NA: Fic dividida em três partes (até o presente momento) com cada uma sendo uma one-shot. ´

Universo Alternativo, shounen-ai (a.k.a SLASH)

Disclaimer: Harry Potter e Cia pertecem a J.K. Rowling.

Resumo: O homem loiro da casa da frente foi aquele que foi seu maior torcedor e maior opositor. Sua válvula de escape, seu bote salva vidas em mar revolto, sua ilusão e sua realidade. Mas de onde ele veio? Para onde ele foi? E que mistérios o cercam quando depois de treze anos, ao vê-lo mais uma vez, percebe que nada mudou. Literalmente.


TEMPUS

FIC 1

O-MENINO-QUE-SOBREVIVEU

11 ANOS

Harry se lembrava claramente de como tudo começou e foi exatamente no mesmo dia em que o homem loiro mudara-se para a sua rua. Mais precisamente para a casa do outro lado da rua. Entretanto, dizer que ele se mudou era mais uma força de expressão do que o ato propriamente dito, pois na verdade o homem parecia ter surgido do nada dentro da rotina enfadonha da Rua dos Alfeneiros e em o que um dia foi o nº. 3 dessa mesma rua onde vivia os Montgomerys, no dia seguinte estava sendo habitado por outra pessoa. E parecia que somente o jovem moreno de olhos verdes notara esta mudança.

Para os outros moradores daquele lugar era como se o recém-chegado sempre estivera lá e comprovara isto no dia em que perguntara ao seu tio Válter quando foi que os Montgomery's tinham se mudado, o que fez o homem corpulento o encarar com uma expressão furiosa e gritar ao topo dos pulmões:

- Que Montgomery's menino imbecil? - e depois o mandou para o armário sob a escada pelo resto da tarde e sem direito a jantar. Seu tio não estava em um bom dia quando indagou isto. Mas, pensando bem, quando ele estava?

Por dias a sua curiosidade infantil o fez mirar constantemente aquela casa à procura de algum sinal de seu morador, não compreendendo em que um simples vizinho podia fasciná-lo tanto, mas parecia que o mesmo pouco tempo ficava dentro daquela residência. E quando finalmente a sua frustração se sobrepôs a sua curiosidade, algo surpreendente aconteceu.

O homem loiro disse "olá".

Era uma tarde quente de meio de julho e Harry estava contando silenciosamente e ansiosamente os dias para o seu décimo primeiro aniversário, pois sentia que algo importante estava por vir, quando aconteceu. O misterioso estranho estava sentado no jardim dianteiro da casa enquanto ele retornava para o nº. 4 depois de cumprir algumas tarefas para a sua tia na mercearia no fim da rua, e por entre as sacolas de compras que carregava nos braços magros, Harry o viu.

Ele aparentava ser jovem, talvez no final da adolescência ou mais novo, sua mente infantil não saberia precisar. Usava uma camisa negra com a foto distorcida de um relógio quebrado ao lado de uma rosa impressa no tecido. As longas pernas esticadas em frente ao corpo esguio sobre o gramado bem cuidado estavam envoltas em um jeans desbotado e os pés continham um par de tênis surrados.

Os cabelos ao refletir os raios de sol adquiriam vários tons diferentes, desde o loiro platinado, ao dourado e castanho claro. A pele era pálida, parecia não possuir uma imperfeição sequer pelo que viu nas partes que eram expostas e os olhos eram de um azul muito claro que contra a luz mudavam para uma tonalidade acinzentada. E quando estes mesmos olhos o miraram, ele sorriu e disse "olá".

Harry não pôde evitar o sorriso que deu de volta, pois de todos que moravam naquela rua e o consideravam um pobre coitado aceito pelos Dursley's, um futuro marginal, este era o primeiro que falava espontaneamente com ele sem olhá-lo atravessado. Por minutos ficou observando o estranho e foi o som estridente da voz de sua tia o chamando que o trouxe para o mundo terreno e com as bochechas vermelhas por estar encarando o homem por muito tempo, ele correu para casa.

Nos dias que se seguiram Harry viu-se tentado a perambular mais que o costume pelo bairro apenas para ter outro relance do homem loiro que misteriosamente o fascinou e que de alguma maneira, mesmo diante do breve encontro deles, o transmitia alguma paz, alguma esperança. O porquê disso, ele não saberia dizer. E por isso que quando as estranhas cartas começaram a aparecer ele ficou irritado e ao mesmo tempo feliz. Feliz por alguém de fora do seu mundo da Rua dos Alfeneiros saber que ele existia, que poderia tirá-lo daquela vida que ele detestava.

Irritado porque a cada dia que se passava o seu tio ficava cada vez mais furioso ao ponto de chegar um dia ele resolver colocar todos os pertences e família no carro e rodar país adentro a procura de um refúgio contra quem quer que esteja querendo contatar o jovem Potter. No final Harry apenas voltou a ver o homem semanas depois quando retornou ao bairro com grandes novidades sobre os ombros e novas perspectivas para o futuro.

Sorrindo ele saltou do carro, aceitando sem protestos as ordens do tio de descarregar as malas enquanto a família ainda traumatizada com o encontro de dias atrás foi se refugiar na segurança de sua casa. Com o corpo diminuto e a pouca força de um menino com recém completos onze anos, Harry retirou as bagagens do veículo e logo tropeçou sobre os próprios pés quando o malão de madeira que ele adquiriu, um dos primeiros objetos que ele poderia chamar de seu, pesou contra o seu corpo quase o levando ao chão. O que não aconteceu graças a uma mão que segurou na outra alça do malão, rapidamente equilibrando o peso.

Os olhos verdes do menino seguiram largos o percurso dos dedos pálidos a extensão do braço de igual cor até se encontrarem com o rosto do loiro que lhe sorria suavemente enquanto depositava a mala no chão e depois estendia a mão em cumprimento para Harry. Por um tempo o garoto ficou olhando aquela mão estendida, lembrando-se de todas as vezes que ouvira a sua tia Petúnia dizer a Duda para nunca falar com estranhos, e desconfiou. E se fosse um tarado - embora não soubesse direito o que significasse isto - ou coisa parecida que raptava criancinhas solitárias e inocentes? Seus olhos voltaram-se ao rosto do homem e este sorriu sabiamente, como se soubesse o que ele pensava.

Rapidamente Harry deu um relance para a porta aberta da casa, percebendo que conseguia ver as sombras de sua família se movimentando no corredor de acesso a sala e a cozinha e pensou que se o pior acontecesse e ele gritasse bem alto, eles poderiam vir socorrê-lo. Ou ao menos esperava que sim. Na pior das hipóteses eles poderiam ignorá-lo. Quando voltou a sua atenção ao loiro viu que ele ainda esperava uma reação sua e decidido aceitou a mão em cumprimento, sentindo um calor agradável e uma sensação de segurança percorrer o seu corpo apenas com este gesto.

- Luc. - o rapaz apresentou-se seriamente e o menino assentiu com a cabeça em concordância, embora achasse que ele não tivesse cara de Luc.

- Harry. - completou e foram com essas simples palavras que tudo começou.

12 ANOS

O apito do trem ecoou pela estação, anunciando de maneira teatral a sua chegada. A fumaça da locomotiva começava a preencher a plataforma e quando a mesma parou sobre os trilhos, portas foram abertas e uma horda de adolescentes de variadas idades desceram dos vagões. Logo um garoto de arrepiados cabelos negros, óculos arredondados, cicatriz na testa e intenso olhos verdes, desceu do trem sendo acompanhado por mais dois jovens. Uma menina de cheios cabelos castanhos e um garoto de berrantes mechas ruivas. Em um gesto brusco a garota o abraçou, despedindo-se do moreno rapidamente, e recolhendo os seus pertences sumiu através da pilastra entre as plataformas 9 e 10.

Logo foi a vez do menino ruivo que, diferente da pressa da garota, prezou-se a acompanhar o amigo até o outro lado da estação onde pessoas apressadas passavam despercebidas pelas duas plataformas mal notando que de dentro da pilastra sólida a cada minuto surgia uma pessoa empurrando um carrinho com malões e gaiolas de corujas.

- Pode deixar que eu vou te escrever. - avisou o ruivo, dando um sorriso e um adeus por cima do ombro antes de sumir novamente pilastra adentro. Harry ainda ficou alguns minutos parado vendo o amigo desaparecer e o sorriso em seu rosto não esmoreceu nem mesmo quando ele encontrou-se com o tio eternamente mal humorado o esperando na entrada de King's Cross.

O ano havia sido fantástico, atemorizante e fascinante ao mesmo tempo, como ele previra que seria no dia em que descobriu que era um bruxo. Hogwarts havia superado as suas expectativas e havia despertado desconhecidos temores.

O encontro cara a cara com Voldemort, o homem responsável pela morte de seus pais, tinha acontecido e ele o tinha enfrentado. Com o coração aos pulos, com as mãos trêmulas e suadas, com o sentimento de culpa por ter envolvido seus amigos nesta confusão, os primeiros amigos que fizera, e com a sensação de que ele era o único que poderia fazer aquilo, ele o tinha enfrentado. E o curioso era que no momento em que estava dentro daquele alçapão com apenas o professor e ele frente a frente, Luc foi à primeira coisa que veio na sua mente.

Foi a sua bóia salva-vidas quando o pensamento racional de que ele era apenas um menino de onze anos prestes a encarar um bruxo crescido transpassou a barreira criada pela adrenalina e falsa coragem. Por um momento, quando estava na ala hospitalar recuperando-se da aventura, pensou em escrever ao loiro para agradecer a ajuda inconsciente, até que se lembrou que o mesmo, assim como milhares iguais a ele ao redor do mundo, deveria achar que mágica era coisa de conto de fadas.

Perdido em pensamentos mal registrou quando suas coisas foram colocadas no carro, ou quando entrou no mesmo e rumou de volta à casa que há anos ele não considerava mais lar e depois da sua ida para Hogwarts esta perdeu o posto prontamente. Logo o veículo estacionou em frente à entrada bem cuidada dos Dursley e sem dar um relance ao sobrinho, Válter embrenhou-se dentro da casa deixando Harry para trás para cuidar de suas coisas. Um pouco mais alto e talvez não tão mais magro que meses atrás, o garoto teve menos dificuldade de retirar a bagagem do carro e quando colocou esta na calçada, foi socorrer uma coruja que piava intensamente dentro do automóvel.

- Uma coruja branca da torre. Não se vê uma dessas todos os dias. - uma voz suave comentou ao seu lado e assustado o garoto pulou no lugar para ver que o homem que predominava os seus pensamentos mais cedo estava ao seu lado. - Olá Harry. - o cumprimentou, voltando rapidamente o olhar para a coruja. - Eu me pergunto... - disse displicente, como se o fato de ter presenciado um pré-adolescente carregar uma gaiola que continha uma ave selvagem dentro fosse algo corriqueiro. - Se você tem uma coruja, por que não me escreveu? - brincou e as sobrancelhas negras do garoto franziram em curiosidade.

Talvez estivesse errado, talvez Luc soubesse mais do que deixava transparecer.

- Como você sabe que ela é para correio? - perguntou bestamente e o rapaz sorriu matreiro, dando um leve chute com a ponta do pé no malão que descansava sobre o caminho pavimentado até a entrada da casa.

- Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts somente aceita três tipos de animais: sapos, ratos e corujas. - recitou como se tivesse tirado tal fato de um livro didático. Talvez estivesse em Hogwarts, Uma História, o qual Hermione parecia ter viciado. O que levantou outras questões na mente do garoto.

- Freqüentou Hogwarts? - uma expressão séria e sombria cruzou o rosto do loiro, mas prontamente desapareceu, sendo escondida por um sorriso que a Harry pareceu forçado.

- Venha tomar um chá comigo qualquer dia desses e me conte sobre as suas experiências. - convidou sem preâmbulos e rodou sobre os pés, atravessando a rua envolto em uma canção que assoviava e sumiu casa adentro, deixando o menino aturdido para trás. Harry sacudiu a cabeça para espantar os pensamentos de como aquele homem era estranho e que ele o lembrava do diretor Dumbledore e mais do que depressa carregou as suas coisas para dentro do nº. 4, apenas para ver as mesmas sendo prontamente trancadas pelo seu tio sob o armário da escada.

