Disclamer: Saint Seiya não me pertence, o que é uma pena realmente XD

Esta é uma fic yaoi com twincest, ou seja contém relacionamento homossexual entre irmãos gêmeos, se você não gosta, não leia.

Wuthering Heights

Cápitulo I

Prezada senhora e amiga,

Venho por meio desta tentar trazer-lhe senão um conforto ao menos uma luz acerca dos fatos que assolaram sua família. Sei que parece no mínimo estranho, senão insolente, da parte de um completo desconhecido vir de repente a falar-lhe com tamanho asenhoramento de assunto deveras particular. Digo pois que é não outra senão minha consideração e apreço pela senhora que me levam a assim proceder.

Chamam-me Lockwood e fui eu que loquei a granja onde outrora residiu vossa família, posto que, por capricho de meu médico, foi me recomendado algum repouso no campo. Que procurasse um lugarejo ermo e bucólico, como há vários pelo interior desse país, disse-me ele. E, pareceu-me, não haver lugar na terra mais apropriado a cumprir-lha as ordens do que Wuthering Heights. De forma que foi uma feliz coincidência Thrushcross Grange estar vazia quando da minha visita por esta região. Como há de se prever agradou-me imensamente a propriedade antiga com sua sólida construção em pedra e madeira maciça. O tamanho estava a contento e a decoração era exatamente ao meu gosto. O escritório, em particular, com todos aqueles volumes antigos encadernados em couro, me agradou sobremaneira. Também veio bem a calhar que a propriedade já contasse com um estábulo, além de seus próprios criados. Entre os quais, aliás, devo dizer ainda se encontra a Sra. Dean, de quem deve se lembrar, com certeza, e que muito colaborou para satisfação da minha tão indiscreta obsessão.

Devo-lhe esclarecer, no entanto, e, antes de mais nada, que foi por mero acaso que acabei me deparando com a historia por trás da tragédia que se abateu sobre sua casa. História essa que tenho motivos pra crer nem mesmo a senhora conhece por inteiro. De forma que, e, ainda correndo o risco de parecer impertinente aos seus olhos, pretendo esclarecer com esta todos os fatos que conduziram as mãos do destino a moldar os tão fatídicos acontecimentos na forma que eles vieram a tomar.

Peço que leia atentamente todo o relato mesmo nos momento em que este lhe parecer por deveras difícil, na esperança de que, quem sabe, venha a compreender, como eu compreendo agora, que há muito tempo antes do que se supõe, desde o princípio eu diria, já vinha as mão hábeis do destino arquitetando semelhante desfecho. E que tal compreensão insufle, talvez, um pouco de calor e piedade em seu coração.

Penso que tudo começou em certa noite de tempestade quando já contava alguns meses de minha estadia por aqui e, devo confessar, a monotonia do campo já começava a inquietar meu espírito, acostumado que estou a vida agitada da corte. Foi talvez esta inquietação que me levou aquele dia, apesar dos protestos da Sra. Dean sobre o mau tempo e o perigo dos caminhos nas colinas, a, imprudente, aventurar-me numa cavalgada por aquelas bandas.

Logo, como não poderia deixar de ser para um estrangeiro como eu, vi-me perdido nas encostas das colinas e encurralado por nuvens de tempestades que se precipitavam ameaçadoras as minhas costas. Assim foi que em busca desesperada de um lugar para me abrigar do tempo vim a me deparar com o caminho que leva a Wuthering Heights. Como sabes, há meses que por aqui estava e ainda não havia tido a oportunidade de conhecer meu proprietário. A boa educação há muito que clamava uma visita a fim de apresentar-me ao meu vizinho. Assim que entendi ser aquele o momento perfeito para fazê-lo.

Ao me aproximar da propriedade espantou-me desde logo a magnífica imponência da construção. Um verdadeiro castelo sólido e antigo, encarapitado no cimo de uma grande elevação rochosa, donde o vento, agitado, passava gemendo entre as pedras, qual um lamento arrepiante das almas ali perdidas. Fui recebido a porta por uma crida bastante magra e franzina acompanhada de quatro imensos cães negros e robustos, que rosnavam as suas costas, como que dispostos a saltar sobre mim a qualquer instante.

