Vítimas do dever
Por Amanda Catarina
Bleach e seus personagens pertencem a Tite Kubo.
Capítulo 1
Quando um gato preto apareceu na frente da investigadora Yoruichi Shihouin, ela conseguiu, num rápido reflexo, tampar a própria boca com a mão, impedindo que um grito de susto escapasse de lá. O bichano, que também pareceu se assustar por encontrar um ser humano ali no meio daquele matagal todo, ergueu seu olhar felino para a mulher e os dois ficaram por alguns instantes se encarando, como se uma inexplicável identificação houvesse sido estabelecida entre eles. Mas não demorou muito e o gato tratou de voltar a seus próprios negócios.
– Francamente... - começou a investigadora consigo mesma em tom de sussurro. – Ia ser ridículo conseguir seguir aquele maluco por mais de cem quilômetros sem que ele me notasse e no fim acabar descoberta por causa de um gato idiota!
Yoruichi viera em um carro alugado desde a cidade de Brisbane - no estado de Queensland, Austrália -, até ali, a região litorânea da cidade de Sunshine Coast. E a pessoa que ela estava seguindo era um velho amigo seu chamado Kisuke Urahara.
A razão de seus nomes serem de origem japonesa era que ambos haviam nascido e crescido em um pequeno distrito chamado Seireitei, fundado por imigrantes japoneses há mais de duzentos anos, na cidade de Brisbane. Naquela época, vieram para essa região da Austrália um punhado de famílias ricas como a dos Yamamoto, Ukitake, Shiba, Kurosaki, Kira, e dois clãs de nobres, os Kuchiki e os Shihouin. O motivo desse êxodo nunca foi esclarecido. Nos primórdios do século XIX, quando esses imigrantes chegaram, eles adquiriram enormes fazendas, se dedicavam à pecuária e à agricultura, e casavam-se entre si, de modo a preservar a língua, os costumes e as tradições orientais. Mas agora, nos dias atuais, o quadro era bem diferente.
Ainda que mais de 65% dos habitantes de Seiretei seja de descendentes diretos daquelas famílias ricas e nobres, a miscigenação foi inevitável e chegou a um ponto que hoje pessoas que pouco remetem à etnia nipônica ostentam nomes e sobrenomes japoneses. Esse era exatamente o caso de Yoruichi Shihouin e de Kisuke Urahara. Ela tinha a pele escura, como a dos aborígenes, e os olhos castanhos muito claros, que sob a luz do sol adquiriam um peculiar tom âmbar, muito peculiar também era a cor de seus cabelos, um tom de violeta. Urahara, por sua vez, lembrava um nativo da Inglaterra ou da Alemanha, tinha a tez muito alva, os olhos de um azul cinzento e seus cabelos eram de um loiro pálido.
Os dois nasceram, cresceram, estudaram e se graduaram em Brisbane. Eram amigos inseparáveis, desde a adolescência. Chegaram a namorar nos tempos da faculdade, porém antes do término de seus cursos - ela estudava Sistemas de Informação e ele, Biologia -, Yoruichi quis terminar o relacionamento, sob o pretexto deles dois não se entrosarem tão bem como um casal. Atualmente, ambos eram funcionários públicos vinculados ao mesmo departamento federal de segurança. Ela era investigadora e ele atuava com autópsias e com a elaboração de laudos periciais. Como Yoruichi precisava viajar muito por conta do trabalho, às vezes, eles passavam dias ou até meses sem se ver, porém, mantinham contato frequente por telefone e mensagens.
Naquele dia, entretanto, Yoruichi estava furtivamente atrás de Kisuke, porque recebera, na noite passada, uma ligação de uma pessoa que não quis se identificar, que lhe sugeriu que fizesse uma visita ao loiro naquela noite. Se ela não fosse uma investigadora teria tomado a coisa por um trote, porém, quando tentou contato com Kisuke e ele não lhe atendeu, pensou que algo estranho poderia estar acontecendo. Intrigada, ela foi até o apartamento dele, no dia seguinte, e o flagrou deixando o prédio em um furgão. Ainda mais intrigada, resolveu segui-lo. Assim, depois de quase duas horas de perseguição, lá estava ela, caminhando pelo matagal dos arredores do que parecia ser um complexo fabril abandonado. Podia avistar um extenso galpão logo à frente e era para lá que se encaminhava.