A aceitação do convite para o chá veio somente uma semana depois do seu retorno para a Rua dos Alfeneiros, por causa de uma tarde particularmente irritante onde a sua tia resolvera pirar mais que o usual e começar a limpar a casa feito uma maluca. Ou melhor, fazer Harry limpar a casa enlouquecidamente enquanto ela supervisionava tudo acomodada confortavelmente em seu caro sofá. Ou então sumia à tarde em inteira na cidade fazendo compras. E foi e um desses dias em que ela saiu que o jovem resolveu atravessar a rua e viu-se em frente à porta do nº. 3, batendo na mesma e sendo rapidamente atendido.

Luc o olhara como se não estivesse nada surpreso com a aparição dele e num gesto fluído de braço o convidou a entrar. Hesitante e ainda um pouco desconfiado diante da aproximação tão repentina do homem a sua pessoa, ele adentrou a casa, olhando tudo a sua volta com desmedido interesse. Diferente da residência dos Dursley, a casa do loiro não era doentiamente organizada, com cada coisa em seu devido lugar e milimétricamente arrumado. O sofá de couro não combinava com as cadeiras de madeira e menos ainda com o carpete azulado. Livros, papéis e derivados estavam precariamente empilhados sobre uma mesa onde havia um abajur velho e com a base rachada.

A lareira precisava ser limpa, não havia uma televisão, mas ele possuía um velho aparelho de som. A cozinha era pouco mobiliada e tinha apenas a bancada para se comer, sem uma mesa de jantar. Sem demoras, o rapaz encaminhou-se para o fogão onde uma chaleira já apitava e derramou a água quente dentro das canecas prontas para preparar a infusão. Logo depois trouxe os dois copos para sala e entregou um a Harry, sentando-se em seguida sobre o carpete azul e tomando um gole de sua bebida, depositando a mesma depois na mesa de centro, dando tapinhas com a palma da mão no espaço vago ao seu lado e o convidando a sentar-se.

Rapidamente o moreno praticamente desabou ao lado do homem e sem se importar se o que fazia poderia ser perigoso ou errado, tomou um gole de seu chá, sentindo-se relativamente mais calmo e menos frustrado. Mas mesmo assim não conseguiu reprimir o bufo de irritação que estava preso em sua garganta há dias.

- Algo errado? - perguntou o loiro com uma sobrancelha erguida e Harry o olhou longamente antes de disparar à primeira das várias perguntas que estava em sua cabeça desde o encontro deles na semana passada.

- Se não estudou em Hogwarts, como conhece a escola? Você é bruxo ou apenas um entendido do assunto? Ou aquilo foi blefe? Se é bruxo o que faz morando aqui? - o rapaz deu um meio sorriso para ele e recolheu sua caneca, tomando mais um gole.

- Hogwarts é famosa ao redor do mundo, a escola de magia mais velha que existe. Sim, sou um bruxo. Não, não foi um blefe. E eu gosto desta rua, qual o problema? - respondeu calmamente e esperou pacientemente que o garoto processasse o que havia dito. - Agora que saciei as suas dúvidas, você poderia responder as minhas perguntas. O que há de errado? - e Harry contou tudo, sem saber por que dizia a um completo estranho todas as aflições que ele ainda não tinha criado coragem de contar aos seus dois novos melhores amigos.

Contou sobre como a descoberta de ser um bruxo havia sido uma surpresa gostosa e um pesar. Contou como ele ainda achava estranho o fato de todos virarem a cabeça quando ele passava pelos corredores da escola por ele ser relativamente famoso. Contou sobre a sua aventura naquele ano, sobre a pedra filosofal, sobre Voldemort que até algum tempo atrás não passava de um capítulo nos livros de história e a quem os outros temiam dizer o nome, até que o encontrou pessoalmente. Contou sobre os seus amigos, suas aulas, mas, principalmente, contou a sua frustração sobre o fato de uma semana ter se passado e ele não ter recebido uma carta sequer de ditos amigos.

- Talvez eles estejam ocupados. - explicou Luc e Harry por um momento considerou a hipótese. - Dê um tempo a eles, logo eles dão notícia. - finalizou e silêncio seguiu-se logo após, com os dois bebericando de seus chás frios e Potter olhando mais uma vez distraidamente em torno da sala. Notou que diferente da casa de seus tios, não havia fotos espalhadas sobre a lareira ou pelas paredes que nuas não suportavam um quadro sequer. Não havia pertences pessoais fora os livros e papéis e que os móveis em si, mal combinados e mal arrumados, geravam uma impessoalidade que não fazia aquele local receber o título de lar.

- Talvez eu devesse ir. - disse o menino quando percebeu que o seu desabafo havia lhe roubado duas horas de seu tempo e que logo a sua tia estaria voltando para casa esperando que o jantar estivesse ao menos metade pronto. - Obrigado pelo chá. - desejou, depositando a caneca sobre a mesa e não esperando que o outro se levantasse para acompanhá-lo até a porta, sumindo da casa rapidamente e retornando a sua.

Estranhamente, mesmo depois da visita desajeitada de dias atrás, Harry mesmo assim encontrou-se indo periodicamente ao nº. 3 tomar um chá com biscoitos e relatar de maneira entusiasmada ou frustrada os acontecimentos de seu dia. Descontar a raiva que estava sentindo dos seus supostos amigos que não escreviam e do fato de que com todas as suas coisas trancadas sob o armário da escada e a aproximação do final de julho, ele ainda não tinha conseguido fazer metade dos deveres que os professores passaram. E já podia imaginar Snape fumegando sobre a sua nuca de prazer pelo seu fracasso.

- Hei! - ele soltou em uma tarde. - Talvez você pudesse tirar o malão de lá para mim. - Luc apenas arqueou as sobrancelhas em resposta, desviando seu olhar do livro que lia. Ele sempre estava fazendo alguma outra coisa enquanto escutava Harry tagarelar em seu ouvido, soltando comentários vez ou outra em alguma passagem mais interessante da história do garoto.

- Sem chances. - respondeu, fechando o livro sobre uma página marcada. - E é melhor você voltar, está tarde. - avisou e apressado como de costume, o garoto saiu da casa correndo e voltou para o nº. 4 no que seria a sua última visita ao vizinho. Pois logo depois, na noite seguinte, um incidente envolvendo uma torta, um elfo doméstico e uma coruja, o fez ser prontamente trancado em seu quarto pelo resto do verão e mirar com ódio a casa em frente onde ele sabia haver um homem que poderia ajudá-lo a se livrar dessa, mas nada fazia.

Todas as noites ele conseguia ver a silhueta de Luc na janela do segundo andar do nº. 3, onde ele presumiu ser o quarto do homem, e todas as noites ele sabia que o loiro podia ver claramente a sua situação de desespero, mas nada fazia. Por quê? Será que, como ele, o rapaz ainda era um bruxo menor de idade embora não parecesse? Se fosse, por que não estava na escola? Onde estavam os pais dele? A família dele? Não lembrava de tê-lo visto exercer qualquer mágica neste mês em que eles se conheceram e por isso começava a duvidar das palavras dele.

E com esses pensamentos em turbilhão na cabeça ele foi dormir um sono regado a sonhos esquisitos e interrompido quando um carro voador praticamente aportou ao lado de sua janela. O aparecimento de Ron e dos irmãos pareceu ser uma luz iluminando o fim do túnel e a cara surpresa de seus tios quando o viram fugir de casa valeu por todas as semanas em que ele praticamente viveu isolado naquele fim de mundo que era o Surrey. Alegre por sua enfim liberdade e por saber que o amigo não o tinha esquecido, Harry nem ao menos percebeu que um rapaz loiro observou toda a sua fuga dos jardins de sua casa, soltou um suspiro e deu um aceno desolado de cabeça, voltando para dentro da residência para esperar pelo próximo ano que viria.

13 ANOS

- Quantos anos você tem? - Harry quebrou o silêncio enquanto via o relógio barato badalar sobre a lareira. Havia sido um presente que ele encomendara para Luc no Natal, pois achava que ao menos um toque pessoal àquela sala deveria ter, e o relógio, quando o viu no catálogo, pareceu ser uma boa pedida. Ainda mais que ao ver a peça na foto, lembrou-se de que a casa do loiro não possuía nenhum item de função semelhante. Não vira a cara do rapaz quando recebeu o presente, pois se tivesse visto, teria achado estranho a erguida de sobrancelha e a risada irônica que ele deu quando viu o relógio, apenas obteve como resposta uma curta carta de agradecimento e uma caixa de chocolates como lembrança.

- Vinte. - disse sem rodeios, anotando alguma coisa no pedaço de folha amarelado na sua frente. Por várias vezes Potter tentou espiar sobre o ombro do jovem o que ele tanto escrevia, mas a única coisa que encontrava eram equações complexas e frases em um dialeto que ele tinha certeza não era o mesmo inglês que aprendeu na escola.

Era mais uma tarde quente de verão, mais uma de suas longas e tediosas férias, mais uma em que ele ia se refugiar na casa do vizinho. Seus tios estavam ficando desconfiados de seus longos sumiços, mas nada diziam. Desde que ele cumprisse com as suas obrigações e semelhantes, a quem importava o fato de que a "aberração" estava fora de casa? Com certeza eles esperavam que chegasse o dia em que Harry sumisse de vez. E ele faria isso, se tivesse para onde ir.

Embora tivesse amigos, não gostava de ser um fardo, sabia que Ron ou Hermione lhe ofereceriam abrigo em dois tempos, mas não era a obrigação deles aceitarem o rapaz enjeitado. Luc talvez fizesse o mesmo, mas se fosse para partir, Harry preferia ir para um lugar bem longe de sua família e não simplesmente para a casa do outro lado da rua onde no momento ele se escondia desde que retornara de Hogwarts há dois dias e contava as suas novas aventuras ao loiro ao seu lado.

Observou que enquanto relatava o caso do basilísco, vira como a expressão sempre impassível do rapaz tinha ido de surpresa a séria em questão de segundos e em como os lábios vermelhos se torceram em desagrado quando chegou na parte em que a enorme serpente cravou a sua presa no braço de Harry.

- Foi uma estupidez o que você fez. - foi o que ele dissera como comentário e Potter por um breve momento sentiu todo o orgulho de seu grande feito heróico esvair em um instante e a racionalidade sobrepor-se ao fascínio infantil por ter, mais uma vez, escapado de Voldemort e da morte. Realmente havia sido estúpido o que ele fizera. - Mas útil. - o homem completara e o garoto não entendera nada, apenas piscando levemente diante deste complemento. - Um dia você vai ter que enfrentar Voldemort diretamente, uma hora ele vai vir te assombrar e não será na forma de uma memória ou possuindo um corpo. E eu me pergunto: o que você vai fazer? Cair de cabeça no perigo ou analisar suas táticas? - o menino coçou a cabeça sem entender. Geralmente seguia os seus instintos e eles normalmente o levavam pelo lado certo. Embora sempre tivesse o cérebro de Hermione e a lealdade de Ron para ajudá-lo.

- Bem, até agora tudo o que eu fiz deu certo, por que não continuar assim? - disse inocentemente e uma expressão de fúria passou pelo rosto do loiro por um breve momento, como se ele tivesse dito uma enorme burrada, mas logo a mesma sumiu sendo substituída apenas por resignação.

- Você não pode contar com os seus amigos para sempre, Potter. - o repreendeu com frieza, em um tom como se estivesse o chamando de estúpido e Harry sentiu uma réplica atravessada vir para a ponta de sua língua. - Como líder, você tem que aprender a pesar os prós e contras de seus atos. - completou azedo e o menino empertigou-se.

- Líder? Líder? Fala como se eu estivesse à frente de um grupo rebelde ou coisa parecida... - calou-se quando viu os olhos azulados o mirarem com firmeza.

- Você não tem a mínima noção de sua grandeza, tem? - Luc sacudiu a cabeça em desagrado. - Está a quase três anos no mundo bruxo e ainda não sabe quase nada sobre o peso da lenda do Menino-Que-Sobreviveu e Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. - quis complementar com um "como alguém pode ser tão estúpido com a própria história?", mas controlou-se, indo apenas até a mesa atulhada de livros e recolhendo dois volumes os quais jogou para o moreno.

- Tempo das Trevas, Uma História não Contada e A Arte da Guerra? - leu os títulos dos livros com as sobrancelhas franzidas.

- Leia os livros e aprenda que sorte não é a manivela que faz girar o mundo. - aconselhou em um tom mórbido. - E depois vamos ver se você ainda vai continuar dizendo essas besteiras. - completou e praticamente enxotou o menino para fora de sua casa, esperando que algum conhecimento finalmente entrasse na mente dele e quando isto acontecesse os dois pudessem ter uma conversa mais inteligente. Pois estaria esperando por isso.