A mulher não parecia muito contente em me receber e não fosse as exigências da etiqueta certamente teria dado-me com a pesada porta na cara sem um segundo pensamento. Após eu ter me apresentado como o novo inquilino, no entanto, afastou-se para o lado, abrindo o caminho, e me sinalizando com a cabeça para que entrasse.

Ao contrário do que se poderia imaginar, o interior da residência, apesar de suntuoso, estava longe daquilo que se espera da propriedade de um nobre. O ambiente era escuro e sombrio e todos os objetos ali dispostos pareciam desgastados e mal cuidados.

Uma vez lá dentro a criada indicou-me uma poltrona, que seguindo a linha das demais mobílias da sala era de madeira escura, recoberta de um tom de veludo cor de vinho que devia ter sido muito bonito um dia, mas que agora se encontrava desgastado e saturado de pó.

Mal tomei assento a mulherzinha voltou aos seus afazeres que, pelo que pude apurar, compreendia, naquele momento, pregar alguns botões ao casaco de um belíssimo jovem que, só agora eu reparava, achava-se acomodado em uma pesada mesa de jantar a organizar alguns papéis. O belo homem, de longos cabelos ruivos, dirigiu-me apenas um olhar breve e gelado antes de voltar a remexer com suas mãos muito alvas a pilha de papéis sobre a mesa. Os quatro gigantescos caninos, por sua vez, entenderam por bem se acomodar a minha volta vigiando ameaçadoramente cada mínimo movimento que fazia.

Não demorou muito a porta da frente se abriu num estrondo e um homem, por volta de seus 40 anos, irrompeu sala adentro. Era bastante alto e imponente com longos cabelos loiros que lhe caiam pelos ombros. Seu semblante era carregado e assustador e, por um momento, pareceu mesmo que ia pular sobre mim ao deparar comigo ali sentado. Fulminando-me com olhar ferino. Ainda assim era bastante bonito. De ombros largos, feições marcantes e boca bem desenhada. O dourado dos cabelos destacando as belas safiras brilhantes que tinha no lugar dos olhos. Desses cuja beleza e imponência nem o tempo consegue apagar, pois que apesar de já na meia idade era ainda bastante visível, sob as marcas dos anos, a beleza de seus traços.

- Quem és tu? Que fazes aqui? – foi logo indagando o recém chegado sem qualquer polidez.

- Sou o , seu novo inquilino. – apresentei-me - E tu, se não me engano, és meu senhorio, Lorde Oren Calrton, Barão de Lancaster, senhor destas terras, estou certo?! - completei, simpático, estendendo-lhe a mão. Ele, no entanto, continuou apenas a me olhar inamistosamente sem sequer dignar-se a corresponder meu cumprimento.

Bastante desgostoso de tal tratamento e um tanto desconcertado com a situação, tentei explicar-lhe os fato que me levaram a estar ali, naquele momento, em sua residência onde, restava mais do que claro, eu não era bem vindo.

Meu interlocutor, por sua vez, apenas continuou a me fitar com olhos perscrutantes, como que a avaliar, por inconcebível que fosse, que perigo poderia eu representar. Penso, no entanto, que não me julgou de grande ameaça, posto que, sem mais palavras, virou-me as costas, dirigindo-se a mesa onde se sentou ao lado da criada, ordenando-lhe que fosse servido o jantar. A mulher Imediatamente levantou-se rumo ao que desconfio fosse a direção da cozinha e, talvez sentindo alguma piedade pelo meu desconforto, convidou-me a participar da refeição. Não me fiz de rogado, e acomodei-me imediatamente a mesa, tomando assento ao lado do belo ruivo que ainda parecia entretido com seus papeis. Estava faminto, já que a ultima refeição que tomara fora o desjejum, e isso já faziam pelo menos umas boas oito horas.

Findo o jantar fomos nos sentar novamente na sala, onde nos foi servido duas chávenas de chá acompanhado de alguns biscoitos a guisa de ceia. A chuva ainda não amainara e tentei estabelecer alguma conversação com meu anfitrião a fim de passar o tempo. Este, no entanto, apenas se limitava a dirigir-me alguns monossílabos, quando o fazia. Ainda assim, ao fim de algum tempo, e com bastante insistência de minha parte, devo dizer, consegui descobrir que o belo jovem que outrora nos acompanhara no jantar, Camus Renoir, como eu vim a saber, era seu primo, esposo da única filha de seu tio que morrera já havia alguns anos vítima de uma doença fatal.

