Ship: James/Lily

Sinopse: Segunda Guerra Mundial. Espaço de mortes, tristeza e agonia; mas entre um heróico piloto inglês e uma enfermeira alemã nasceu um grande amor.

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Alemanha; dois de outubro de 1940

Os fuzis apontados para todos os lados. Respiração suspensa. Os sentidos canalizados no olfato e na audição. As mãos nervosas e frias, pelo frio e pela situação. Quase não restava mais nada; os alimentos e a água iam escasseando. Só restava a vida, e a vida de alguns.

Logo, o brilho de uma lâmina atingiu-me o olhar; em um segundo compreendi o perigo eminente. Desviei rápido e a baioneta raspou-me o braço de onde jorrou sangue, atraquei-me com o atacante num supremo esforço para defender a vida.

Rolamos ambos por uma ribanceira e nossa luta era de vida e de morte.

A certa altura, meu antagonista bateu a cabeça em uma pedra atordoando-se por um segundo, o que me deu tempo para abatê-lo a golpes do revolver que saquei rapidamente.

Nesse instante, vi um imenso clarão, enquanto que sentindo uma dor aguda no ombro esquerdo, perdi os sentidos.

Quando acordei, o dia já amanhecera. Acreditei ter morrido. Sentia-me muito fraco.

O chão estava sujo de sangue, com moscas que enxameavam sobre os corpos estendidos. Vi diversos companheiros por perto. Todos mortos. E ao meu lado o alemão que eu atingira estendia-se morto.

Rastejei até conseguir sentar a muito custo. Estava tonto.

Ninguém nos vira. Estávamos em terreno baixo, e terreno inimigo. Estava começando a recuperar o equilíbrio quando ouvi ruídos de motor e vozes que falavam em alemão. Estava apavorado, se me vissem de certo me matariam; não estavam acostumados a recolher feridos britânicos. Por outro lado, não podia ficar ali, ferido e condenado à morte lenda, dolorosa e sem esperança de socorro.

Desde então uma idéia audaciosa brilhou para mim. Com o resto de forças que possuía comecei a tirar a roupa embebida de sangue do soldado alemão. Uma tarefa difícil, porque todas minhas forças haviam se esgotado na parcialmente bem sucedida tentativa de me levantar.

Desnudei-o e gastei certo tempo para vesti-lo com minhas roupas e eu com as dele. No meu pensamento, precisava até de suas roupas íntimas. Meu sangue escorria na neve que começava a cair. Meus lábios estavam como pedra, de tão secos, encostei-os na roupa que estava vestindo que ainda estava molhada pelas gotas do orvalho. Voltei a me vestir. Senti o frio percorrer minha espinha; aquela era minha única saída.

Terminei de pôr uniforme onde havia uma brilhante suástica e tornei a gemer para atrair a atenção deles e depois de algum tempo consegui que um soldado me notasse.

Ele chamou os padioleiros que trouxeram uma maca.

Embora atemorizado, fechei os olhos dissimulando estar sem sentidos.

O plano funcionara.

Colocaram-me ao lado de outra maca sobre o caminhão.

O nazista ao ver-me sôfrego deu-me água e estendeu-me um pedaço de pão. Embora úmido e mofado agarrei-o como um diamante.

Permaneci calado. Se abrisse a boca abriria minha cova. Tentei fingir um desmaio, mas a fome e a dor aguda que tinha não me deixaram simular tornando real.

Quando acordei não me recordei dos últimos fatos; como um raio tudo voltou à cabeça. Os ataques, o soldado alemão, o ombro e acabei vendo um grande salão. Um salão onde na época da vida poderia ter sido usado para recepções festivas, e hoje um depósito de dor. Muita dor.

Estava quase apagando quando vi uma adorável moça.

Seus ruivos e longos cabelos emolduravam seu alvo rosto. Os seus verdes e brilhantes olhos fitavam-me, juntamente com um sorriso – não um sorriso comum, um sorriso que nunca havia visto. Um sorriso que só ela sabia dar. Sua expressão adolescente, assim como a minha.