No entanto, a conversa que ele ansiava para comentar sobre a leitura de Potter nunca aconteceu, pois pouco tempo depois o garoto encontrou-se preso na própria casa para servir as vontades da irritante tia Guida e ouvir calado as ofensas dela. Isso até o momento em que a última gota que faltava para entornar o copo d'água pingou e no instante seguinte ele via a mulher inflar como balão, resultado de sua fúria e magia descontrolada, e sair flutuando sobre Surrey enquanto ele corria para o seu quarto, recolhia as suas coisas, ameaçava a sua família e saia as pressas da casa arrastando o malão atrás de si.

E quando minutos depois ele subia no Noitibus Andante a caminho do Caldeirão Furado depois de toda essa balbúrdia, mal notou quando das sombras do parque infantil surgiu uma figura de cabelos claros e olhar intenso que observou o veículo roxo berrante sumir rua abaixo antes de voltar a sua atenção ao enorme cão negro que observava a cena toda por detrás de uma moita. Deu um sorriso de escárnio quando os orbes azulados do cachorro o miraram intrigados e ao ver os pêlos das costas do mesmo eriçarem de desconfiança, gargalhou.

- Por que não vai cavar uma cova em algum lugar por aí, vira-latas? - disse maldosamente. - Que do Potter cuido eu. - e desapareceu em um estalo.

14 ANOS

- Ora, ora, ora Weasley, não sabia que a sua família pobretona seria capaz de chegar tão longe. O que seu pai teve que vender para conseguir os ingressos? Um de seus irmãos? - a voz arrastada chegou aos ouvidos do grupo, atiçando prontamente o temperamento curto de Ron e o ruivo iria partir para cima do provocador se não tivesse sido segurado pelos amigos.

Os orbes verdes de Harry prenderam-se na criatura desprezível que era Theodore Nott, um sonserino do ano deles na escola e que era responsável por todos os maus bocados que o trio grifinório havia passado nesses anos. Nott havia sido o primeiro bruxo que conversara quando aos onze anos, fascinado e assustado, entrou com Hagrid no Beco Diagonal. Ele havia sido o motivo por ter pedido ao chapéu seletor que não o colocasse na Sonserina, ele era o motivo das brigas, das piadas de mau gosto, o falso dementador no campo de Quadribol, das detenções.

Pelo que sabia, Nott não tinha pais. Não, enganava-se, ele tinha um pai Comensal da Morte em Azkaban e a mãe que era falecida e, por isso, o menino havia sido acolhido por uma família poderosa chamada Malfoy. Uma família que, segundo os Weasley, era tão negra quantas as vestes de Hogwarts. Lucius, o patriarca, fora um Comensal que escapou da prisão graças ao seu dinheiro e lábia e Potter teve o desprazer de conhecer o homem no segundo ano quando o mesmo fora o responsável pelo diário no caldeirão de Ginny e depois quando libertou o elfo dele apenas para ver com deleite a cara de fúria de Malfoy.

E por causa disso, por causa do nome que o sustentava pelas costas, por causa do fato de que estava sob as asas de Lucius, Nott achava-se no direito supremo de pisar em todos aqueles que estivessem abaixo dele. O que, na concepção do garoto sonserino, com certeza era metade do mundo.

- Devagar Theodore. - a voz grave e aristocrática de Lucius preencheu o espaço onde eles estavam, parecendo misteriosamente sobrepor-se a balbúrdia que os rodeava. Pessoas passavam ao redor deles, empurrando e pedindo licença para chegarem aos seus assentos, e pareciam ignorar completamente a confusão que estava prestes a se instalar naquele lugar. O Sr. Weasley havia finalmente alcançado a plataforma onde eles estavam e aos poucos assimilava a situação, soltando logo em seguida um curto cumprimento polido.

- Malfoy. - disse o patriarca de maneira seca e falsamente amigável.

- Weasley. - Lucius rebateu brevemente, lançando um olhar de esguelha quando percebeu que a pessoa que esperava que alcançasse os dois homens finalmente chegara àquela plataforma.

O olhar de Harry também acompanhara o de Malfoy apenas para ver que uma mulher prostrara-se ao seu lado e o garoto presumiu que aquela fosse à esposa do homem. Ela era bonita, com longos cabelos loiros, quase platinados, e intensos olhos azul-acinzentados. Vestia-se elegantemente, portava-se elegantemente, e se não fosse à expressão gélida em seu rosto com certeza seria mais bela. A mulher o encarava com as sobrancelhas franzidas e uma expressão de desmedido nojo e a atenção dela apenas foi divergida quando um puxão em seu braço a fez olhar para baixo. E Potter olhou também, apenas para ver algo que simplesmente não parecia combinar com aquela cena.

Em uma das mãos da Sra. Malfoy estava um menino, quatro anos no máximo, de curtos e claríssimos cabelos loiros e grandes olhos azuis. Pele pálida, bochechas rechonchudas e rosadas, vestido elegantemente com trajes bruxos e olhando tudo a sua volta com um misto de curiosidade e medo. A expressão gélida no rosto de Narcissa havia se desfeito quando ela mirou o garotinho e um sorriso suave surgiu em seus lábios. Um sorriso que Harry teve a impressão de já ter visto em algum lugar. A mulher pareceu cochichar algo para o menino e depois se ergueu, ajeitando os cabelos claros para depois virar-se para o marido.

- Draco está ficando inquieto, melhor irmos. - a menção do nome do filho, Lucius virou-se para a criança que segurava com força a mão da mãe e assentiu com a cabeça levemente.

- Vamos Theodore, não vale a pena perder tempo com tal gente. - completou o homem com desprezo, colocando uma mão grande sobre o ombro do adolescente e o guiando para fora da multidão, a caminho dos camarotes de honra. Narcissa ainda ficou um breve momento para trás, dando um último relance ao grupo de ruivos e a Harry e Hermione, antes de pegar o filho no colo e seguir o mesmo caminho que o marido. Porém, antes de sumir na multidão, Potter ainda teve o prazer de ver Draco dar um aceno de despedida para ele por cima do ombro da mãe acompanhado por um grande sorriso de dentes de leite. E Harry, diante de tal gesto tão inocente, não pôde evitar em retribuir.

- Não dou um ano para eles estragarem o garoto. - a voz de Ron ao seu lado o fez voltar a atenção para o amigo e ver que os Weasley voltaram a se mover, subindo mais ainda as escadas em direção ao lugar deles.

- Não seja tão pragmático Ron. - Hermione riu divertida diante dos resmungos do amigo, embora não pudesse lhe tirar a razão. Os Malfoy estragariam o filho assim como estragaram Theodore Nott, pois sabia que fora a influência da família que piorara o que já deveria ser a personalidade ruim do sonserino.

Minutos depois eles alcançaram o lugar deles e todo e qualquer embate com Theodore foi esquecido no momento em que a partida de Quadribol começou, agitando a multidão que conseguia com o seu barulho superar a voz de Ludo Bagman que narrava animadíssimo a partida. Harry, mesmo sem ter um time de coração e apenas indo de acordo com as preferências de seus amigos, gritava e torcia com a mesma intensidade que muitos fãs fanáticos e ria a valer cada vez que um Sr. Weasley empolgado soltava um xingamento e depois virava-se com uma expressão culpada para as crianças e dizia:

- Não contem isso para a Molly. - os fazendo rir mais ainda. A partida seguiu acirrada, com a Irlanda e a Bulgária simplesmente lutando no mesmo nível em busca do título. Entretanto, quando Krum pegou o pomo de ouro, o estádio explodiu em ovação, mesmo que a vitória não tenha sido dos búlgaros. Animado e ainda com a adrenalina da comemoração percorrendo o seu corpo, Harry começou a acompanhar os amigos arquibancadas abaixo, tentando fazer caminho no meio da multidão e ainda chocado ao ver tantos bruxos e bruxas reunidos em um lugar só. Ron e George pareciam discutir calorosamente alguma coisa ou outra sobre o jogo enquanto Fred e Ginny escolhiam a que lado apoiar na discussão dos dois irmãos.

Quando finalmente o grupo chegou à terra firme e um fogo de artifício soltado por um bruxo mais empolgado atraiu a atenção de Harry para os céus, ele o viu. A alguns metros de distância, sendo banhado pelas luzes multicores dos fogos, a figura de Luc. Simples, quase imperceptível em sua camisa negra, calça jeans e tênis, mas ao mesmo tempo tão imponente com os cabelos loiros e sem corte sendo balançados pela brisa e os reflexos coloridos dos fogos lhe dando um ar etéreo, como o de um anjo.

- Harry? O que foi? - Hermione o chamou quando viu o garoto parar no meio do caminho, servindo de bloqueio para aqueles que passavam e tentavam chegar rapidamente ao acampamento para continuar a festa, e quase sendo levado pela horda por causa disso. Os olhos castanhos dela seguiram a mesma linha de visão do amigo e o viu mirando intensamente um homem loiro ao longe que encarava o moreno com a mesma força. - Você o conhece?

Se o conhecia? Vê-lo ali o fez se lembrar de que não falava com Luc desde as férias do ano passado. A correria da volta de Hogwarts, a ansiedade para receber o convite de Ron para assistir a Copa Mundial de Quadribol, o fato de que todas as vezes que bateu no nº. 3 o homem não se encontrava em casa, o fez perceber em como sentiu falta daquele que se tornara a sua única companhia e consolo durante as férias de verão. Certo que as cartas de seus amigos o ajudava a encarar tudo com mais facilidade, mas eram as conversas com Luc, seus conselhos, suas reprimendas, seus comentários e sua ajuda em algumas lições de casa que era o que ele mais visionava cada vez que saía do expresso de Hogwarts ao fim de mais um ano letivo.

O rapaz a seu ver não mudara nada neste último um ano e continuava exercendo o mesmo fascínio que exercera em Harry na primeira vez que o viu. Inconscientemente as suas pernas começaram a levá-lo em direção ao homem, mal reparando nos chamados de Hermione atrás de si e o fato de que agora Ron também os acompanhava. Precisava falar com o loiro, precisava dos conselhos dele, contar as novidades. Dizer o que tinha acontecido este ano. Porque era extremamente estranho o fato de que o homem conseguia fazê-lo contar tudo sobre si, mas, ao mesmo tempo, não sabia nada sobre ele. Queria falar sobre Sirius, Pettigrew, o fato de que logo se livraria dos Dursley.

Queria dizer sobre a Cho, à menina que fazia seus joelhos tremerem e seu coração bater mais forte. Contar como ganhou o campeonato de Quadribol de Hogwarts. De como sentiu falta dele e de seus chás. Luc não tinha lhe respondido uma carta durante o ano passado inteiro e Harry achou que algo de muito ruim tivesse acontecido. Ou, na pior das hipóteses, o homem o tivesse esquecido, se mudado, o abandonado. E vê-lo ali, tão perto do seu alcance, fazia o seu coração pular de alívio ao saber que esta constante em sua vida não tinha sido alterada..

- Harry! - o grito de Hermione o fez parar por um segundo e olhar por cima do ombro para a amiga.

- O que foi? - respondeu e quando voltou a sua atenção para frente surpreendeu-se. Luc havia sumido no meio da multidão, o que causou um grande aperto dentro do peito de Harry e uma sensação enorme de abandono.

- Vamos Harry. - Granger o segurou pelo pulso, o puxando em direção ao acampamento e relutante o rapaz a acompanhou, olhando vez ou outra por sobre o ombro para ver se conseguia vislumbrar a figura mais uma vez no mar de pessoas que os rodeava.

Por outro lado, sob a sombra de um alto salgueiro, o mencionado loiro apenas observava o garoto moreno ser levado pelos amigos de volta as barracas e voltar a participar da festa. Um movimento mais ao longe divergiu a sua atenção para um grupo de homens que conversavam aos cochichos a alguns metros de distância de onde estava, vários deles com posturas arrogantes e aura tenebrosa e o mais alto de dentro da roda lhe chamou a atenção. Ele tinha cabelos loiros, claros, mas não ao ponto de serem platinados, e olhos frios e azulados. Como se sentindo que estava sendo observado, o homem virou-se em sua direção e uma expressão curiosa passou pelo rosto dele ao ver o rapaz parado sob a árvore.