Naquela hora, em minha ignorância, pensei que poderia tal morte ser a causa de todo aquele abandono hostil e recluso e da imensa tristeza que eu via pesar em seus olhos, e julguei que o compreendia, afinal. Mal sabia eu, então, quão longe ainda estava da verdade.

Já eram por volta das oito horas da noite e a chuva ainda caía pesada. Aquela altura eu já havia perdido qualquer esperança de voltar pra granja naquele mesmo dia, pois que ainda que o tempo melhorasse jamais eu conseguiria encontrar meu caminho de volta pelas colinas no escuro. Assim que, me enchendo de coragem, perguntei se não poderia ali pernoitar. Meu anfitrião, que já a um bom par de horas parecia totalmente absorto nos próprios pensamentos, desviou os olhos que mantinha fixos no fogo crepitante da lareira e olhou-me como se eu houvesse perdido a razão. Depois, sem nada dizer, voltou a imergir novamente em si próprio.

Permaneceu nesse estado até por volta das nove, quando, ainda totalmente esquecido de minha presença ali, subiu as escadarias que davam acesso aos quartos, recolhendo-se as partes mais privativas da propriedade.

Fiquei sem saber como deveria agir. Minha vontade era levantar-me imediatamente e me por dali pra fora da maneira que fosse. Mas sentia-me mal. A cabeça girava e estava fraco. Para minha surpresa, no entanto, a velha criada, que a essa altura eu já julgava ser a única na casa, apiedando-se da minha condição ou simplesmente ciente do absurdo daquela situação, me convidou a subir e ocupar um dos quartos onde pudesse passar a noite.

Subimos pelo que me pareceram longos minutos, mas isso também pode ter sido devido ao meu cansaço. As escadarias eram escuras e estreitas, iluminadas apenas por alguns archotes dispostos bem ao alto nas paredes de pedra. A criada ia à frente, uma vela na mão erguida sobre a cabeça para iluminar o caminho, e eu seguia-a da melhor forma que podia pelos degraus escorregadios.

Enquanto me guiava na escada, ela recomendou-me que ocultasse a vela e não fizesse barulho, porque seu patrão tinha umas idéias esquisitas a respeito do quarto em que ela ia pôr-me e jamais permitia, espontaneamente, que alguém ali se alojasse. Perguntei o motivo. Respondeu que não sabia. Vivia ali há uns dois anos e tão estranhos eram os modos de todos que ela nem teria tempo de indagar de tudo.

O quarto em questão não passava de uma pequena alcova que por certo já não era visitada há algum tempo, visto a quantidade de poeira que se acumulava sobre os móveis e a umidade que se concentrava em certos pontos da parede. Toda a mobília consistia em uma cadeira, um armário e uma grande cama de carvalho posicionada junto a uma pequena janela cujo rebordo servia de mesa. E, embora o ar estivesse frio e rescindisse a mofo, naquele momento, aquele me pareceu o mais convidativo e acolhedor dos cômodos, tamanha era minha ânsia por um lugar pra deitar.

Mal me vi dentro do aposento e me estiquei na cama, meu corpo todo doía pelos esforços do dia. Por maior que fosse o meu cansaço, no entanto, não conseguia me obrigar a dormir. Meus olhos sonolentos buscavam por tudo quanto podiam perscrutar a fraca luz da vela que me fora fornecida. Lá fora a chuva havia se transformado em neve e parecia açoitar com fúria os vidros da janela ao meu lado.

No rebordo, onde coloquei a vela, viam-se empilhados a um canto vários livros, estragados pela umidade, e diversas inscrições feitas a ponta de faca na pintura. Inscrições que repetiam, aliás, os mesmos nomes, em todas as espécies de letras, grandes e pequenas: "Kanon" e "Saga". Às vezes ambos se misturavam parecendo tratar-se de um único nome pra depois aparecerem separados novamente.

