Título: Sober

Shipper: Tom e Ginny

Classificação: M


Disclaimer: As personagens pertencem exclusivamente à escritora J.K Rowling. Se pertencessem a mim, eu serviria a Tom Riddle minha vida inteira.


Sober

Parte I

Andava pela multidão de Londres. Estava um dia nublado e frio, quase chuvoso, assim como todos os outros. Ginny aproveitava o tempo para caminhar entre a multidão trouxa que se amontoava e se empurrava. Bufou, odiava não poder aparatar.

Um homem alto a empurrou e ela desistiu de caminhar pelas ruas, entrando em um bar escuro por uma porta à esquerda. O bar estava cheio mesmo em uma terça feira. Estava anoitecendo e os homens trouxas saíam dos trabalhos e se acumulavam nas mesas redondas, conversando alto e rindo sem parar enquanto tomavam suas cervejas.

Ginny engoliu em seco e andou até o balcão, apertando a jaqueta de couro comprada semana passada no corpo. Todos os homens a olharam maliciosamente.

- Oi, delícia!

- Sente-se com a gente!

- Precisando de companhia?

Ela sentiu asco quando viu que alguns homens com alianças nos dedos olhavam para seu corpo como se ela fosse um pedaço de carne. Continuou sua caminhada para o balcão e sentou-se em um banco vazio, longe de todos. O garçom andou em direção à garota, um pano sujo pendurado no ombro esquerdo, e olhou para ela, piscando.

- O que vai querer, mocinha?

Ela não sabia de cor as bebidas dos trouxas. Correu os olhos pela prateleira cheia de garrafas coloridas. Achou uma em específico e apontou para a garrafa com um líquido transparente. Era simples e parecia o que o bar tinha de mais barato. O garçom a olhou, surpreso, mas deu de ombros e depositou o líquido transparente em um copo minúsculo. Ela pegou o copo e o analisou, procurando manchas e indícios de que não fora lavado corretamente.

- Eu espero que esteja tudo bem com você, mocinha. Não é todo dia que garotas como você pedem isso.

Apontou para o copo e Ginny engoliu o líquido de uma vez, sentindo sua cabeça girar. Fechou os olhos e a sensação piorou. Suas mãos pálidas espalmaram o balcão para tentar conseguir algum equilíbrio. O que era aquilo? Era mais forte do que Uísque de Fogo Ogden.

Alguns homens assoviaram para a garota e ela tratou-se de endireitar o corpo, plantando a bota camurçada no chão. A tonteira passageira melhorou e ela acenou novamente para o garçom, pedindo mais um copo da bebida. Esquentava, e isso era bom para alguém que teria que passar a noite na rua. Um homem sentou-se ao seu lado, olhando fixamente o copo como se duvidasse de que ela pudesse beber tal líquido, acendeu um cigarro e soltou a fumaça densa para o lado. Os pulmões de Ginny protestaram quando ela inalou a fumaça.

Ela não poderia voltar para seu apartamento, se é que poderia chamar o cubículo sujo de apartamento. O lugar era inabitável para qualquer ser humano, mas para alguém foragido era perfeito. Perfeito até o momento em que ela estava voltando da padaria trouxa e entrou pela porta do apartamento. Estava tudo revirado, suas roupas estavam jogadas por todo o chão úmido. As gavetas já não existiam mais.

Olhou em volta de onde estava e segurou com força a varinha por dentro da jaqueta de couro. Alguns homens insistentes ainda a olhavam, e Ginny desistiu de beber no bar. Não poderia ficar mais de uma hora no mesmo local. Chamou o garçom e pediu a conta. Ele sorriu e disse o preço. Ela tirou algumas moedas trouxas do bolso da jaqueta, surpreendendo-se que a bebida fora tão barata e desconfiando de que o garçom também havia simpatizado demais consigo.

Entregou o dinheiro para o homem e ele acenou para ela, mostrando os dentes amarelos. Engoliu em seco e se virou, andando depressa para fora do bar.

- Boa noite, loirinha!

Deu tempo de escutar o cumprimento do garçom antes da porta do bar bater e Ginny fitar a noite. As ruas estavam desertas no momento e já começava a nevar. Odiava neve. Fazia suas poucas roupas se encharcarem e ela sempre sentia mais frio.

O pensamento de que não teria seu cubículo para dormir na noite a fez estremecer. Fechou a jaqueta de couro e puxou a touca de lã para baixo, tentando tampar o máximo que conseguisse de pele. A varinha ainda estava segura em suas mãos.

Começou a andar pelas ruas de Londres, procurando um lugar isolado para se sentar. Passou os olhos pelas paredes escuras dos prédios do subúrbio. Cartazes grudados por todos os lados infestavam as ruas.

"Procurados".