Luc deu um sorriso de escárnio a Malfoy, fazendo um meneio de cabeça e virou-se sobre os pés, sumindo na escuridão da floresta que rodeava aquele descampado e pondo-se a esperar. Horas mais tarde, quando o silêncio do acampamento foi substituído pelos gritos de terror impostos pelos Comensais que torturavam os trouxas responsáveis por aquele local, o loiro saiu de seu esconderijo, vendo com indiferença os bruxos atemorizados correrem em direção a floresta.

- HARRY! - o grito lhe chamou a atenção e ele virou-se a tempo de ver a figura de Harry Potter passar bem perto de onde ele estava, mas sem notá-lo, sumindo logo depois com os amigos por entre as árvores. Minutos depois a confusão aumentava diante do aparecimento dos aurores e quando um grito ecoou na escuridão da noite e a marca negra despontou nos céus gerando mais medo, o rapaz assentiu com a cabeça, vendo que o seu trabalho estava cumprido e num estalo desapareceu.

Não era nada fácil fazer a vida de Harry Potter.

15 ANOS

A almofada estava sofrendo, Luc tinha certeza disso, pois não haveria maneira de como um simples objeto, mesmo que inanimado, recebesse um olhar daqueles e não sofresse. Potter encarava a peça de decoração do sofá com tal desprezo e fúria que o homem tinha a impressão de que a mesma entraria em combustão a qualquer momento e em se tratando do Menino-Que-Sobreviveu-E-Não-Sabe-Controlar-A-Sua-Magia-Quando-Irritado, este fato não seria uma coisa estranha de se ver.

Potter havia retornado de seu quarto ano em Hogwarts mais sombrio que o usual e diferente das outras vezes ele não correu diretamente para a sua casa e começou a relatar com aquela empolgação infantil seus feitos, como se o fato de ter praticamente arriscado a sua vida e levado os amigos pela mesma roubada fosse algo corriqueiro. Na verdade ele apenas passou pela porta, sentou-se ao seu lado e ficou encarando a almofada que agora sofria sob o olhar de desprezo do menino.

Mas mesmo assim, mesmo sem dizer nada, Luc ainda não conseguia compreender como o garoto não captava as dimensões desproporcionais do problema e chegou a lhe perguntar se ele tinha lido algum dos livros que o emprestou.

Não ficou surpreso quando tudo o que Harry fez foi dar um sorriso sem graça e dizer que não havia nem ao menos tocado nos volumes. Quando ele persistiu e perguntou o porquê, oferecendo mais uma caneca de chá para o garoto, ele resolveu soltar o jogo e desabafou tudo.

Contou desde o momento em que seu nome apareceu no Cálice de Fogo até à hora em que a taça do torneio o levou ao cemitério onde Voldemort esperava. E foi nesta parte que novamente o ar mórbido que cercava o garoto desde que ele retornara recaiu sobre o mesmo e quando ele completou que fazia semanas, como no segundo ano, que as cartas dos amigos não lhe esclareciam nada ou então nada eles diziam como respostas as suas perguntas sobre o que acontecia no mundo bruxo, ele apiedou-se um pouco do menino.

Parecia que agora Harry tinha finalmente captado a imensidão do problema e precisou um duelo que quase o matou com um bruxo das trevas e a atual morte de um colega de classe para ele perceber que a sorte nem sempre favorecia os bons. Ficou tentado por um momento de dizer um "eu te avisei" para o garoto, mas essa não era a sua função e muito menos a situação adequada. No fim apenas soltou um suspiro e num gesto anormalmente afetuoso colocou a mão sobre os cabelos negros e os afagou.

Potter ficou surpreso ao sentir o gesto de consolo e olhou com olhos largos para o homem ao seu lado. Luc era um amigo estranho, ele não era mandão e ao mesmo tempo carinhoso como Hermione, ou divertido e temperamental como Ron. Na verdade ele era distante, não dado a afetos e desde que o conhecera Harry percebeu que o loiro o tratava como um adulto, e não como uma criança ou o rapaz que ele estava se tornando. Era como se ele já tivesse conhecimento de antemão do que estava acontecendo na vida do menino antes mesmo que ele contasse alguma coisa, e quando ele contava alguma coisa a expressão impassível não transmitia nada, nem ao menos um pingo de surpresa.

- Sabe o que eu notei? - falou depois que a mão pálida largou suas mechas negras e voltou a virar as páginas do livro em que lia. Luc estava sempre fazendo algo quando Harry vinha visitar e o adolescente sabia que lá no fundo não desprender completa atenção ao convidado era falta de educação, ia contra as regras de etiqueta, e tinha a certeza que a sua tia morreria se conhecesse um rapaz tão pouco refinado. Mas, por outro lado, não se incomodava com este costume do outro jovem, aliás, não conseguia imaginá-lo de outra maneira cada vez que praticamente invadia a casa dele sem ser convidado. Luc sempre deixava a porta da frente destrancada, durante o dia ou a noite, como se estivesse esperando a qualquer hora uma visita de Harry.

O menino claro que achava isto um gesto perigoso, ainda mais agora que Voldemort voltara, mas ao mesmo tempo não tinha coragem de fazê-lo mudar tal hábito, pois se sentia apreciado pelo fato de que alguém não se importava com a intrusão do jovem em sua vida. Entretanto, a única mania de Luc que Potter não gostava era o fato de que raramente o homem o encarava. Era como se ele fizesse isso de propósito, pois não queria que o menino gravasse em sua mente o rosto apresentado em frente a si. O que, na verdade, era uma atitude inútil. Harry conhecia cada traço, cada trejeito, do misterioso loiro.

Poderia fechar os olhos e desenhar mentalmente a face do rapaz, desde os lábios vermelhos e bem formados ao nariz afilado, olhos estreitos e penetrantes. Poderia recitar os tiques e manias dele, desde morder a língua enquanto pensava ao fato de que ele vivia jogando uma mecha incômoda do cabelo para trás da orelha cada vez que esta caía sobre os seus olhos. Poderia dizer de cor quais eram as roupas que ele mais costumava usar, seu chá favorito, seus biscoitos favoritos e o fato de que ele tinha uma habilidade impressionante de desviar o assunto quando o tema da conversa tornava-se sua pessoa.

- O quê? - Luc completou quando percebeu que o menino ficara por um longo tempo em silêncio e o encarava fixamente. Inquieto, virou-se para poder olhá-lo, as sobrancelhas claras franzidas, e viu que o moreno fez uma expressão estranha com o rosto e aproximou-se mais de si como se estivesse procurando algo em sua face que não sabia dizer o que era. Sentiu as bochechas esquentarem por causa da invasão de espaço e em um pulo afastou-se do rapaz.

- Que eu não sei nada sobre você. - finalizou o adolescente, afastando-se também. Era a primeira vez que Luc o encarava de perto e Harry teve a nítida sensação de que já vira aquela expressão genuinamente curiosa em algum outro lugar. Levemente o rapaz inclinou a cabeça um pouco para o lado como se estivesse avaliando melhor o garoto mais novo na sua frente e arqueou as sobrancelhas como se o estivesse incitando a prosseguir. Animado, Potter soltou a primeira pergunta que o atormentava há anos. - Onde está a sua família? - a expressão no rosto de Luc ficou assustadoramente séria e ele deu um relance para a janela da sala, vendo os raios solares castigarem com violência o asfalto no verão mais quente registrado na Inglaterra nos últimos anos.

Engraçado, embora na rua estivesse um calor de matar, no momento que ele pôs os pés dentro da casa de Luc, a frieza e impessoalidade do lugar o fez desejar ter trazido algum casaco para assim espantar os arrepios em seu corpo. O loiro mantinha espalhado pela residência todas as pequenas lembranças que ganhara de Harry no Natal ou em datas aleatórias que o menino insistia dizer que eram o seu aniversário, já que ele não sabia o dia original de seu nascimento. Mas, fora isso, não havia mais nada que enfeitasse ou ao menos amenizasse a morbidez do ambiente.

- Não posso lhe dizer isto. - respondeu a frase que já se tornara um clichê entre os dois. Cada vez que Potter indagava algo mais pessoal, Luc soltava essa resposta que começava a lhe dar nos nervos. Pensou em insistir, mas sabia que se tentasse o jovem se fecharia dentro de si mesmo e Harry não conseguiria mais nada.

- Bem, a sua idade eu já sei. - ponderou. - Vinte e cinco. - e viu intrigado quando os lábios vermelhos abriram-se como se parar corrigi-lo, mas depois o loiro mudou de idéia. - Embora não pareça. Seu aniversário você insiste em não me dizer quando é. Acho que sente algum prazer em receber presentes aleatórios ao longo do ano. - provocou e viu a sombra de um sorriso escarninho surgir no rosto do outro.

- Você me conhece tão bem. - zombou Luc com um tom de divertimento na voz, como se estivesse apenas esperando até onde Harry iria com aqueles questionamentos tolos, e virou mais uma página de seu livro.

- Qual o seu nome? - disparou e o rapaz mais velho o olhou com um brilho nos orbes claros que diziam que ele era um tolo que só fazia perguntas tolas.

- Luc? Quer que eu soletre? - continuou provocando como se estivesse lidando com uma criança inocente em vez de um adolescente de quase quinze anos e que já vira mais nesta vida que muitos outros garotos da idade dele.

- Luc? Apenas Luc? A não ser que você seja um AA... "Oi, meu nome é Luc", tem que haver mais do que isso. - o garoto mais velho rolou os olhos e mirou o teto por longos segundos, como se ponderando o que dizer e quais os estragos que essa revelação poderia ocasionar.

- Lucius. E contente-se apenas com isso. - finalmente respondeu e a Harry a primeira coisa que lhe veio à cabeça foi:

- Lucius? Como Lucius Malfoy? - disse bestamente e o rapaz deu de ombros, o olhando estranhamente.

- Quem? - rebateu e Potter sorriu e sacudiu a cabeça em uma negativa. A associação havia sido instintiva, já que até agora, em sua curta vida, o único Lucius que ele tinha conhecido fora o patriarca dos Malfoy. Mas isso não queria dizer que haveria outros com o mesmo nome pelo mundo, e agora tinha conhecido um segundo Lucius que embora lembrasse o Malfoy, ainda sim possuía grandes diferenças. O fato de que vivia no mundo trouxa e parecia não se importar com os mesmos era uma delas. Além de várias outras gritantes a começar pela idade.

- Você é um bruxo. - afirmou e esperou pacientemente alguma reação do outro rapaz, mas quando ele apenas virou mais uma página de seu livro, continuou. - Como nunca o vi fazer magia? Sua casa não parece ser a casa de um bruxo. E eu nunca o vi no mundo bruxo exceto... - e na sua mente veio o dia da Copa Mundial de Quadribol.

- Nem todos os bruxos vivem fazendo magia vinte e quatro horas por dia. Quantas casas de bruxos você visitou para dizer que todas possuem o mesmo padrão? E quanto ao mundo bruxo... Viu uma vez, viu o suficiente. - respondeu sucinto, sem ao menos encarar o outro garoto, e Harry suspirou. Isto não esclarecia nada, não revelava nada sobre o homem e apenas o tornava ainda mais misterioso e não tirava da cabeça do grifinório de que o seu estranho amigo estava escondendo algo grande, muito grande, e que de alguma maneira bizarra estava relacionada a ele. - Melhor você ir para casa, está tarde. - declarou e Potter olhou através da janela da sala para a rua ainda extremamente clara e deu de ombros.

Luc era o que geralmente encerrava as visitas dizendo para ele ir embora ao soltar um "melhor ir para casa, está tarde", mas isto somente acontecia quando o sol já estava praticamente se pondo, o que dava a Harry tempo de correr para o nº. 4 e começar a preparar o jantar. Mas ainda era meio da tarde e não querendo contestar muito o outro rapaz, pois sentia que o humor dele estava piorando progressivamente à medida que ele se prolongava ali dentro, saiu da casa, resolvendo ir até o parque de brinquedos quebrados para espairecer e passar o tempo.

A idéia provou-se ser um erro quando algum tempo depois Duda e sua gangue apareceram no parque e o garoto corpulento resolveu que seria divertido provocar o primo. Isto até que, de uma hora para outra, o cenário todo mudou. Nuvens negras foram juntando-se no céu, a temperatura havia caído drasticamente e quando deu por si, em um piscar de olhos, Harry estava fugindo com o primo pelas ruas de Surrey tentando despistar os dementadores que finalmente o encurralaram em um beco escuro e, sem saída, o menino teve que conjurar um patrono.