Numa entorpecente apatia, encostei a cabeça na janela e continuei a soletrar as letras daqueles nomes desconhecidos, até que meus olhos se fecharam. Poucos minuto depois, reabriram-se, diante do fulgor de letras brancas que saltavam da escuridão, brilhantes como espectros. Levantando-me para espantar aqueles nomes obsediantes, percebi que o pavio da minha vela se inclinava sobre um dos velhos volumes, do qual se desprendia um cheiro de pergaminho queimado. Espivitei- a, e, sentindo-me mal sob a influência do frio e de uma persistente náusea, sentei-me e abri o volume que fora tostado, pondo-o em meus joelhos. Era uma bíblia, dessas em tipos miúdos, tresandando terrivelmente a mofo. A folha de guarda tinha a inscrição: "Pertence este livro a Kanon de Lancaster", e uma data que remontava a um quarto de século atrás.

Tornei a fechar o volume e abri outro, este trazia o nome "Saga de Lancaster" na folha de guarda. Fechei este também e tomei o seguinte, e depois outro e mais outro, até tê-los examinados todos. A pequena biblioteca era escolhida, e seu estrago denunciava haver sido bem manuseada, embora nem sempre muito a propósito. Raros eram os capítulos que haviam escapado a um comentário ou coisa semelhante à pena ou à lápis, enchendo os espaços em branco deixados pelo impressor. Havia frases destacadas. Em outros trechos, tinham a forma de um diário regular, rascunhado pelas mãos inábeis de uma criança. No alto de uma página em branco, diverti-me bastante dando com uma excelente caricatura de meu conhecido José, o capelão, traçada de maneira tosca, mas vigorosa. Brotou dentro em mim um imediato interesse pelo desconhecido e comecei logo a decifrar seus semi apagados hieróglifos.

"Que horrível domingo!", começava o trecho que se seguia. "Desejava que nosso pai voltasse. Hidley é um substituto detestável... Seu procedimento para conosco é atroz... K. e eu vamos nos revoltar, demos esta noite as primeiras providências.

Choveu torrencialmente o dia inteiro. Não pudemos ir à igreja, de modo que José teve de reunir os fiéis no sótão. Enquanto Hidley e sua mulher se aqueciam lá embaixo diante de um bom fogo (ocupados em tudo, menos em ler sua Bíblia, sou capaz de jurar). Kanon, eu e o infeliz moço de lavoura tivemos de tomar nossos livros de rezas e subir. Alinhados em um saco de milho, resmungando e tiritando, esperávamos que José também tiritasse, a fim de que se interessasse em encurtar seu sermão. Debalde! A cerimônia durou justamente três horas e nosso tio, entretanto, teve ainda a coragem de exclamar, quando nos viu descendo: "Como! Já acabaram?". Outrora, nas tardes de domingo, era-nos permitido brincar, contanto que não fizéssemos muito barulho. Agora, basta um simples riso abafado para nos condenar a ir para um canto.

"Vocês se esquecem de que há quem mande aqui", diz o tirano. "Arraso o primeiro que me fizer raiva! Exijo obediência e silêncio completos. Ó rapaz, foi você quem fez isto? Francesca, minha querida, dê-lhe um puxão de cabelos quando passar. Bem ouvi que ele estava estalando os dedos."

Francesca puxou com força os cabelos de Kanon, depois foi sentar-se nos joelhos do marido, e assim ficaram, como duas criancinhas, uma boa hora, beijando-se e dizendo-se tolices... palavras vãs e absurdas de que nos envergonharíamos. Metemo-nos, como pudemos, debaixo do armário. Acabava eu apenas de amarrar nossos casacos e suspendê-los em forma de cortina, quando entrou José, que voltava de uma inspeção pelos currais. Arrancou minha cortina, bateu-me na cara e crocitou:

"O Barão mal está enterrado, o sábado ainda não acabou, o som do Evangelho ainda está nos ouvidos de vocês, e têm coragem de brincar! Que vergonha! Sentem-se, coisas ruins! Não faltam bons livros por aí para vocês lerem. Sentem-se e pensem nas suas almas".

Ao pronunciar essas palavras, obrigou-nos a mudar de posição, de modo a recebermos do fogo distante um pálido raio de luz que aclarasse o texto do calhamaço que largou em cima de nós. Não conseguia suportar aquele tratamento. Kanon agarrou o engordurado volume que lhe deram pela lombada e jogou-o na parede, afirmando que tinha raiva dos bons livros. Lançei o meu, a pontapés, para o mesmo lugar. Foi um deus-nos-acuda!