Fotos de pessoas conhecidas olhavam para ela intensamente. Elas não se moviam, e não poderiam se mover. Para os trouxas, as pessoas que estavam nos cartazes eram apenas bandidos perigosos. Para Ginny, eram seus melhores amigos. Reconhecia cada rosto do cartaz, e sabia que nunca os veria novamente, além de fitar os pedaços de papéis.

Uma lágrima riscou a face dela e ela balançou a cabeça, encostando os dedos pálidos e trêmulos no rosto de Luna, tentando em vão captar alguma essência da garota. Merlin, como Ginny gostaria que a foto se movesse, e Luna sorrisse um pouco, levando-a momentaneamente a Hogwarts e à sua época boa, nem que fosse por segundos.

Mas Luna não sem moveria na foto. Assim como os outros. Lembrou-se dos rostos que não estavam presentes nas fotografias trouxas. Sua família e Harry Potter nunca estariam nas fotos, assim como Hermione. E eles também não se moveriam. Nunca.

Pessoas mortas não sem movem.

Sentiu lágrimas mais urgentes. Ginny era a única que sobrara da família Weasley. Voldemort conseguira dizimar todas as pessoas que ela amava, restando apenas a garota que agora estava em um beco, chorando por causa de fotos de pessoas procuradas, sentindo frio e fome.

Ela se sentia fraca com a falta de comida no estômago. Mas não arriscaria gastar seu último dinheiro trouxa com comida. Poderia precisar para comprar mais bebida e se aquecer. O líquido transparente que tomara já fazia efeito no seu corpo, e ela andava cambaleando pelas ruas escuras e ermas. O barulho da bota pressionando a neve acumulada era o único som presente, sendo cortado apenas por sons distantes de buzinas ou sirenes.

Ela se sentia exausta, e gostaria de desmaiar se pudesse escolher. Seu corpo pararia de sentir tudo e ela se desligaria do mundo. Conseguiu avistar um beco escuro, onde estava coberto por um toldo preto, impedindo de cair neve em algum lugar. Um cachorro dormia tranquilamente ali. Ginny caminhou para o local e se sentou, pousando a cabeça na parede fria.

O vento agora estava mais forte e ela sentia as consequências no seu corpo. Começou a tremer. A cabeça doía pela falta de comida e ela fechou os olhos, tentando se concentrar em algum barulho perto de onde estava. Mas apenas o som da respiração do cachorro chegava aos seus ouvidos, gritando para a garota que até mesmo ele conseguia ter uma noite tranquila, enquanto ela não dormia há uma semana. Tentou se levantar, mas uma fincada na cabeça deixou-a tonta. Ginny caiu onde estava, batendo a cabeça com força na parede e desmaiando.


Acordou zonza e abriu os olhos, olhando atentamente onde estava. Odiava ficar inconsciente. Era perigoso demais. Reconheceu o beco que estava na noite passada. Havia dormido ali? Ou desmaiado? O cachorro já não estava mais no lugar de antes, a noite fora substituída pela claridade forte, e mesmo que não tivesse sol, seus olhos arderam quando tentou enxergar mais além. Os carros passavam velozmente pelas ruas, buzinando. Alguns trouxas colocavam a cabeça para fora do vidro e falavam palavrões.

Ginny se levantou e passou a mão pela roupa, retirando a neve grudada. Enfiou a mão no bolso da jaqueta de couro e suspirou de alívio ao ver que sua varinha ainda estava intacta. O cenário inteiro havia mudado, a única coisa que estava exatamente igual era sua fome.

Saiu do beco contando as moedas prateadas no bolso e se perguntando se teria dinheiro o suficiente para comprar algo na padaria trouxa. Andava pela rua cheia quando avistou duas figuras um tanto quanto diferentes da multidão londrina. Estavam vestidos com roupas pretas e capas da mesma cor. Um olhava atentamente a rua, o outro alisava o braço esquerdo.

Ela estremeceu e tentou atravessar a rua, mas um carro passou velozmente por ela, buzinando.

- Olha por onde anda, loira burra!

O homem gritou e Ginny fez força para não xingá-lo. A fome a deixava devagar, e realmente não tinha percebido que o sinal estava aberto. A gritaria do motorista e o barulho dos pneus derrapando no chão por causa da freada brusca chamaram a atenção dos dois homens. Eles olharam para ela e ela desviou os olhos, abaixando ainda mais a touca e voltando a andar.

Passou pelos dois homens e um cochichou algo no ouvido do outro, olhando-a de cima embaixo. Começaram a andar atrás da garota, que apressou o passo sem que eles percebessem. A padaria estava a dois quarteirões de onde ela se encontrava e Ginny rezava para chegar ao lugar a tempo.

Os homens apressaram o passo também e ela, no desespero, começou a correr sem pensar nas consequências. A claridade fazia seus olhos arderem, mas ela corria sem rumo, tentando desaparecer da vista dos homens e derrubando trouxas pelo caminho. Tinha certeza de que eram Comensais da Morte e só confirmou isso quando viu os dois homens sacarem a varinha e gritarem para ela.