Depois disso, o caos em que a sua vida já estava instaurou-se de vez. Ele teve que carregar um Duda em choque até em casa, ouvir calado a carta do Ministério sobre a sua expulsão, a exaltação do tio ao mandá-lo embora de casa, o choque da tia e a curiosidade de saber de quem era o berrador e, finalmente, o castigo que o fez ficar trancado no quarto até a hora em que os Dursley saíram de casa para ir a algum tipo de premiação ou coisa parecida. Entediado, lançou um olhar pela janela para assim ver o que acontecia no nº. 3 e surpreendeu-se quando percebeu que não havia uma luz acesa na casa. Geralmente Luc sempre deixava um cômodo iluminado. O porquê disso Harry não saberia dizer.

Frustrado, virou-se sobre a cama pronto para mais uma noite de sono mal dormida, não sabendo se o que o assolaria desta vez seriam os pesadelos ou a fato de que agora não tinha mais para onde correr já que tinha sido expulso de Hogwarts. Fechou os olhos preparando-se para pegar no sono quando um barulho estrangeiro o fez abrir as pálpebras rapidamente e sentar-se na cama num pulo com o coração palpitando no peito. Esperou que o som tivesse sido fruto de sua imaginação, mas quando este novamente se repetiu, ergueu-se da cama com a varinha em punho - se já tinha sido expulso, que diferença fazia praticar mais magia? - e esperou pelo pior. O que não veio.

Mais uma vez os acontecimentos seguintes passaram muito rápidos para serem registrados pela mente de Harry e em um minuto ele viu-se trancado em seu quarto, sem mais perspectivas para o futuro, e no outro estava sendo resgatado por um grupo de aurores treinados e sendo prontamente levado para a sede do que eles chamavam de A Ordem da Fênix.

Deitado no velho banco em seus jardins de fundos, Luc mirava o céu estrelado com os braços cruzados sob a cabeça servindo como apoio, e sorriu quando viu o grupo de vassouras passarem a toda velocidade por sobre a sua cabeça. Pessoas comuns não conseguiriam ver através do feitiço de desiludir, não se não soubessem exatamente o que estavam procurando. E ele sabia. Um sorriso de escárnio surgiu em seu rosto e ele soltou um longo suspiro. A idéia dos dementadores havia sido o melhor que conseguiu bolar e sinceramente se ao menos tivesse uma pista prévia do que iria acontecer… Mas as suas instruções foram específicas, Potter tinha que sair da Rua dos Alfeneiros e isso ele fez.

Virando-se sobre a madeira dura, ele soltou mais outro suspiro desolado e preparou-se para mais um longo verão solitário. Tinha que admitir que às vezes a presença de Harry o irritava, nas outras faziam sentimentos e reações antes enterradas no fundo de seu ser aflorarem, e nas outras a sensação de culpa praticamente o dominava. E ele não poderia sentir culpa, na sua "profissão" isso poderia levar a loucura e a eliminação completa. Alguém como ele não poderia sentir nada, não poderia afeiçoar-se, não poderia criar raízes, mas sentia que pouco a pouco estava quebrando essas regras.

O que viria daqui para frente seria pior do que Harry poderia imaginar e ele saberia que a primeira pessoa para quem o garoto correria a procura de consolo seria ele. O problema era: será que ele estava preparado para receber o impacto do furacão Harry Potter? E a resposta era bem simples.

Não.

16 ANOS

A porta da casa abriu-se em um estrondo e passos pesados ecoaram pelo local, sendo apenas brevemente abafados quando a porta voltou novamente ao batente com outro estrondo. Na cozinha, Luc depositou o copo de água sobre a pia e soltou um suspiro, fechando os olhos e os esfregando com a ponta dos dedos antes de abri-los novamente e mirar a janela em frente a si que dava para o jardim que praticamente sumia por causa da escuridão da noite e por ser muito mal iluminado pelas luzes dos postes da rua.

- Luc! - o grito ribombou por todo o térreo da casa e o rapaz virou-se a tempo de ver um Harry Potter ofegante, descabelado e com os olhos vermelhos o encarar. Observou curioso como a aura negra que começou a envolver o garoto desde o ano retrasado, desde a volta de Voldemort, ficava ainda mais escura e sentiu um aperto no peito, prontamente o dispensando e o enterrando em algum lugar obscuro de seu ser para fazer companhia a sua consciência. - Por que, Luc? - o menino ofegou e logo depois as lágrimas começaram a rolar soltas pelas bochechas vermelhas. - POR QUÊ? - gritou desesperado e correu até o homem, o abraçando pela cintura sem nenhum aviso e o pegando de surpresa.

Sem reação, Luc apenas encarou aquela massa negra de cabelos sob si e o rosto que se escondia em seu peito e o fato de que os ombros largos tremiam copiosamente no que deveria ser uma reação ao choro do garoto. Com as mãos fechadas em um punho ao lado de seu corpo, ele controlou-se para não consolar o menino. Sua obrigação não era ser o terapeuta do Potter, ou a mãe dele, pois pelas histórias que ouvia do próprio grifinório a Sra. Weasley parecia cumprir esta função muito bem, mas não podia negar que a cena era de cortar o coração. Isso se ele tivesse um.

Por seu lado Harry não se importava com a falta de reação do homem ao qual estava abraçado, na verdade não se importava nem mesmo com a sua reação, pois ele próprio não era muito acostumado a gestos físicos de afeto. Fora criado com indiferença pelos Dursley, somente aprendera o que era um verdadeiro abraço em Hogwarts, quando conheceu os Weasley, Hermione e cia. Sua melhor amiga gostava de mimá-lo e paparicá-lo como uma verdadeira irmã mais velha, Ron às vezes tinha os seus momentos sentimentais, mas à medida que eles iam crescendo tais gestos tornaram-se desconfortáveis, mesmo entre melhores amigos. Não parecia ser certo ficar abraçando outro garoto por aí a torto e a direito. E a Sra. Weasley sempre fazia questão de recebê-lo com um abraço sufocador a cada visita. Então, geralmente, sempre quando ele participava de um gesto de carinho, os outros iniciavam, não ele. Mas este não era o caso.

Luc não era dado a afetos e no momento se quisesse consolo do homem, tinha que dar o primeiro passo. E foi o que fez. Enterrar o rosto no peito do loiro e envolver os seus braços pela cintura esguia e comprimir o corpo do outro contra o seu parecia lhe trazer um conforto imenso que a sua família adotiva não conseguiu suprimir. E enquanto fazia isto, as lembranças do último ano em Hogwarts simplesmente atulharam a sua mente repetidamente como um castigo pela sua extrema burrice.

- Você estava certo, você sempre esteve certo. - murmurou contra a camisa do rapaz mais velho, o apertando com mais força e mal notando que, agora, os braços pálidos envolviam os seus ombros e as mãos suaves afagavam os seus cabelos. - A minha impetuosidade, a minha mania de deixar a sorte guiar meu caminho acabou me ferrando. Sirius está morto, Cedric está morto, e a culpa é toda minha. Minha e de uma estúpida profecia que se Dumbledore tivesse me contado antes teria amenizado os problemas. Como é que eu pude ser tão estúpido? Como não pude perceber que era uma armadilha? Eu sou uma desgraça. Eu serei a ruína do mundo mágico. Aqueles que contam comigo apenas irão perecer dolorosamente. Eu sou um fraco, não sirvo para ser líder ou coisa alguma. - choramingou mais ainda, martirizando-se mais ainda, e Luc suspirou, conseguindo a custo desprender o garoto de si e encará-lo nos olhos.

Gozado, quando o conheceu, tinha que olhar para baixo para assim ter uma visão mais direta dos belos orbes verdes do moreno. Mas, agora, ambas as íris estavam na mesma altura e somente agora Luc percebia em como Harry não era mais o menino o qual ele costumava se referir em pensamentos. Ele estava se tornando um homem, um homem marcado pela vida e pelas desgraças e aquele aperto no peito remexeu-se dentro da caixa onde o tinha aprisionado junto com a sua consciência ao ver que parte deste homem defeituoso que estava se formando era responsabilidade sua.

- Potter, uma guerra está prestes a explodir, então como você espera que não haja baixas? - explicou calmamente, sentindo-se incomodado pelo fato de o garoto estar o olhando diretamente, cara a cara, coisa que não costumava acontecer nas conversas deles.

- Essa baixa não precisava acontecer, Sirius não precisava morrer... - continuou se culpando até que o loiro o cortou bruscamente.

- Enfie na sua cabeça rachada que tudo acontece por um motivo Potter. O que temos que fazer é aceitar e seguir em frente. Se era o destino deste tal de Sirius morrer, ou do Cedric, nada do que você fizesse mudaria isso. - o advertiu e Harry o encarou com as sobrancelhas franzidas e uma expressão estranha no rosto.

- Você não pode realmente acreditar nisso! Esse papo de tudo estar pré-destinado é conversa. Eu não quero viver daqui para frente pensando que cada passo que eu dou foi planejado por uma força maior ou que alguém está controlando a minha vida! - esbravejou frustrado. Já lhe bastava todos aqueles a sua volta querendo controlá-lo, já lhe bastava às manipulações de Voldemort e a teia de mentiras de Dumbledore que acarretaram no desastre do Ministério. Ele não queria sequer cogitar a hipótese de que ainda haveria uma força maior por detrás de toda esta confusão. Simplesmente não poderia conceber.

Luc por sua vez retesou os ombros e deu uma leve careta condoída ao ouvir a explosão do garoto e novamente aquele aperto no peito tentou fugir de sua prisão e agora ele conseguia reconhecer o incomodo como sentimento de culpa. Coisa que ele jamais estaria permitido a sentir e mais que rapidamente afogou tal sensação novamente dentro de sua caixa imaginária.

- Se você ainda é tão ingênuo para acreditar que todo homem tem o seu destino nas próprias mãos... - falou pesaroso, sacudindo a cabeça de um lado para o outro e soltou um suspiro. - Por que você não me fala sobre essa profecia? - perguntou por fim e o humor de Harry, que já não estava muito bom, piorou e o garoto o olhou com uma expressão de desagrado.

- Para que você quer saber sobre a profecia? É apenas uma estúpida profecia! - acusou venenoso e lembranças de uma conversa que tivera com Hermione quando contara a ela quem era o homem que vira na Copa de Quadribol voltaram a sua mente. A grifinória achava estranho o fato de que este vizinho tenha surgido na Rua dos Alfeneiros como se sempre estivesse lá, mas na verdade nunca esteve. Que ele não tivesse família, não dissesse a Harry qual era o seu nome. Se era um bruxo, por que não fazia magia? E o principal de tudo, algo que a sua amiga disse que o fez realmente pensar. Potter contava tudo para ele, tudo mesmo, cada vírgula do que acontecia na sua vida, em Hogwarts, enquanto não sabia nada de volta.

Como é que como bruxo, Luc não ajudou Harry no ataque dos dementadores? Ele parecia ser maior de idade, poderia usar magia, mas deixou o garoto se ferrar sozinho. Como é que durante cada acontecimento crucial que acontecia durante as férias de verão do rapaz, o homem nunca estava por perto ou disponível? Por que a casa dele parecia ser tão impessoal? Por que ele não estava nos registros de Hogwarts? De onde ele havia aparecido? E diante de tantas perguntas sem respostas, Hermione soltou a conclusão o qual ele temeu ouvir.

"Ele pode ser um espião de Você-Sabe-Quem". E Harry teve que admitir que não era improvável. Dumbledore tinha a Sra. Figg para vigiá-lo, por que não Voldemort? O problema era que assimilar o fato de que o homem poderia ser o inimigo apenas o fazia sentir-se mais miserável, pois seria mais uma razão para ele negar o que andava sentindo ultimamente, talvez o que sempre sentira desde que pusera os olhos no misterioso rapaz loiro.

O que antes era uma fascinação infantil acabara se tornando algo mais, algo que Harry não sabia classificar, mas que se resumia a pernas trêmulas, mãos suando frio, coração descompassado e uma louca vontade de permanecer eternamente na companhia do rapaz mais velho. Quando beijara Cho na Sala Precisa de Hogwarts, essas sensações se intensificaram porque simplesmente no momento em que ele fechou os olhos, o que viu foi um homem loiro inclinado sobre si e isso o apavorou por breves segundos. Luc dominava a sua mente desde que tinha onze anos, não conseguia compreender como cada coisa que ele fazia remetia a recordações de coisas que fizera com o outro jovem. Cada atitude heróica sua trazia na sua mente um conselho de Luc por detrás que o fazia pensar em como agir.