"Sr. Hidley", urrava nosso capelão. "Venha cá! O menino Kanon rasgou a lombada do 'Capacete da salvação' e Saga desabafou a raiva na primeira parte do 'Caminho Largo para a Perdição'! Que desgraça permitir o senhor que eles continuem a viver assim! Ah! Se o velho estivesse vivo, eles entrariam agora em uma boa tunda!"

Arrancando-se de seu paraíso a beira do fogo, Hidley agarrou um de nós pela gola e o outro pelo braço, lançando-nos a ambos na cozinha, onde, segundo asseverava José, o 'tinhoso' nos viria buscar tão certo como estarmos nós vivos. Assim confortados, encostamo-nos um no outro a fim de nos aquecer, procurando um cantinho para aguardar-lhe a chegada. Consegui este livro e um tinteiro. Entreabri a porta exterior para poder ter luz e passei vinte minutos a escrever. Mas meu companheiro está impaciente e propôs que nos apossemos do manto da leiteira e fujamos para os pântanos, abrigados debaixo dele. Excelente sugestão... e depois, quando o velho rabugento chegar, poderá crer que a sua profecia se realizou... Debaixo da chuva não poderá haver mais umidade e mais frio do que aqui."

Suponho que os garotos executaram seu projeto porque na frase seguinte Saga já abordava outro assunto.

"Quão longe estava eu de imaginar que Hidley pudesse me levar a odiar tanto!", escrevia ele. "Estou com dor de cabeça, a ponto de não poder encostá-la no travesseiro. E, contudo, não há o que eu possa faze sem piorar ainda mais as coisas. Pobre Kanon! Hidley resolveu por mudá-lo de quarto e não permitir que ele fique conosco, nem que faça conosco as refeições. E diz que ele e eu não devemos mais brincar juntos, ameaçando-o de pô-lo para fora de casa se desobedecermos as suas ordens. Ora, mas se ele pensa que vamos aceitar isso só pode mesmo estar louco. Esteve a censurar nosso pai (como teve ele essa ousadia?) por haver tratado-nos com tanta liberalidade."

Começava a cochilar metendo o nariz na página semi apagada. E, enquanto em uma semi inconsciência dava tratos a bola para adivinhar o que teria acontecido aos garotos, espichei-me na cama e adormeci. Ai de mim! Tristes efeitos do mau chá e do mau humor! Que outras coisas me poderiam ter feito passar a terrível noite que passei? Não me recordo de nenhuma que lhe seja comparável.

Comecei a sonhar quase antes de cerrar os olhos. No sonho lembrava-me de estar deitado no quartinho de carvalho onde me achava e ouvia distintamente as rajadas do vento e as chicotadas da neve. Escutava também o ruído irritante e repetido do galho de pinheiro que tocava minha janela toda vez que as rajadas de vento sopravam daquele lado e atritava os cones secos contra a vidraça. Aquilo aborrecia-me tanto que resolvi fazê-lo cessar, se possível. E imaginei que me levantava e que tentava abrir os postigos. O gancho estava soldado a chapa da fechadura, circunstância que eu observara quando acordado, mas esquecera. "É preciso, entretanto, que eu o faça parar!". Murmurei, metendo o punho através da vidraça e estirando o braço para agarrar o importuno galho; mas, em vez disso, meus dedos se fecharam sobre os dedos de uma mãozinha gelada! O intenso horror do pesadelo me empolgou. Tentei recolher meu braço, mas a mão a ele se aferrava, enquanto uma voz de uma melancolia infinita soluçava:

- Deixa-me entrar... deixa-me entrar!

- Quem és tu? – Perguntei, ao mesmo tempo em que continuava a tentar desvencilhar-me.

- Kanon de Lancaster. – respondeu a voz, tremendo. – Volto pra casa. Perdi -me no pântano!

Ao ouvir isso percebi vagamente um rosto pálido de criança, emoldurado por longos fios louros, que me olhava através da janela. O terror me tornou cruel. Vendo que era inútil tentar desvencilhar-me, puxei-lhe o punho para o vidro quebrado e o esfreguei pra lá e pra cá, até o sangue correr e inundar os panos da cama. A voz gemia sempre: "Deixa-me entrar!", e a mão mantinha seu tenaz aperto, deixando-me quase louco de terror.

