncio para a esposa parecia uma agressão à sua personalidade naturalmente tímida.

Apenas dirigiu-se à pequena cozinha, onde sentiu uma estranha vibração. Podia perceber a movimentação das xícaras de porcelana que, em uma acústica quase inaudível, demonstravam uma contínua tensão. Miranda servia o chá trêmula, temendo que a falta de prática acabasse por potencializar suas tendências desastradas.

– Acho que posso te ajudar. – disse Marie, ao chegar próximo da esposa.

Colocou uma de suas mãos sobre a da mulher para dar mais segurança e ajudou na distribuição do chá, que enquanto derramado, exalava um delicioso aroma de ervas.

– Desculpe... Eu não estou acos... – disse Miranda, antes de ser interrompida pelo marido que colocou delicadamente o dedo sobre os seus lábios.

– Você não tem porque se desculpar. Ambos somos novatos nisso. – disse, sorrindo.

Miranda ficou mais tranquila após o encorajamento do marido. Pretendia, enfim, terminar os preparativos para o chá, mas foi desviada de seu trajeto.

– Antes eu tenho uma surpresa para você – disse Marie, guiando a esposa (que segurava as duas xícaras de chá) até o centro da sala, onde encontrava-se o gramofone.

Sentaram-se no chão e Marie reiniciou o processo que havia começado antes de ir ao encontro dela. Logo, a bela música começou a tocar.

– Feche os olhos, Miranda – falou, colocando a mão sobre o seu rosto e retirando-a em seguida.

Era como se uma ópera imperial estivesse dentro daquela pequena casa. Sons de instrumentos diversos mesclavam-se em perfeita harmonia. Os violinos pareciam chorar, mas logo seus soluços eram abafados por trombetas, flautas e oboés, formando um equilíbrio perfeito. Assim como o casal que presenciava aquele espetáculo particular e inédito.

Miranda voltou a tremer subitamente.

– Esse som me é familiar... – Marie sorriu.

– Conhece essa música de algum lugar? – perguntou Miranda, ainda com os olhos fechados.

– Não falo da música. Me refiro ao som da porcelana... Você está tremendo de novo, não é?

– É que estou emocionada. É bem diferente ouvir música com os olhos fechados... Cada som fica tão mais...

Importante. Cada som tem a sua importância, por mais discreta que seja sua presença. – completou Marie.

Miranda acidentalmente derramou o chá sobre o seu vestido e continuou com os olhos fechados. Parecia não querer ver o resultado do previsível desastre.

– Ah, não...! Como sou desastrada.

– Já estava frio mesmo... – falou Marie, se aproximando cada vez mais do rosto de sua mulher até que finalmente conseguisse beijá-la.

E ao som da ópera que continuava agora em um ritmo progressivamente mais lento, o beijo apaixonado dos recém-casados foi embalado, selando o equilíbrio entre o protetor e a protegida. E a vida seria assim, uma eterna ópera particular!

Pois no final, as trombetas e oboés abafam o choro do violino.