Cada burrada sua trazia a imagem mental do loiro o repreendendo com uma expressão desapontada. Cada sonho erótico seu de adolescente tinha o homem como protagonista, o que o fazia ficar extremamente envergonhado no dia seguinte quando tinha que correr para o banheiro se livrar das provas. Cada vez que subia no expresso para voltar para casa, não retornava com a sensação de que estava indo para forca, mas sim com a antecipação de que veria Luc de novo. E agora, ter a mínima suspeita de que ele poderia ser o inimigo não ajudava em nada o seu coração que parecia estar ficando cada vez mais apaixonado.

Mesmo que ele achasse a concepção apaixonado por um homem mais velho extremamente desconfortável e difícil para o seu lado racional aceitar. Afinal, até o ano passado ele tinha uma queda pela Cho Chang, não tinha?

- O que foi? - Luc perguntou quando notou que o rapaz ficara extremamente quieto e o encarava com uma expressão desconfiada. Harry, ao ouvir a voz do outro, sacudiu a cabeça de um lado para o outro e afastou-se, tomando o caminho para a sala e jogando-se contra o sofá de couro que parecia ter se desgastado mais com os anos desde que começara a receber a visita do corpo de Potter que costumava usar as suas almofadas macias como cama uma vez ou outra.

Minutos depois o anfitrião retornava a sala com as usuais duas canecas de chá e entregava uma delas a Potter, notando que mais uma vez ele o olhou desconfiado e depois voltou a sua atenção para o conteúdo da caneca, como se o que estivesse dentro da mesma fosse veneno. Frustrado, sentou-se pesadamente ao lado dele no sofá e franziu as sobrancelhas quando percebeu a hesitação do menino.

- O que foi agora? - disse atravessado. Potter era mais instável que duas substâncias químicas voláteis misturadas. Ele variava da depressão a raiva e morosidade em questão de segundos e as ações dele no momento em nada lembravam o adolescente que há pouco tempo atrás tinha entrado feito uma rajada de vento em sua casa e chorado copiosamente em sua camisa que ainda ostentava as marcas das lágrimas dele.

- Nada, só pensando. - declarou em um tom sério e distante e depositou a caneca em cima da mesa.

- Potter! O chá não vai te morder! Na verdade vai até te acalmar. E poderia fazer o favor de me explicar por que você está com essa cara? Se você invadiu a minha casa no meio da noite apenas para ficar de segredinhos comigo, pode dar meia volta e ir embora! - o repreendeu e em um estalo Harry virou-se sobre o sofá, encarando Luc daquela maneira desconfortável que ele costumava encará-lo ultimamente. Os olhos verdes brilhavam com algum tipo de fúria e frustração contidas, e alguma coisa que ele tinha dito pareceu ser a coisa errada a se falar para o garoto neste momento.

- Segredinhos? - sibilou Harry entre dentes. Como Luc tinha a coragem de acusá-lo de segredinhos quando o mesmo nada contava a ele? Até uns anos atrás não se importava, era ingênuo o suficiente para achar tal característica do rapaz mais interessante do que intrigante. Mas depois de ter saído de dois confrontos direto com Voldemort nos últimos dois anos, quase morrido por causa disso, assistido uma morte ao perder um colega de classe e agora a única pessoa que era alguma reminiscência da idéia dele ter uma família de verdade, o fazia ver o mundo de uma maneira diferente. De desconfiar do mundo de uma maneira diferente. E, principalmente, desconfiar do homem na sua frente. E isso o enfurecia.

O enfurecia porque ele não queria dar razão a Hermione e ao mesmo tempo admitir que talvez ela estivesse certa. Não queria tornar-se um segundo Moody da vida, paranóico e desconfiado até mesmo da própria sombra. Gostava de acreditar que as pessoas podiam se redimir, ou que eram boas por natureza e podiam ser corrompidas. Gostava de confiar cegamente mesmo que isto fosse um ato estúpido, pois a decepção poderia ser dolorosa. Gostava de acreditar que as pessoas eram boas, pois se não fizesse isto, apenas se tornaria uma criatura amarga e cruel... Como Voldemort.

Dumbledore, mesmo que agora estivesse furioso com ele, lhe dissera que a sua arma vital contra o Lorde das Trevas era a sua capacidade incondicional de amar. E se isto era uma esperança para que todo esse pesadelo acabasse, não queria perdê-la. Se essa era uma de suas melhores qualidades, queria preservá-la. E não queria jogar fora a sua capacidade de amar... Luc.

- Você sabe tudo sobre a minha vida, cada detalhe dela, e mesmo assim eu nada sei sobre você. - Luc rolou os olhos, não acreditando naquela conversa de novo. Achava que Harry já tinha se conformado com o fato de que jamais conseguiria arrancar nada mais profundo dele.

- Potter, isso de novo? Deixe de ser infantil, cresça pelo amor! Você não é mais criança! - o advertiu e assustou-se quando uma mão grande e calejada fechou-se em seu pulso magro e o puxou com força em direção ao rapaz, colocando seus rostos bem próximos.

- Isso mesmo! Não sou mais criança! Você pode me contar o que quiser, eu irei entender, juro que irei. - não, não entenderia, Luc pensou. - Por que você não me diz nada? Eu não sou seu amigo? - os olhos verdes por detrás das lentes redondas dos óculos do rapaz brilharam de mágoa e o loiro sentiu um bolo entalar em sua garganta.

Harry era um amigo, o primeiro que fizera em dez anos, mas que não deveria ser. Não deveria ter permitido tal aproximação do garoto de si, não deveria ter deixado que ele penetrasse dessa maneira em sua vida, tornar-se a válvula de escape do menino e o seu bote salva-vidas. Ele simplesmente estava cometendo um erro que deveria consertar, e logo, antes que fosse tarde.

- Potter... - sussurrou sem saber o que dizer. Eles estavam perto demais, desconfortavelmente perto, e isso fazia o coração do loiro vir à boca.

- Não quero cogitar a hipótese de que todo este tempo eu estive interagindo com o inimigo, Luc. - respondeu sombrio e o jovem engoliu em seco. Harry não estava muito longe da verdade. De certo modo ele era o inimigo, só não da maneira que ele imaginava que ele fosse.

- Está tarde, melhor você voltar para casa. - soltou a usual frase de dispensa, mas Harry não se moveu do lugar, o que deixou Luc ainda mais nervoso. - Harry...? - chamou quando percebeu que o garoto o olhava demais, o avaliava demais, e antes que pudesse dispensá-lo de novo, os lábios do menino estavam sobre os seus, o beijando de maneira tímida, mas intensa.

Os olhos azuis estavam largos diante de tal gesto, sua boca respondia automaticamente ao ataque e o pulso que era segurado latejava por causa do aperto. Quando segundos depois o moreno afastou-se dele, o mirando, procurando, avaliando qualquer reação do rapaz mais velho a sua atitude, tudo o que encontrou foram gélidas íris cinzentas o encarando de maneira indecifrável.

- Luc? - chamou atemorizado. Foi uma estupidez ter se deixado guiar pelos seus instintos, mas não conseguiu se segurar quando viu aquele homem tão belo, o mesmo que fazia sensações de formigamento e prazer cruzarem o seu corpo cada vez que o via, tão perto de si, tão suscetível aos seus atos, com os lábios vermelhos implorando por um beijo. E foi o que ele fez.

- Vá embora. - falou friamente e Harry sentiu seu coração partir em mil pedaços. Não esperava que o que sentia fosse retribuído, mas também não contava com uma reação tão distante. Desolado e ainda pior do que estava quando chegou naquela casa, ele partiu do nº. 3 retornando a casa dos tios para apenas algumas noites depois ser levado embora por Dumbledore.

17 ANOS

De alguma maneira ele sentia que o fim estava chegando. No exato momento em que presenciou a cena da Torre, onde a Marca Negra brilhava tenebrosa acima das edificações de Hogwarts e um Theodore hesitante abaixa a sua varinha o qual apontara para um persuasivo Dumbledore, ele sentiu que o fim estava chegando. Desde que vira o feixe de luz verde cruzar o espaço frio e escurecido a sua perseguição insana a figura de Severus Snape que arrastava um Nott ainda desnorteado pelo braço em direção a Floresta Proibida. E quando finalmente os Comensais foram expulsos da escola, os estragos foram avaliados, o funeral celebrado e ele dizia a Ginny que tudo entre eles estava terminado, ele sentiu que era fim.

Talvez o fim tenha chegado no começo, desde o momento em que ele concordou em acompanhar o diretor em busca das horcrux, até a hora em que decidiu seguir um Theodore apático para cima e para baixo porque sabia que ele estava aprontando algo. Ou talvez o fim tenha chegado quando ele teve a idéia estúpida de começar a namorar a irmã de seu melhor amigo. Aliás, por que tinha namorado a irmã de seu melhor amigo? Ginny era uma graça de menina, adorável, dedicada, divertida, apaixonada. Mas ele não estava apaixonado por ela e usá-la como consolo pela dispensa que levara fora uma burrice, uma grande burrice. E ele já estava farto de erros.

Seus erros só levaram a desgraças. Mortes e dor. Dumbledore estava morto, a principal pessoa que ainda causava algum temor a Voldemort, ou talvez apenas o tornava mais cauteloso, pereceu. Harry tinha que confessar que às vezes acreditava na doce ilusão de que tudo havia sido uma armação. Que o velho bruxo não havia morrido, que foi uma encenação bem criada entre o diretor e Snape para fazer o Lorde das Trevas crer que desta vez tinha triunfado nesta batalha.

Mas, a cada dia que se passava e a cada novo desastre que ele via sair publicado no Profeta Diário causado por Voldemort e camuflado como uma coincidência qualquer o fazia ver que esta era a mais profunda e dolorosa realidade. Era o fim.

Com um suspiro cansado, ele rodou os olhos pelo quarto a procura de alguma coisa, qualquer coisa, que tenha deixado de fora da arrumação de suas malas. A Ordem da Fênix estava vindo escoltá-lo para a casa dos Weasley com um sistema de segurança que com certeza colocaria inveja até mesmo no MI6, e quando deu a última inspeção no quarto, seu olhar recaiu nos dois livros sobre a velha cômoda. Instintivamente os recolheu, reconhecendo os volumes que Luc o tinha emprestado há anos atrás e que ele confessava com vergonha que nunca chegou a ler.

Soltou mais um suspiro, agora divergindo a sua atenção para o nº. 3 do outro lado da rua, para a casa completamente apagada e engolida pelas sombras da noite. Quando voltara de Hogwarts, a sua primeira reação ao saltar do carro dos tios foi a de correr para a casa do vizinho a procura de consolo, a procura de palavras sábias ou alguma baboseira que o fizesse se sentir melhor por alguns minutos e esquecer seus problemas, mas não teve coragem. No momento que se lembrou da expressão gelada e o fora que o homem tinha lhe dado por causa de um beijo, sua coragem morreu no ato.

- Tudo acontece por um motivo uma vírgula! - rosnou irritado. Não conseguia compreender como Luc parecia ser tão conformado e os anos apenas embrenharam mais esta idéia na mente de Harry. O loiro era o tipo de homem que se pudesse evitar fazer muito esforço para gerar alguma mudança, ele o faria, a prova disso era o local onde vivia. Aprendera que o lar era um reflexo das pessoas que moravam nele e a casa de Luc era tão vazia e apática como ele. Deprimente e nada acolhedora. Como conseguira se apaixonar por um homem desses? Gostava de vivacidade, de desafios, pessoas que agissem e não apenas esperassem acontecer, coisa que o rapaz mais velho estava longe de ser. Talvez por isso tenha namorado a Ginny.

Ou talvez estivesse apenas arrumando desculpas para assim desprezar o homem, pois esta idéia era melhor do que o fato de que novamente a sensação de finalidade o assolava. Tinha quase certeza de que o beijo seria a última lembrança que teria de Luc, o último contato com ele.

Sem pensar direito, jogou os dois livros dentro de seu malão da escola, o observando com um longo pesar. Este ano não voltaria a Hogwarts, pois continuaria na busca que Dumbledore lhe incumbiu. Iria, de uma vez por todas, derrotar Voldemort nem que tivesse que dar seu sangue, ou sua vida, por isso. Lentamente ergueu o objeto carregado de sobre a cama e vagarosamente começou a descer as escadas da casa que o abrigou nos últimos dezesseis anos, mas que nunca considerou um lar.