- Como poderei? – disse eu afinal. – Larga-me se queres que te deixe entrar!

Relaxaram-se os dedos. Retirei rapidamente os meus do buraco, empilhei vários livros a frente do mesmo para defender-me e tapei os ouvido com as mãos para não ouvir mais o lamentoso pedido. Mas o doloroso choro continuava a ouvir-se!

-Vai-te! – gritava eu – não deixarei nunca que entres, nem que tenhas de suplicar durante vinte anos!

- Há vinte anos – gemeu a voz – vinte anos, há vinte anos que vivo errante!

Depois ouvi uma leve arranhadela lá fora e a pilha de livros moveu-se como se tivesse sido empurrada. Tentei levantar-me, mas não pude mover um só membro. Pus-me então a dar berros, em um paroxismo de pavor. Para vergonha minha descobri que os berros eram reais. Passos apressados se aproximavam da porta do quarto. Alguém a empurrou com energia e um clarão brilhou através da abertura. Eu estava sentado ainda, oculto nas sombras, todo trêmulo, enxugando o suor que me corria na fronte. O intruso parecia hesitar e monologava em voz baixa. Afinal murmurou sem esperar resposta:

- Há alguém aqui?

Achei melhor revelar minha presença porque reconheci a voz de meu anfitrião, e receei que, ficando quieto, levasse ele mais além em sua busca. Em conseqüência levantei-me da cama e aproximei-me, um vulto, da luz da vela. Não esquecerei por muito tempo o efeito que isso produziu.

O Barão conservava-se perto da porta, em camisa e de calças, com uma vela que se lhe derretia em seus dedos e o rosto tão branco quanto a parede estava por detrás. O primeiro estalido do assoalho fê-lo estremecer, como sob efeito de uma descarga elétrica. A vela caiu-lhe da mão e projetou-se a alguns passos de distância. Sua agitação era tamanha que mal pode apanhá-la.

- Sou eu mesmo, seu hóspede – gritei-lhe, desejoso de poupar-lhe a humilhação de exibir por mais tempo a sua covardia. – Tive a desgraça de gritar em sonho, vítima que estava de um terrível pesadelo. Lastimo tê-lo incomodado.

- Oh! Deus o confunda, Sr. Lockwood! Gostaria que o senhor estivesse no... – começou meu hospedeiro, pondo a vela a vela sobre uma cadeira porque verificava ser-lhe impossível conservá-la firme na mão. – E quem o meteu nesse quarto? – continuou ele, enterrando as unhas nas palmas das mãos e rilhando os dentes para reprimir as convulsões dos maxilares.

- Foi sua criada, aquela maldita! E eu que cheguei a pensar que se condoesse da minha situação... na verdade, estava era querendo ter outra prova de que o quarto é mal assombrado, à minha custa. Pois bem, é. Está formigante de fantasmas e duendes! O senhor fez bem de conservá-lo trancado, dou-lhe minha palavra. Ninguém lhe agradeceria o ter-lhe proporcionado uma soneca em semelhante antro!

- O que quer dizer, e que está fazendo? – Perguntou o Barão. – Torne a deitar-se e acabe sua noite já que está aqui. Mas, pelo amor de Deus, não repita aquele escarcéu.

- Se o diabinho houvesse entrado pela janela, é provável que tivesse me estrangulado! – repliquei. – Não estou para continuar a sofrer perseguições de seus hospitaleiros antepassados. E esse Kanon, ou Saga, ou sei lá o que, deveria ter sido uma coisinha bem ruim! Contou-me que há vinte anos errava pela terra; estou certo de que como castigo justo de seus pecados mortais.

Mal terminei de pronunciar tais palavras, Lorde Calrton ficou rígido, os olhos chispantes de raiva. Quase que se podiam ver as veias saltando-lhe no pescoço e um brilho avermelhado no olhar.

- Que pretende o senhor, falando a mim desta forma? – Trovejou, com selvagem veemência. – Como... como ousa o senhor a fazê-lo, debaixo do meu telhado? Meu deus, só estando doido pode ele falar assim!

