Mais uma manhã sem graça, quarto silencioso e cama parcialmente vazia. O travesseiro ao lado ainda intacto e a fronha limpa, sem um fio de cabelo sequer.
No banheiro, somente uma escova de dente, perfumaria feminina e nenhum sinal da presença de um homem ali. Na mesa, somente uma caneca e um pão. Uma faca e uma colher e tudo seria em número um na louça do almoço e do jantar.
Solidão. Estaria fadada à solidão, enquanto respirasse? Havia valido a pena mudar seus hábitos, seus costumes e a maneira de tratar as pessoas naquela cidade, se mesmo assim continuava sozinha, sem uma chamada pessoal em seu celular ao longo de dois dias?
Regina deposita a sua caneca na cuba da pia e dirige-se para a sala principal da casa, onde apanha sua bolsa, as chaves do carro e seu terno. Olha a peça de roupa com desprezo e a veste, saindo daquele mausoléu em que havia se transformado a sua casa.
Entediada, ela chega à sua sala na prefeitura e recebe a agenda do dia das mãos de sua secretária. Vai para seu gabinete e larga-se na cadeira, virando-se para a janela imensa que exibia a movimentação lá na rua. Durante muito tempo, ela permanece naquela posição e deixa a areia escorrer pela ampulheta invisível do tempo.
É retirada de seu devaneio com a chegada de seu filho adotivo Henry, trazendo a alma carregada de novidades para serem compartilhadas. Ela apenas sorri sem mostrar os dentes, observando o rapazinho mover os lábios e gesticular, porém sem escutar o que ele estava falando. O menino vai embora tão sorridente como havia chegado, mas nenhum conteúdo de sua alegria tinha ficado na alma de Regina. Movendo-se na cadeira, ela percebe que sequer havia tirado o terno e soltado a chave do carro.
Decide sair daquele lugar abafado e monótono. Não se incomoda em dizer para onde vai ou quando retornará. Queria apenas sentir o vento no rosto e deixar-se ficar despenteada por alguns breves instantes. E sai sem rumo.
Lá de cima da colina, toda a cidade é avistada e tudo parece tão distante e sem importância. Regina senta-se numa pedra e dali pode ver o desenho das ruas, das construções e os pontos pequenos movimentando-se no cotidiano daquele dia.
- Algum problema com seu carro, senhorita? – a voz de um homem rouba aquele momento de solidão e isso provoca uma súbita irritação na mulher.
- Estou apenas querendo ficar sozinha, será que é pedir muito? – ela olha o homem de soslaio e volta sua atenção para a cidade lá embaixo.
- Lamento pela impertinência.
Regina ouve os passos do homem afastando-se e decide olhar rapidamente, arrependida pela grosseria.
- Espere, rapaz! – ela se levanta e ajeita a roupa. Observa-o parar e olhar para trás. E é naquele momento que algo tão mecânico como respirar, para de acontecer no organismo da prefeita. Sente o coração bater dentro de sua cabeça e a temperatura de seu rosto aumenta sensivelmente. – Fui rude...peço desculpas...
Ele sorri amplamente e concorda com um movimento de cabeça.
- Eu fui invasivo. Talvez meu forte instinto de preservação da espécie.
Regina caminha até o homem e tenta conter sua reação feminina diante da beleza do desconhecido.
- Não havia a necessidade de ser grosseira. – ela sorri e percebe que poderia parecer abobalhada. Mas quem se importaria com isso? – Eu apenas quis pensar um pouco em meus dias e aqui pareceu ser um bom lugar!
Ele olha em volta e mantém seu sorriso farto. Volta sua atenção para a mulher.
- A visão é linda daqui. Enche a alma de paz.
- Mora por aqui?
O jovem afirma com a cabeça e aponta para uma direção mais acima de onde estavam.
- Moro um pouco mais acima na colina.
- Você é morador desta cidade? Como nunca o vi?
Abaixando a cabeça e fitando as próprias mãos, o rapaz emite um som risonho.
- Cheguei a cerca de um ano. Tenho viajado muito e encontrei a entrada para esta cidade.
Um sentimento de vergonha invade a alma de Regina.
- Displicência de minha parte. Peço desculpas por não perceber sua presença em minha cidade.
- Por que deveria perceber? Não sou dado à exibições públicas. Procuro ser discreto.
Regina alarga um sorriso e logo se recompõe. Precisava manter sua postura altiva.
- Eu vou voltar para a cidade. Quer vir comigo?
- Estou sujo pelo trabalho do primeiro turno. Agradeço sua oferta, mas...
- Mas é orgulhoso demais para aceitar ser conduzido por uma mulher, eu entendo.
- Apenas não vejo a necessidade de uma aproximação como esta. As pessoas desta cidade costumam eleger um tema por dia para ser explorado em detalhes. Creio que a senhorita não deseja ser este tema.
Regina ri debochada e atira a chave do veículo para o rapaz.
- Leve-me de volta para a cidade. Encare isso como uma ordem de sua Prefeita.