Na sala de estar, os Dursley também esperavam com as malas prontas a chegada da Ordem para assim levá-los a um lugar seguro. Um silêncio tenso e pesado estava sobre a família e por entre as cortinas de rendas de sua tia ele teve uma visão ampla da residência do outro lado da rua. Em um ato impulsivo mirou o relógio em seu pulso e viu que ainda teria tempo até que os aurores chegassem. Talvez ao menos uma visita para dizer adeus, se desculpar por algo do qual não se arrependia, pedir por uma chance ou qualquer coisa do gênero, ele pudesse fazer.

- Volto logo. - disse ao trio sentado, praticamente espremendo-se uns contra os outros no sofá e que o miraram com um breve desinteresse antes de retornarem as suas atitudes morosas. Sacudindo a cabeça e apressando os passos, ele saiu da casa e cruzou a rua em questão de segundos e logo batia com força na porta de entrada do nº. 3. - Luc! - chamou em um tom de comando, socando ainda mais violentamente a madeira.

Por minutos ficou repetindo tal gesto com o punho fechado até que finalmente a porta se abriu para mostrar a expressão nada feliz de um homem alto, robusto e de cabelos grisalhos que o mirava com extremo desagrado.

- Sr. Montgomery... - disse sem ar, lançando um olhar largo e surpreso por cima do ombro do vizinho e vendo que agora a luz do corredor era acesa e uma senhora vestindo um robe rosado descia as escadas com uma expressão curiosa. - Sra. Montgomery. - cumprimentou a mulher que franziu as sobrancelhas ao ver o menino que estava em sua porta. - Eu... Eu... - tentou explicar-se, mas como dava para justificar o fato de que ele estava praticamente derrubando a porta do casal que até ontem não residia naquela casa? Que até anos atrás não residia naquela casa. Ainda observando a mulher ao pé da escada ele notou em como o ambiente tinha praticamente mudado da água para o vinho e no lugar de paredes vazias e pouca mobília, havia um local completamente preenchido por pertences pessoais e peças de decoração.

- Sim meu jovem? - a Sra. Montgomery o incitou a continuar, mas ele acenou negativamente com a cabeça e com um sorriso sem graça girou sobre os pés e retornou para a sua casa, batendo a porta da frente com força e escorando-se contra ela. Com as pernas trêmulas e o coração aos pulos, ele encaminhou-se para a sala de estar onde a sua família estava e com uma expressão curiosa dirigiu-se a eles.

- Quando foi que Luc se mudou? - perguntou diretamente ao seu tio que estava anormalmente pálido, com certeza tenso e apreensivo sobre o que estava prestes a acontecer. Estavam a um passo de serem expulsos de sua própria casa, sua vida, por proteção, por causa de um louco que estava atrás do sobrinho que eles nem gostavam.

- Que Luc moleque? - rosnou o homem por entre o farto bigode e Harry resolveu arriscar-se em uma outro pergunta.

- Quando foi que os Montgomery's mudaram de volta? - disse hesitante e o rosto pálido de Válter ficou levemente vermelho.

- Os Montgomery's moram nesta rua há vinte anos, nunca se mudaram. Anda delirando moleque? - delirando? Talvez. Porque esta era a única explicação para o fato de que assim como surgiu parecendo ter brotado do chão, Luc sumiu como se tivesse sido tragado pelo vazio, sem deixar nenhum rastro ou prova de sua existência ou presença naquele lugar. Será que por todos esses anos ele vivera em alguma ilusão causada pela sua mente? Estivera lidando com um fantasma ou qualquer outra coisa de níveis paranormais?

Não! Tinha certeza que não. Luc era real, o tocou, o abraçou diversas vezes, o beijou pelo amor de Merlin e por um ano ele ainda pôde sentir o gosto dos lábios vermelhos contra os seus e o formigamento que tal gesto tão íntimo gerou em seu corpo. Luc não era uma ilusão, não era uma criação de sua mente desesperada por conforto durante os dois meses em que ficava isolado no mundo trouxa, sendo obrigado a sozinho processar e digerir tudo de mal que tinha lhe acontecido nos últimos tempos. Recusava-se a acreditar que tinha se apaixonado pelo ar. Que tinha buscado inspiração para continuar firme e forte do além!

O som de batidas na porta o impediu de tomar o caminho para o completo desespero visto que um turbilhão se passava pela sua mente tudo ao mesmo tempo. Tinha vontade de voltar aos Montgomery's e exigir deles o que acontecera com Luc, ou então arrancar os cabelos pela sua extrema burrice ao não dar ouvidos aos conselhos de Hermione quando esta dizia que o loiro poderia ser um espião. Mas, no presente momento, o que predominava era a vontade de chorar.

Segundos depois a figura imponente de Kingsley Shacklebolt entrava na sala acompanhado de mais uma dúzia de pessoas e conversava com os Dursley a baixas vozes. Minutos depois a sua família embarcava para o exílio, Duda o surpreendia com uma frase de despedida sem jeito e então o pessoal da Ordem da Fênix começava a lhe explicar como seria o plano mirabolante para levá-lo seguro a casa dos Weasley. Quando viu que este envolvia várias pessoas transformando-se nele mesmo, colocando a sua vida em risco e lutando por uma causa na qual ele mal acreditava, a vontade de chorar retornou.

E aumentou quando a viagem que deveria ter sido tranqüila de repente tornou-se um inferno com direito a feitiços sendo lançados a torto e a direito, pessoas perdendo-se no caminho, morte, desespero, a perda de sua coruja, assistir a primeira pessoa que se tornou a sua amiga, Hagrid, cair de uma altura de vários metros direto contra o chão. Ele sentindo a sua cicatriz pulsar e Voldemort em seu encalço enquanto seu coração praticamente saltava fora do peito, suas veias latejavam com a adrenalina que corria nelas e a sua mente recitava constantemente que ele queria estar em qualquer lugar, menos ali.

Era realmente o começo do fim.

Foi o começo do fim quando teve que fugir as pressas do casamento de Bill, com Hermione aparatando a ele e Ron para bem longe.

Foi o começo do fim quando tempos depois viu que era a pessoa mais procurada da Grã-Bretanha e que tinha a sua cabeça a prêmio.

Foi o começo do fim quando o maldito medalhão foi encontrado, quando Ron os abandonou deixando uma Mione devastada.

O começo do fim quando encarou a visão mais horrenda de sua vida: Nagini vestindo o corpo de uma velha mulher e novamente a aparição de Voldemort, a quebra de sua varinha.

O fim quando finalmente foi capturado, quando um Nott desesperado e a sombra do menino orgulhoso que um dia foi não o reconheceu.

O fim quando Dobby morreu ao salvá-los.

O fim a fuga de Gringotes, o fim o retorno a Hogwarts.

Foi o começo do seu fim quando ele parou na orla da floresta da escola, sozinho, apenas com um pomo de ouro nas mãos, uma coragem que há tempos o tinha abandonado e a imagem de Luc em sua cabeça o incitando a ir em frente, que tudo no mundo acontecia por algum motivo e que se ele tinha chegado até ali era porque ele deveria estar ali.

Foi o fim quando finalmente viu o corpo de Voldemort caído no chão, atingido pelo próprio feitiço, as batalhas a sua volta terminando e a guerra acabando.

Não percebeu que ao sair do antigo escritório de Dumbledore, com a sua varinha recém reparada e rodeado pelos amigos, ele pediu licença aos mesmos e sendo apenas guiado pelas pernas viu-se perambulando pela escola, passando por corredores destruídos, combatentes cansados e feridos, aurores que recolhiam os mortos de ambos os lados. Pessoas que entraram de cabeça em toda esta confusão por causa de duas pessoas. Por seguirem um homem louco sedento por poder, ou um menino que na maioria das vezes não sabia o que fazer, mas em quem eles depositaram todas as suas esperanças.

Quando deu por si, estava de volta a sala comunal da Grifinória, a mesma que não via a um ano desde que largara a escola. O quadro da Mulher Gorda estava destruído, a pintura com certeza deveria ter fugido de sua moldura há tempos, ainda deixando o seu corpo guiá-lo, entrou na torre vazia e quando avistou o primeiro sofá parcialmente inteiro, sentou-se nele, rodando a varinha nas mãos de forma contemplativa. Minutos ficou nesta posição até que o barulho de alguém batendo palmas ecoou pelo salão.

Num salto ergueu-se do sofá e com olhos largos mirou a figura do homem loiro perto da lareira. Seu coração deu um pulo no peito e suas mãos começaram a tremer. Por instinto ergueu a varinha na direção do rapaz e este apenas deu um sorriso escarninho diante do gesto e um leve arquear de sobrancelhas. Não intimidado pela postura tensa do garoto e a propensa ameaça de um feitiço bem entre os seus olhos, Luc deu um passo a frente, aproximando-se pouco a pouco de um ainda estático Harry Potter.

- Meus parabéns, Potter. - disse com uma voz arrastada. - Você é um herói. - continuou, dando mais um passo e agora colocando-se a uma distância que resumia-se apenas ao braço de Harry esticado e a ponta da varinha que era pressionada contra o seu peito, na altura do coração. - Lendas serão criadas sobre você, músicas escritas, histórias feitas, seu nome perdurará pela eternidade como o Menino-Que-Sobreviveu. - falou como se já tivesse um conhecimento prévio de tudo o que relatava e soubesse exatamente o que iria acontecer.

- O-o-o que faz aqui? - Harry conseguiu finalmente reencontrar a sua voz e sua mão trêmula firmou-se um pouco mais. Luc apenas alargou o sorriso matreiro e inclinou a cabeça levemente para o lado, fazendo finos fios loiros de cabelo caírem sobre os olhos como uma cortina de seda, fascinando mais ainda o moreno que não sabia se azarava o sujeito na sua frente, o abraçava ou se beliscava para ter certeza de que não estava delirando como parecia ter feito nos últimos anos.

- Eu vim dizer adeus, adequadamente. Não deveria fazer isso, é contra as regras, mas não pude evitar. - declarou dando de ombros. - Na verdade, Potter, eu achei que você seria apenas mais um de milhares. Mas, ao que parece, seu destino era tão extraordinário que até mesmo eu fui afetado. - continuou e a cada palavra dita, Harry o compreendia menos ainda. - Afetado por um menino de onze anos que um dia me olhou com grandes olhos verdes clamando por atenção. Afetado por um adolescente marcado pela vida... Afetado por um beijo digno de um adulto. - soltou um suspiro de pesar e viu com interesse que o braço esticado que lhe apontava a varinha vacilou até que começou a ser abaixado.

- Pensei que me odiasse. - declarou Harry com um bolo entalado na garganta e uma sensação horrível no peito. Luc deu um sorriso que continha uma mistura de tristeza e divertimento.

- Te odiar? Quem pode te odiar? Afinal, a partir de agora, todos amam Harry Potter. - e o que disse a seguir foi tão baixo que quase se tornou inaudível aos ouvidos do grifinório. - Até mesmo eu. - o coração do rapaz deu mais outro pulo no peito e a esperança novamente aflorou, o trazendo de volta a aquele dia em que beijou o loiro, mas, ao invés de ser rejeitado, estava sendo aceito. - Pena que você não vai lembrar-se disso.

- O quê? - perguntou surpreso. Como assim não iria se lembrar? Claro que iria se lembrar, uma declaração dessas não era algo do qual se esquecia facilmente, e foi pego de surpresa quando Luc o segurou pelo ombro, o puxando contra o seu corpo e clamando os seus lábios em uma inversão de papéis e um cenário semelhante à de dois anos atrás.

- Adeus Harry. - murmurou quando se separaram e Potter piscou bestamente por detrás das lentes de seus óculos, tendo como última imagem antes de uma estranha vontade de dormir o clamar, o sorriso triste de Luc.

20 ANOS

Harry pisou dentro do Beco Diagonal e piscou um pouco quando a luz forte do sol de verão o cegou momentaneamente. Quando finalmente seus olhos se acostumaram com a claridade, ele seguiu pela rua principal abarrotada de bruxos e bruxas rodando de uma loja a outra e vendo com admiração como o lugar em apenas três anos conseguiu se recuperar brilhantemente. A cada passo que dava, cochichos e pessoas apontavam em sua direção e em outros tempos ele se sentiria incomodado com isto, mas, agora, estranhamente, havia se acostumado com a atenção.

A fama não trouxe apenas o conhecimento geral da população mágica, mas também o respeito. Ele ainda era o bruxo que derrotou o maior Lorde das Trevas de todos os tempos e não tinha vergonha de admitir que tal status causava um certo temor em alguns, o que os fazia apenas cochichar sobre ele a distância, mas não se aproximar. E isso era bom, pois hoje ele não estava disposto a ter o seu caminho interrompido por fãs pedindo autógrafos ou fotos, hoje ele era um homem em uma missão:

A de comprar um presente de casamento decente para os seus melhores amigos.