E esmurrava a cabeça, cheio de raiva.

Quedei-me atônito. Eu não sabia se me mostrava zangado com aquela linguagem ou continuava minha explicação. Mas ele parecia de tal modo afetado, que tive pena e retomei a história dos meus sonhos. Enquanto eu falava, o Barão ia-se pouco a pouco ocultando no canto mais escuro do quarto, onde que se achava a cama, até que afinal se sentou, quase escondido por trás dela. Adivinhei, no entanto, pela sua respiração irregular e entrecortada, que ele forcejava por dominar os ímpetos de uma emoção violenta. Não querendo deixá-lo perceber que dava conta de sua luta interior, continuei a vestir-me um tanto barulhentamente, olhei para o relógio e monologuei a respeito do tamanho da noite: - Não são ainda nem 4 horas! Juraria que já eram 6. O tempo aqui não corre. Nós nos recolhemos com certeza às 8 horas!

- Sempre as 9 horas no inverno e levantando ás 4 – disse meu anfitrião, reprimindo um gemido e, pelo movimento da sombra de seu braço, pensei que enxugava uma lágrima. – Sr. Lockwood – ajuntou ele – pode ir para o meu quarto. O senhor só poderá causar incômodos, descendo tão cedo. E seus gritos pueris mandaram ao diabo todo o meu sono.

- E o meu também – repliquei. – Vou passear no pátio até o dia amanhecer e depois ir-me-ei embora. E não fique com receio de nova intromissão minha. Estou agora completamente curado do desejo de me distrair em sociedade.

- Tome a vela e vá para onde quiser. – resmungou Lorde Calrton. – Contudo, evite o pátio. Os cachorros estão soltos. Vamos, saia! – gritou.

Obedeci, pelo menos a ordem de deixar o quarto. Quando, sem saber aonde me conduziria o estreito corredor, me detive,fui testemunha involuntária de uma cena da parte de meu senhorio que desmentia estranhamente seu suposto equilíbrio. Aproximou-se do leito, abriu à força a janela e, enquanto a puxava, pôs-se a soluçar, em uma insopitável crise de lágrimas.

– Vem! Vem! – soluçava ele. – Vem, meu irmão! Oh! Vem – mais uma vez somente! Oh! Amado do meu coração, escuta-me afinal, desta vez, Kanon!

O fantasma, no entanto, mostrou mais uma prova do costumeiro capricho dos fantasmas. Não deu sinal de vida. Mas a neve e o vento penetraram em turbilhões furiosos, chegando até mim e apagando a vela.

Havia tal angústia na explosão de dor que acompanhava aquele delírio, que a compaixão me fez esquecer-lhe a loucura. E afastei-me, meio desconcertado por haver escutado, por pouco que fosse, e lamentado haver contado meu ridículo pesadelo, que havia provocado aquela crise, muito embora não lhe compreendesse o porquê.

Não voltei a ver meu anfitrião durante o resto da noite e logo pela manhã bem cedo um empregado acompanhou-me até em casa.O caminho foi silencioso. Eu não conseguia deixar de pensar na súbita explosão de dor meu vizinho, seu pranto angustiado ressoava em meus ouvidos e seus olhos azuis febris, ensandecidos, não me saiam da cabeça. Sem que eu me desse conta, os mistérios que envolviam aquela casa e seu estranho proprietário pareciam me absorver mais e mais.

OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Olá, essa é minha primeira fic, e como já deu pra perceber a proposta é uma releitura de "O Morro dos Ventos Uivantes" só que com meus adorados Saga e Kanon nos papéis principais. Haverá outro casal de Saint Seiya tb, que, embora eu acredite já estar meio óbvio, eu não pretendo dizer quem são por enquanto.

Muitos dos trecho escritos são trancrições originais da obra, outros tantos eu tive que inventar. Haverão algumas mudanças de história em realação ao original pra que haja coerência com relação as personalidades dos personagens. Aliás, por ser minha primeira fic é possível que estas fiquem meio OOC, mas eu farei o possível para que isso não aconteça.

Enfim, espero realmente que alguém chegue a ler isso aqui e que lendo aprecie, e apreciando deixe uma reviw para eque eu saiba que assim o foi.

Beijos