Vi-a conversando com o médico da enfermaria da base, mesmo por ser em uma língua estranha percebi que falavam de mim.

Pena que não vi seu rosto por mais de alguns segundos. Poderia acreditar ter morrido se não fosse por uma agulhada abundantemente real em meu braço, o que depois daquilo, não vi mais nada.

Seu semblante ficou na minha mente o tempo todo. Estava me sentindo como nunca senti antes, um mesclado do que meu coração estava sentindo e o fato dela ser uma alemã. Estava deixando que meu coração batesse mais forte por uma inimiga. Poderia ser tudo, mas era alemã. Como poderia?

Acordei. Já havia escurecido. Não conseguia ver muita coisa, estava escuro, exceto por algumas velas no corredor. Ao meu lado algo branco que se mexia fazia-me perceber que não estava sozinho, que em pouco tempo uma vela apareceu do meu lado.

- Olá, finalmente acordou! Meu nome é Lily, Hans. – ela disse em alemão, sorrindo, enquanto encarava seus grandes olhos verdes que iluminavam o salão junto com a solitária vela.

Não poderia dizer nada. Qualquer coisa entregaria minha identidade. Minha alma doía em não poder dizer como meu coração bateu mais forte desde quando a vi.

Aquilo nunca poderia acontecer, estava metido em uma aventura que só Deus saberia como iria terminar. Às vezes, sentia vontade de ter ficado no campo de batalha como um inglês. Estava traindo a tudo. A Inglaterra estava resistindo às tropas alemãs – o que me dava esperança de poder reencontrar minha família como havia deixado.

Percebia em seu doce olhar que meus sentimentos não estavam sozinhos, e isso confirmei em um dia em que o inverno alemão começava a surgir. Os flocos de neve durante a manhã batiam sobre a vidraça e pela noite os trovões. Os pingos deixavam de serem serenos e faziam de um jeito que me confundia se era a guerra ou uma chuva. Naquela época, finalmente consegui burlar todas as chances de ser considerado um inglês.

Estava bem vestido, quase pronto para ser enviado novamente para a guerra, a noite escurecia os corredores e as velas que acabavam não eram trocadas. A luz do luar que iluminava os corredores vazios.

Fui cursando vagarosamente aquele corredor vazio. Meu coração ia sozinho. Passei por quatro portas até chegar à quinta. Respirei fundo e suavemente girei o puxador. Ela estava olhando para o espelho; seus cabelos escovados e soltos caindo sobre aquela camisola. O quarto escuro deixava-me ver apenas a nitidez dos seus traços. Estava me desligando do mundo. Nossos corpos estavam se juntando, milímetro por milímetro, mas agora estavam próximos. Ela apertou a mão em meu peito enquanto descia, via seus olhos verdes olhando para os meus. Nossos lábios roçavam; sentia sua respiração no meu rosto, os corpos se tocando e nossas mãos se entrelaçando. Tomei a primeira atitude, escorreguei minha mão sobre seu abdome, logo após suas mãos quentes, apesar do inverno, percorriam o meu. Sua mão tocou o cinto e vagarosamente o abriu jogando-o para o chão. Comecei a abrir os botões da minha camisa enquanto sua camisola estendia-se no chão. Senti minha calça ficar solta na cintura. Lily acidentalmente empurrou a mesa de cabeceira fazendo cair um vaso com lindas flores que tentavam alegrar aquele triste ambiente de guerra. O barulho foi alto, o que nos fez escutar passos nos corredores.

- Esconde, vamos! – ela sussurrou quando começou a ouvir passos.