- Ei! Você aí! Pare!

Ginny sacou a varinha do bolso da jaqueta e tentou acertar um feitiço, mas o Comensal desviou-se com precisão e murmurou algo, fazendo um movimento preciso com a varinha. Ela sentiu suas pernas pesadas e sua velocidade diminuir, como se seus membros tivessem vida própria e decidissem descansar após uma longa maratona. O Comensal agarrou com força o braço dela e Ginny virou-se para olhá-lo. Sua respiração estava rápida e pesada, os pulmões sentindo as consequências da noite passada no frio.

O Comensal se aproximou e pegou o queixo da garota, olhando-a nos olhos, curioso. Vincou a testa quando ela tentou se desvencilhar do toque dele.

- Quem é você?

Apontou a varinha para o peito dela e ela olhou-o, assustada.

- Meu nome é Honória Nutcombe.

Falou o primeiro nome que lhe veio à mente. Não sabia se tinha lido em algum livro na biblioteca de Hogwarts ou escutado nas conversas dos pais durante o almoço. O homem olhou mais atentamente para ela, retirando de seu bolso um pedaço de papel, mas a outra mão ainda empunhava a varinha em direção ao peito dela. Ele olhou para seu companheiro e voltou a olhar para a garota.

- Não é ela, Rowle.

O outro Comensal chegou mais perto, pegando no rosto da garota com seus dedos finos e pálidos.

- Por que correu, garota?

Seu hálito bateu no rosto de Ginny. Ela não tinha resposta para aquela pergunta. Correr fora uma atitude estúpida demais para ter explicações posteriores. A varinha do outro Comensal fez mais pressão no peito dela e ela deu um passo para trás.

- Eu... eu achei que vocês fossem assaltantes.

O Comensal riu, acompanhado pelo companheiro, e ela quase suspirou de alívio. Mas na mesma velocidade que eles começaram a rir, pararam. O Comensal murmurou alguma coisa e ela sentiu-se leve, desconectando rapidamente sua mente do mundo.


- Ginny?

Abriu os olhos rapidamente, temendo que ainda estivesse nas mãos dos Comensais, e o que viu não era nada parecido com o seu pensamento. Sua família a rodeava. Ginny estava deitada em uma cama confortável e sua mãe a olhava com ternura nos olhos.

- Onde estou?

Nenhum dos presentes respondeu. Retirou os cobertores do corpo e caminhou pelo quarto, encontrando um espelho. Ela estava recuperada, nenhum arranhão em sua pele, nenhuma roupa suja, nenhuma fome.

Aquilo só poderia ser um sonho.

Arthur chegou perto da garota, seguido de Molly. Os dois colocaram as mãos nos ombros pálidos dela e sorriram. Ginny fitou os reflexos dos pais no espelho.

- Onde estou?

Os sorrisos morreram e agora toda sua família se aproximava. Ela se virou para sua mãe e essa se curvou, olhando-a no mesmo nível.

- Você terá que ser forte, filha.

Os gêmeos se curvaram também para alcançar os olhos da garota, muito mais baixa que eles.

- Seja forte por nós, Ginny.

Ginny tentou falar, mas parecia que havia perdido a voz. Sua família foi se dissolvendo, ela queria perguntar onde estava e porque eles estavam falando aquilo. Teria morrido? Se tivesse morrido, não queria voltar, queria ficar com sua família. Grossas lágrimas caíam pela sua face quando viu os rostos e os cabelos ruivos dissolverem na sua frente, Ginny sendo puxada para trás, como se tivesse sendo arrancada à força de um sonho que ela não gostaria de sair.


- Acorde, sua puta!

Sentiu alguém estapear sua cara e a ardência na bochecha direita. Abriu os olhos para fitar os dois Comensais que haviam a capturado. A raiva penetrou todo o seu corpo. Raiva pela sua família. Raiva por eles terem a tirado de um sonho ótimo. Raiva pela fome que estava passando por causa deles. Cuspiu no chão e sentiu outro tapa forte em seu rosto. Tentou se levantar, mas cambaleou devido à dor de cabeça. Os dois riram.

- Levante-se. O Lorde das Trevas quer ver você.

Ginny quase gritou ao escutar a frase. Fitar Voldemort nos olhos vermelhos era a última coisa que pretendia fazer em seu resto de vida. A última vez que tinha o encontrado, Voldemort ria ao ver o corpo duro e esticado do seu noivo, um Harry sem vida. Mas ela não conseguia vê-lo diretamente, apenas escutava sua risada maligna, o corpo dele estava coberto por um manto.