O que era praticamente impossível.

Ron e Hermione tinham gostos e opiniões completamente diferentes e tentar encontrar algo que agradasse os dois ao mesmo tempo era uma grade furada. Harry ainda não conseguia compreender como eles acabaram juntos se mais brigavam do que se amavam, mas não queria questionar a lógica de funcionamento da relação de ambos. Já que estava juntos há alguns anos, se gostavam a mais outros, então qualquer que fosse a engrenagem que fazia aquele namoro dar certo, não seria ele a se opor.

Com a mente perdida em pensamentos e revisando todas as possibilidades do que ele poderia adquirir para o casal, Harry entrou aleatoriamente em uma loja, somente notando que a mesma era sobre artigos de Quadribol quando uma funcionária veio solicita atendê-lo. Educado, ele dispensou a mulher declarando que tinha errado o caminho e quando deu meia volta para sair, pensando que comprar alguma coisa sobre o esporte para os noivos somente agradaria metade do par, sentiu algo pequeno e sólido chocar-se contra o seu corpo.

Surpreso, desceu os olhos na direção de quem tinha esbarrado e viu um menino de nove anos sacudindo a cabeça loira para espantar o zunido nos ouvidos que a colisão causou. Depois o garotinho ajeitou as vestes e ergueu a cabeça, mirando Harry, o que chocou o jovem Auror. O rosto do menino lhe era absurdamente familiar. Ele tinha finos e claríssimos cabelos loiros, olhos azuis, quase cinzas, ainda arredondados com a inocência da infância, mas as extremidades começavam a estreitar com a maturidade. A pele era clara, perfeita, o nariz afilado, os lábios vermelhos e bem desenhados.

Era uma criança bonita e que estranhamente o fazia se lembrar de alguém.

- Draco! - a voz grave de um homem chamou e Harry virou-se na direção do chamado, assim como o menino, e viu a figura de Lucius Malfoy descendo a rua. Engraçado, o nome Lucius também lhe era familiar. - Sr. Potter. - disse o homem quando se aproximou da dupla, depositando uma mão sobre o ombro do filho e o Auror lembrou-se de anos atrás do menino de quatro anos que vira no Mundial de Quadribol. Deu um pequeno sorriso ao garoto que o retribuiu timidamente.

- Sr. Malfoy. - respondeu ao cumprimento do homem. Os Malfoy haviam se livrado, em partes, das acusações do Ministério sobre associação com o Lorde das Trevas, tudo porque eles levaram em conta o que eles sofreram ao final da guerra e o fato de que Harry apelou para a corte dizendo que possuía uma dívida com Narcissa Malfoy. Afinal, se a mulher não tivesse dito a Voldemort que ele estava morto dentro daquela floresta, não estaria aqui hoje.

Aparentemente a Sra. Malfoy tinha algum apreço por Theodore Nott a quem realmente criou e surpreendentemente o considerava como um filho, a fazendo mentir para o bruxo das trevas apenas para saber se o garoto estava vivo. Como ela conseguia gostar daquela criatura ia além da compreensão de Harry, mas havia ouvido em algum lugar que até Draco nascer os Malfoy tentaram e tentaram ter filhos, então quando Theodore foi entregue a guarda deles, o casal pareceu ter levado a responsabilidade bem a sério. Nunca que Potter pudesse imaginar que aquela família poderia ser realmente... Uma família.

- Draco. - cumprimentou o garotinho que sorriu abertamente e sem dizer mais nada, afastou-se da dupla, dando um último relance para eles sobre o ombro apenas para ver o jovem herdeiro dos Malfoy sorrir e acenar para o salvador do mundo mágico que acabou acenando de volta e partindo com a sensação de que ainda havia algo estranhamente familiar naquele menino.

E mais estranho ficou quando uma semana depois, ao encontrar Lucius mais uma vez no Ministério e polidamente lhe perguntar sobre a sua família, sobre o filho dele, sobre Draco, o homem o olhou com uma expressão estranha e soltou um:

- Draco? Não tenho nenhum filho chamado Draco. Todos sabem que adotei Theodore Nott. - e partiu sem mais nada dizer, deixando um Harry estático no meio do corredor do Departamento de Aurores.

Quando o moreno deu meia volta para começar a investigar o que tinha acontecido, como assim Draco tinha desaparecido no ar como se nunca tivesse existido, subitamente ele parou e piscou os olhos, mirando a sua volta com confusão e tentando puxar pela sua mente o que ele pretendia fazer. Quando a lembrança não retornou, deu de ombros, continuando o seu caminho e com incidente mais do que esquecido.

30 ANOS

Harry Potter estava a um passo de processar o Profeta Diário quando o abriu naquela fria manhã de outono. Como aquele pedaço de lixo na sua sincera opinião teve a coragem de re-contratar Rita Skeeter? Como aquela infeliz ainda estava viva? Pensou que a mulher havia sido tragada pela terra depois de ter sido devidamente processada por Abeforth Dumbledore que mesmo não morrendo de amores pelo irmão mais velho, não ficou muito feliz diante das calúnias que a velha fofoqueira tinha publicado sobre a sua família. E, para Harry, a bruxa velha, sem trocadilhos, tinha merecido.

Mas agora, agora ela retornava com toda a força com direito a matéria de primeira página sobre ele, ainda por cima, questionando o porquê de aos trinta anos o famoso Menino-Que-Sobreviveu ainda estar solteiro. Como se isto interessasse a ela, como se isto interessasse a qualquer pessoa. E o pior era saber que interessava, que ainda havia desocupado no mundo que lia aquilo. Às milhares de especulações que Rita fizera para justificar a sua solterice variava do ridículo ao completo absurdo até chegar ao ofensivo.

Ia desde que ele ainda cultivava um amor não correspondido por Ginny que estava devidamente noiva de um bruxo francês, algum conhecido de Fleur, até o fato de ele ser gay. Mas o pior era ler que talvez o motivo fosse o porquê dele ter uma seqüela da guerra, um feitiço que o atingiu e o tornou incapacitado de cumprir com as suas "funções de homem". O que era ridículo, visto que ele conseguia cumprir com as suas "funções de homem" muito bem, obrigado. Não que ele tenha feito muito disso ultimamente, na verdade não fazia isto há alguns meses, mas isto não vinha ao caso no momento.

Potter não era um eremita ou coisa parecida, teve os seus relacionamentos. Vários na verdade, ao longo dos anos. A maioria sendo com trouxas. Detestava sair com uma bruxa e durante todo o encontro ficar recebendo aqueles olhares de peixe morto que lhe dava nos nervos para, no dia seguinte, a criatura contar a Deus e o mundo que tinha saído com o famoso Harry Potter. O problema era que depois da vigésima garota com quem saiu, da quarta que realmente chegou a levar para casa, ele percebeu que faltava algo.

E então ele resolveu procurar do outro lado da rua e decidiu ter encontros com rapazes trouxas. Não que eles tivessem lhe dado mais prazer que as mulheres, mas com certeza foram mais divertidos, por isso que acusação de Rita de ser gay não havia o afetado tanto. Em parte ela estava certa mesmo, o que era o prelúdio do fim do mundo o fato da mulher ter acertado em alguma coisa sobre a sua vida. Porém Harry preferia se considerar "sexualmente aberto a novidades, desde que essas não fossem muito bizarras para o seu gosto", no entanto ainda faltava alguma coisa.

Faltava o frio na barriga, o coração batendo em expectativa de ver a pessoa querida, o sorriso involuntário que brotava no rosto ao ver dita pessoa. As conversas sobre tudo ou nada sentados no sofá, enrolados em uma grande manta em frente à lareira durante o inverno. O companheirismo, a confiança, o amor. Nada disso ele tinha encontrado em alguma de suas tentativas de encontro e cada vez que pensava no assunto uma sensação de perda enorme o apoderava. Era como se já tivesse sentido isto antes por alguém do qual não conseguia se lembrar. E quando a memória parecia querer libertar-se e depois sumia de repente, uma angústia subia pelo seu peito e isto o deprimia imensamente.

Irritado por novamente essas sensação estranhas o apoderarem mais a matéria ridícula do jornal, ele jogou o Profeta sobre a mesa da cozinha e ergueu-se da mesma abruptamente, indo a passos largos até a sala do apartamento onde residia e recolhendo o seu casaco de sobre o sofá. Talvez uma caminhada para espairecer acalmasse o seu impulso de invadir a redação do jornal e estrangular a maluca da Skeeter.

Com isto em mente, saiu de casa batendo a porta, vestindo o seu casaco e descendo as escadas do prédio onde morava rapidamente, ganhando as ruas vazia de início de noite de Londres e caminhando a esmo pela vizinhança até que se encontrou na entrada de um pequeno parque local onde as mães costumavam passear com os seus bebês, donos levavam os cães para fazerem as suas necessidades e esportistas de todas as horas usavam o caminho pavimentado para uma corrida noturna depois do trabalho.

Perdido em pensamentos seguiu pelo caminho de pedras, observando sem interesse as pessoas passarem por si. Logo um enorme lago de onde brotava jatos d'água que dançavam a cada jorro apareceu em seu campo de visão junto com outra coisa que o fez congelar os passos e o corpo. Lá, parado e apoiado pelos cotovelos na armação de ferro que cercava todo o lago, estava um rapaz loiro, máximo vinte anos, vestido com calças jeans desbotadas, tênis surrados, camisa negra e uma jaqueta jeans escura. Os olhos acinzentados miravam os jatos dançantes e ele parecia refletir algo intensamente.

E então, como se tivesse levado outro avada kedavra diretamente no peito, Harry viu, viu suas lembranças voltarem e o assolarem violentamente. Viu o rapaz loiro e misterioso que se mudara para o nº. 3 da Rua dos Alfeneiros quando ele tinha onze anos. Viu o homem que em uma tarde lhe ofereceu chá e logo depois ofereceu um ombro amigo e abriu a sua casa para um Harry precisando de orientação. Viu um homem que praticamente o fez seguir em frente, que o ensinou grandes coisas, que graças às lições e conselhos o fez sobreviver à guerra.

Um homem enigmático que o expulsou de sua casa porque um garoto de dezesseis anos magoado e confuso o beijou. Um homem que confessou o amar e depois sumiu, levando com ele todas as suas memórias. Um homem que agora estava na sua frente e para ele não passava de um menino. Os papéis estavam completamente invertidos. Agora Harry era o homem, o loiro o menino e mais um mistério precisava ser resolvido.

- Luc? - chamou incerto e ao ouvir o seu nome sendo pronunciado quase em um sussurro, o loiro virou-se, arregalando os olhos claros ao ver quem estava ao seu lado.

- Harry. - disse em um ofego e os olhos verdes de Harry percorreram por toda a figura do jovem. Dizer que ele não mudara nada em treze anos era pouco para justificar o fato de que Luc simplesmente parecia ter estacionado na casa dos vinte, o que intrigava o moreno ainda mais. - Isso não era para acontecer. - murmurou o jovem surpreso e ia dar as costas para partir quando a mão grande e firme de Potter o segurou no lugar e os orbes verdes cravaram-se no rosto do garoto, exigindo por respostas.

- O que não era para acontecer? Nosso encontro? Minhas memórias que aparentemente você levou junto com aquele beijo de despedida ou o fato de que em treze anos você não envelheceu um dia? - o sacudiu fortemente pelos braços, as sobrancelhas negras se franzindo em um gesto de frustração que Luc conhecia muito bem. - Vamos Luc, me responda! - quase gritou no ouvido do garoto, mas controlou-se para evitar chamar a atenção daqueles que passavam ao redor deles. Luc engoliu em seco, sem saber o que fazer, e num ato de coragem resolveu abrir o jogo de vez.

- Luc não. - declarou com a face ainda mais pálida e o corpo trêmulo. Seria extremamente punido pelo que estava prestes a fazer, mas quem dizia que no momento ele se importava? A emoção de re-encontrar Harry e o medo se misturavam de uma maneira dentro de si que tornava toda e qualquer atitude dele no momento extremamente irracional.

- Como? - piscou Harry confuso.

- Luc não. - repetiu o jovem e resolveu dar a cartada final, aquela que seria o início de todos os seus problemas. - Draco Malfoy. Meu nome é... Draco Malfoy.

FIM