Escondi-me sob a cama da forma que estava. Outra enfermeira abriu a porta do quarto, mas ao ver que Lily dormia tranqüilamente fechou-a e voltou para seu aposento. Arrastei-me para o colchão, mas em instantes estávamos juntos sobre o carpete. Novamente sentia sua respiração sobre meu rosto, agora célere e descompassada, saindo em pequenas exclamações de prazer. Sabíamos que era apenas o começo, nossos lábios, nossas línguas e nossos corpos se tocavam e agora sabia que não pararia. Agora eu era o James da Lily; e ela a minha Lily. Por um momento parei para pensar onde estaria meu patriotismo. Desejá-la e amá-la seria trair meus companheiros tripudiando sobre a minha consciência? Afina, ela era uma alemã. Uma inimiga. Mas não deixei que isso tomasse minha cabeça.

Alguns minutos se passaram e começava a pensar novamente até quando poderia levar avante aquela farsa? Estar em convivência com ela fazia-me superar aquilo, mas perdê-la quando descobrisse a verdade me deixaria sem rumo; já que não saberia mais como viver sem ela em minha vida. Todavia, sua pátria era daqueles que assassinaram meus companheiros, criaturas que aprendera a temer e a odiar, entretanto ela era diferente.

Não conseguia pensar em ficar longe dela caso por ventura descobrisse que não se tratava de um alemão nazista aquele que se entregara e ele próprio seria fuzilado futuramente. Tomei coragem ao ver seus olhos abrirem depois de um breve cochilo.

- Lily, aconteça o que acontecer, preciso dizer que a amo. – disse acovardado, mas decidido a continuar com a verdade – Preciso saber se você realmente me ama para lhe dizer a verdade.

- Hans, claro que eu te amo. Te amo como nunca amei ninguém. – a sua calma estava acabando, e percebia a aflição nos seus olhos – Por favor, me conte. Acho que tenho o direito de saber. Também tenho algo para lhe falar. Mas por favor, conte-me primeiro.

Respirei fundo antes que ela tomasse frente do que iria falar. Nada poderia ser mais importante do que aquilo. Estava traindo-a. Olhei para o chão sem ter coragem de olhá-la, e comecei a falar.

- Lily, não sou quem você pensa que sou. Não sou Hans Müller como costumam me chamar. – ela estava paralisada apenas ouvindo-me falar – Sou britânico. Meu nome é James Potter. Foi no primeiro bombardeio que fomos cercados. Fui ferido. Troquei a farda com um soldado morto que estava ao meu lado. Consegui ser recolhido pelos enfermeiros e o resto você já sabe. Foi isto que aconteceu. Lily, mas, eu a amo! Não me importo com o resto! Quando a guerra acabar poderemos viver felizes sem um abismo de cadáveres entre nós. Lily, por favor, perdoe-me. Diz que me perdoa.

Estava esperando uma reação. Quando ouvi que ela apenas ria. Ria como uma criança. Ria feliz. Virou-se e abriu um caderno, nesse caderno tirou o desenho de uma suástica, olhou para mim e começou a rasgá-la. Aquilo de fato não era normal. Uma alemã rasgar a cruz gamada que era conhecida como o símbolo de liderança na guerra. Quando no mais puro inglês ela pronunciou:

- É verdade?

Aquilo de fato estremeceu-me. Apenas consegui pensar que estaria sonhando. O que poderia estar acontecendo. Outra vez no dialeto em que imaginava todos os dias poder ouvir novamente ela continuou falando:

- James, isso é verdade? – ela perguntou novamente – É verdade mesmo?

Apenas sorri.

- Estava tentando dizer-lhe o mesmo, mas não tinha coragem para isso. Tinha medo de você me denunciar ou algo do tipo. Eu sou londrina, e você?

Meu coração nem manifestou certo tipo de sobressalto, pois parecia que algo dentro de mim sabia disso. Como seria possível que alguém tão amável seria como aqueles que matavam meus companheiros, torturavam e estupravam pessoas. Não, ela não era assim. Ela era minha Lily, o amor da minha vida e o motivo da minha existência. Ela era a mulher que amava, que sonhei em amar um dia e que sempre amarei.

Curioso sobre a ocorrência de uma inglesa estar convivendo juntos com aqueles cães desalmados perguntei:

- Mas Lily, como você está aqui?