Ela estava sob a capa de invisibilidade do garoto, e paralisada devido a um feitiço que Harry havia murmurado antes de cair morto na sua frente. Ela observou a morte do seu noivo, assim como observou a morte de todos os seus amigos, e de sua família. Harry queria protegê-la com a capa, o único artefato que enganou Voldemort até então.

A capa havia enganado até a morte certa vez, mas Ginny sabia que os dois não eram muito diferentes. Para ela, Voldemort representava a morte em pessoa. O objetivo de Harry se concluiu. Ela estava intacta, até agora. Definitivamente fitar os olhos vermelhos de Voldemort seria a última coisa que veria antes de morrer. Fora Harry que havia lhe dito que os olhos dele eram vermelhos, e ela sempre sonhava com tais olhos desde que perdera o noivo e a família.

Abaixou a cabeça e tentou se levantar, mas suas pernas não obedeciam. Olhou em volta. Estava em uma sala escura, o chão era de carpete negro. Apenas algumas luzes de velas iluminavam o ambiente. Os Comensais estavam perto da parede. Ela passou a mão pela jaqueta procurando a varinha, em vão. Suas mãos subiram para a cabeça e ela percebeu que ainda estava de touca, puxou-a mais para o rosto, enterrando-se no pedaço de pano. Pensava em como fugiria daquele lugar quando escutou uma voz familiar vindo de fora da sala. Retumbava pelo corredor.

- Os Comensais acham que não é ela, meu Lorde. A garota é loira e tem olhos castanhos escuros.

O Comensal com cabelos negros que havia apontado a varinha para Ginny mais cedo abriu a porta. Ela semicerrou os olhos, tentando enxergar além da escuridão que a porta havia revelado.

Apoiou-se no joelho e duas figuras entraram. Ela abaixou a cabeça com medo do que veria quando escutou uma risada que fez cada poro do seu corpo se arrepiar por inteiro. Ela conhecia aquela risada. Mas...

- É ela.

A voz arrastada chegou aos seus ouvidos e o coração de Ginny bateu fortemente dentro do seu peito. Não queria olhar, mas sabia que se não tentasse enxergar algo, não confirmaria para si mesma que estava tendo uma alucinação. Com dificuldade e cuidado, levantou a cabeça e fitou os pés dos dois homens que haviam entrado no aposento. Um calçava um sapato surrado e ela o olhou nos olhos, fitando Pedro Pettigrew. Sua boca começou a produzir uma saliva de gosto ruim ao fitar o pequeno homem.

O outro calçava um sapato impecável, parcialmente coberto por um manto negro de veludo. Ela levantou os olhos, percorrendo o corpo do possível Lorde, procurando seus olhos vermelhos e suas fendas de cobra no lugar do nariz, em vão. O que descobriu fez seu coração saltar dentro do peito e sua respiração cessar por dois segundos.

A imagem perfeita de Tom Riddle agora sorria para ela. Os mesmos cabelos escuros ondulados, o mesmo sorriso torto e doentio, os mesmos olhos azuis escuros e frios, relevando que o homem que estava a sua frente não tinha alma. Ginny quase desmaiou ao fitá-lo, mas se sobressaltou quando ele caminhou em sua direção rapidamente.

Ele ficou de frente para ela e pegou sua touca, arrancando-a da sua cabeça. A touca caiu junto com a peruca que ela havia comprado há meses, exibindo seus cabelos compridos cor de fogo. Os fios vermelhos contrastavam com tudo o que estava na sala e Tom sorriu para a garota, abaixando-se para olhá-la nos olhos diretamente.

Ela estremeceu, os cabelos caindo pela jaqueta, descendo em cascata pelas costas. Olhou para Tom sem desviar os olhos, trancando o maxilar e amaldiçoando o homem que havia acabado com sua felicidade. O sorriso doentio de Tom voltou ao seu rosto.

- Sentiu minha falta, Ginevra?

Ginevra. O nome que ela odiava. Havia contado isso para Tom quando escreveu no seu diário. Quando tinha apenas doze anos. Quando era inocente e acreditava em uma amizade. Ginny não acreditava em mais nada, graças ao monstro que estava na sua frente, sorrindo para ela. Ele havia a machucado de todos os jeitos, e ela não deixaria isso acontecer de novo.

Levantou-se rapidamente tentando alcançar o homem. Mas esse apenas apontou a varinha para a garota.

- Crucio.

Sentiu a pior dor do mundo. Facas entravam e saíam por todo o seu corpo. A sala foi preenchida com seus gritos e as risadas de Tom. Achou que ia desmaiar. Mas ele não parou. A varinha responsável por mortes terríveis ainda apontava para o peito dela, e seu dono ainda sorria ao vê-la sofrer. Ele não ia parar. Ginny fechou os olhos quando sentiu que seu corpo não conseguiria aguentar mais a dor que estava sentindo.

Depois tudo ficou negro.