– Mas o que diabos ele veio fazer num lugar desses?
Ao chegar a uma porta metálica, ao lado da qual avistou um moderno painel de controle, Yoruichi teve um mau pressentimento. Sabia que podia quebrar o código daquela tranca eletrônica facilmente, mas não lhe pareceu sensato entrar sem ter a mais vaga ideia do que acontecia lá dentro. Então se afastou dali e na lateral esquerda do galpão, notou que havia vidraças. Percebeu também um andaime, tão providencial que até parecia estar ali a sua espera. O único detalhe era que para poder enxergar alguma coisa lá dentro teria que escalar uns seis metros.
– Ainda bem que não tenho medo de alturas.
Ela não tinha medo de alturas e como era muito boa acrobata, a subida foi tão fácil quanto respirar, mas assim que teve uma visão do interior do galpão, o ar sumiu de seus pulmões e ela perdeu o fôlego.
– Ai, meu Deus... O que esse maluco está fazendo com aquelas pessoas?!
Dentro do galpão havia todo um avançado aparato tecnológico e oito leitos.
– Mas espera... Aquele é o pessoal que está desaparecido, da divisão de narcóticos!
Nos leitos jaziam pessoas que ela conhecia muito bem, pois eram seus companheiros de trabalho: Kensei, Mashiro, Shinji, Lisa, Hiyori, Rose, Hachigen e Love. A confusão e o choque a mantiveram no lugar por algum tempo, horrorizada, até que seu instinto de justiça falou mais alto e ela sacou a arma do coldre e atirou na vidraça. Afastando os cacos de vidro com as botas, ela deu uma rápida olhada para dentro na expectativa de encontrar algo que pudesse amortecer um salto. Não avistou nada, contudo, lançou-se assim mesmo.
Kisuke Urahara, que pelo susto com o tiro derrubara no chão uma bandeja de aço, ficou olhando para o fundo do galpão por onde a mulher invadira, absolutamente perplexo e boquiaberto. Yoruichi partiu para cima dele, sentindo as pernas bambas pelo salto de extrema dificuldade mesmo para bons acrobatas, com a coronha da arma em riste, pronta a acertá-lo, mas ele, saindo do estado de perplexidade e reagindo depressa, alcançou seus pulsos e conseguiu imobilizá-la.
– O que diabos você fez com eles, seu desgraçado?! - ela exigiu saber, se debatendo furiosamente.
– Fique calma, Yoruichi-san, eu posso explicar - ele respondeu em um tom de voz sereno, o qual ela conhecia tão bem, mas que naquele momento só serviu para deixá-la ainda mais revoltada.
– Cientista maluco dos infernos, me solta! - ela vociferou.
– Yoruichi-san, acalme-se, por favor. A senhorita precisa me escutar.
– Eu não vou escutar coisa nenhuma! O que vou fazer é chamar um resgate pra essas pessoas agora mesmo!
– Não! - exclamou o loiro, demonstrando enfim alguma apreensão na voz. – Por favor, não. Se fizer isso, estará condenando todos eles.
– Sem essa!
– Acredite em mim, por favor, Yoruichi-san, o mal que aflige essas pessoas está além da medicina comum.
– Pode até ser, mas eu não vejo como estarem aqui nesse fim de mundo pode ajudá-las!
– Prometo que irei explicar tudo se a senhorita se acalmar.
Ela o encarou, ainda se debatendo um pouco, então ele prosseguiu:
– Sabe, eu contava mesmo com a ajuda de Yoruichi-san.
– Ah, é?! Minha ajuda pra quê?