E quando aqueles olhinhos pequenos de tanto rir começaram a marejar. Ela me abraçou e começou a chorar no meu ombro.

- Lily, o que houve?

Ela começou:

- James, na primeira vez que tentaram invadir a Inglaterra minha família foi morta. E como não havia mais sentido ficar lá determinei ingressar para um convento. E como para mim não havia mais sentido a vida, com dezesseis anos acabaram enviando-me para a Alemanha por um erro. De fato não sei como isso aconteceu. Aqui me chamavam de Elizabeth Pankraz, ou simplesmente Lily. E acabei me tornando enfermeira desses que tiram a vida de um dos meus.

- Não podemos ficar aqui. Temos que fugir. – disse sem pensar.

- Para onde, meu amor? Estamos encurralados. Nunca mais poderemos ser Lily Evans e James Potter. Elisabeth Pankraz e Hans Miller serão nossos nomes para sempre se quisermos viver. E eu quero, quero viver minha vida toda ao seu lado.

- Deve ter algum grupo de resistência que possa nos passar para algum lugar que não seja aqui – sugeri.

- Já pensei nisso, mas não existe algum lugar nessa Europa que não tenha tropas germânicas. Estão exterminando os judeus principalmente na Polônia, a Itália está como a Alemanha. E a França está quase toda no chão, a batalha em Sedan deixou-os fora da guerra, creio que seja um bom lugar, pois ainda há grupos de resistência, mas, mesmo assim, acho melhor esperarmos até que tenhamos certeza de onde iremos.

Tentamos parar de pensar nisso e olhávamos juntos as estrelas esvaecerem e o dia começar a clarear.

A guerra delongava-se e a batalha na Inglaterra estava longe de ser ganha. A obstinação do nosso povo heróico causou sérios embaraços à ação germânica que contava capitalizar essa vitória em menor espaço de tempo.

Uma semana se passou.

O médico entrou na enfermaria dando instruções pelas papeletas de cada paciente às enfermeiras que o seguiam.

Ele chegou ao meu leito, meu destino estaria ali. Estava em perfeitas condições para voltar à guerra. E de fato queria fazer o que me fora proposto: estava treinado para ser um piloto. Amava aquilo, era parte da minha vida. Defender minha pátria com algo que amo desde criança. Mas não a nação inimiga.

Entendi quando disse à Lily a palavra "piloto" e "volta". Percebi em tristeza em seu olhar. Ela começou a arrumar meus poucos pertences e fui esperar do lado de fora.

Depois de algum tempo Lily apareceu chorando, ela soltou tudo que estava carregando e mergulhou em meus braços.

- James, por favor, prometa que nunca se esquecerá de mim. Por favor, prometa! – ela me beijou com desespero – Prometa que quando a guerra acabar você voltará para me buscar.

- Lily, eu nunca irei te esquecer. Tenho que lutar pela Alemanha, mas na primeira oportunidade voltarei. Não agüentarei até a guerra acabar. Lily, eu te amo e viveremos felizes em qualquer lugar que não seja aqui.

Continuamos a nos despedir até que ela olhou fixamente nos meus olhos:

- Eu preciso te contar uma coisa. Receio que aconteça o pior, mesmo sabendo que não acontecerá, mas mesmo assim quero que saiba. – ela suspirou por alguns instantes, pegou minha mão e colocou sobre a sua barriga.

Meu coração pareceu saltar como louco. Meus olhos começaram a marejar de felicidade. Apenas vi seus olhos verdes assim como os meus.

- Nada vai acontecer, minha querida. Tudo ficara ótimo. Volto para te buscar e ver nosso filho.

Ela voltou para o seu trabalho. Sua imagem percorria em minha cabeça sem parar. Estava tendo alucinações de felicidade. Nunca mais queria voltar para aquela guerra suja; queria ficar com ela e meu filho, um pedaço de mim e de quem eu amo. Aquilo parecia ser ilusório.