– Primeiro para me arranjar mais algumas drogas que serão necessárias muito em breve, além é claro de uma chave de acesso ao banco de dados do Conselho Regional de Medicina. E segundo, mas não menos importante, para me ajudar a pegar o verdadeiro responsável pela condição dessas pessoas.
– Verdadeiro responsável? Como assim?
Ele a encarou fixamente por alguns instantes.
– Espere um pouco, Yoruichi... Entendo que esteja muito chocada agora vendo tudo isso, mas não vá me dizer que está achando realmente que eu seria capaz de fazer algum mal a essas pessoas? Não deu pra perceber que é o contrário, que estou tentando ajudá-las?
Ela emudeceu e abaixou a cabeça, simplesmente não soube o que dizer.
– Entendo... Minha má fama como geneticista me precede. Só não pensei que estivesse tão mal visto assim, ao menos não aos seus olhos, mas tudo bem... Cada um colhe o que planta.
– Ah, Kisuke, vai, deixa disso. Tá bom, você disse que tem uma explicação então vamos a ela. Desembucha de uma vez.
Ele assentiu e sinalizou uma velha cadeira. Depois que se acomodaram, Kisuke Urahara deu início a um desconcertante relato, que se estenderia por mais de uma hora.
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Cidade de Brisbane, região de Spring Hill, nas proximidades da divisa com o distrito de Seireitei.
Ichigo Kurosaki ficou um tempo parado na porta admirando seu novo carro, um Mazda 3, azul metálico, zerinho, estacionado no quintal da frente do sobrado onde ele morava, com o pai e as duas irmãs. Sentia quase a mesma emoção que experimentara há alguns anos quando ganhou sua primeira bicicleta, mas era ainda melhor.
– Kurosaki ojii-san tinha toda razão quando me dizia: "Se quer ter as coisas, vê se estuda, moleque!". Ah, como ele estava certo. Quero só ver a cara do Ishida quando ele vir essa belezura! Ele vai morrer de inveja!
Entrou no carro, checou os espelhos, colocou o cinto de segurança, deu partida e suspirou diante do painel de controle de bordo mais sofisticado que já tinha visto na vida. Instantes depois ele estava a caminho da Universidade de Tecnologia de Queensland, onde cursava o segundo semestre do bacharelado em Análise de Sistemas.
Com dezoito anos recentemente completados, o jovem Kurosaki era um rapaz cheio de vitalidade e disposição, ruivo, de olhos castanhos claros, compleição atlética e quase 1,80 de altura. Fazia o tipo bem popular com as garotas, pois, em apenas um semestre naquela universidade, já causava furor entre as jovens do campus. Dirigindo todo contente, seguia muito convicto de que nada poderia estragar aquele dia perfeito. Nada a não ser uma criança aparecer do nada bem na frente do seu carro.
Afundou o pé no freio e esperava pelo ruído dos pneus cantando, mas isso não aconteceu, porque freios ABS têm por especificação parar imediatamente quando acionados, por isso, seu corpo foi alavancado para frente e comprimido pelo cinto. Aquilo doeu muito, ele quis berrar, quis torcer o pescoço daquela criança idiota, mas foi então que uma voz indubitavelmente feminina, porém assustadoramente autoritária, gritou com ele:
– Cidadão, preciso do seu carro. Agora!
Por um instante, ele só conseguiu encarar, boquiaberto, a suposta criança, que era na verdade uma mulher muito baixinha, de traços orientais, porém de olhos azuis, e de cabelos curtos. Ela usava um vestido branco com uma faixa azul, e por cima deste um coldre axilar - como aqueles usados pelos detetives -, e claro que havia uma arma ali. Como ele não se mexeu, ela não hesitou, sacou o revolver e o apontou na direção da cabeça dele.
– Não ouviu, garoto? Anda, abre essa porta, é uma emergência. Sou da polícia.
Enfim ele tratou de se mexer. Destravou a porta, soltou-se do cinto, mas ao invés de sair do carro, passou para o lado do carona. Muito afoita, a mulher entrou no carro e enquanto puxava o banco para frente, ajustando-o à suas perninhas curtas, exigiu:
– Cai fora!
– De jeito nenhum! Até pode usar meu carro, mas vai ter que me levar junto!
– Pois que seja - devolveu ela e, em três segundos, arrancou com tudo.
– Ei, ei, ei! Cuidado com o meu carro! É a primeira vez que estou saindo com ele!
– Então é novo, é? - Ichigo fez que sim com a cabeça. – E você optou por um Mazda 3. Hum, boa escolha... - comentou ela.
A princípio Ichigo ficou desconcertado, depois, todo cheio de si e até sorrindo, mas seu sorriso convencido se desfez por completo quando a mulherzinha virou o volante com tudo, subiu por cima do gramado que separava as duas vias, invadiu a outra pista, sob protestos e buzinadas, e saiu a toda na direção oposta a que ele antes seguia.
Ichigo achou que teria um enfarto. Aquilo não podia estar acontecendo. Rezando para que estivesse tudo em ordem com a suspensão e se encolhendo com os finos que a mulher tirava dos outros carros, ele implorava a Deus que aquilo tudo fosse só um pesadelo. Foi então que ele começou a duvidar que aquela mulher em corpo de criança pudesse mesmo ser uma policial. De repente, era o contrário, e ela era uma ladra. Desconfiado, ele deu uma boa olhada para ela, então não pôde deixar de notar que as pernas dela estavam um tanto à mostra, pois o vestido mal chegava aos joelhos dela. Repentinamente interessado, ele fitou-a com mais atenção e aconteceu de achar que ela até que era bonitinha.
– Tá olhando o quê? - trovejou a policial.
– Nada! - ele retrucou e virou depressa a cabeça para o outro lado, para esconder a vermelhidão que cobriu sua face.
Passados alguns instantes de um silêncio angustiante, ele reunia coragem para perguntar para onde ela estava levando seu adorado carro, mas foi então que percebeu a pequena enfiar a mão dentro da gola do vestido e tirar de lá um celular. Alternando entre a pista e o aparelho, para maior desespero dele, ela efetuou uma chamada.
– Já que você quis vir, segura isso pra mim - ela mandou, depois de ter deixado o aparelho no viva-voz. – E bico calado!
Ichigo obedeceu de pronto.
– Alô? Aqui é a tenente Kuchiki Rukia. Quem está aí?
Os dois ouviram uma voz masculina e grave do outro lado da linha que respondeu:
– Fala, Rukia. Aqui é Byakuya.
– Ah, que bom que foi você que atendeu, nii-san. Você não vai acreditar! Estou na cola daquele matador desgraçado.
Ichigo vidrou os olhos ao ouvir aquilo.
– Rukia, isso é algum tipo de brincadeira? Porque se for, não teve graça - disse o homem do outro lado da linha e seu tom muito sério condizia perfeitamente com o comentário.
– Não, não é brincadeira! Ah, só um minutinho, nii-san - disse e afastando a face do aparelho e voltando a cabeça para a janela do carro, a baixinha gritou: – Oe! Sai da frente, seu molóide - exigiu ela e desceu a mão na buzina.
Depois que a barulheira parou, o homem do outro lado da linha, questionou, num tom mais exaltado:
– O que diabos está fazendo, Rukia? Você não disse que ia ao shopping?
– Disse e fui.
– Então pode, por favor, me explicar como um passeio no shopping virou uma perseguição a um serial killer?
– Um serial killer! - berrou Ichigo.
– O que foi isso? - quis saber Byakuya.
– Isso o quê? - Rukia desconversou, fazendo uma cara de "eu vou te matar, moleque" para Ichigo, que cerrou os lábios imediatamente.
– Quem está aí com você, Rukia? Renji, é você?
– Não tem ninguém comigo, nii-san. Eu ia dizer que foi lá no shopping que eu vi o sem vergonha. Daí, saí correndo atrás dele.
– Como assim saiu correndo atrás dele? - retrucou Byakuya.
– Literalmente, ué! De que outro jeito seria? - o jovem conteve a custo uma risada e a baixinha continuou: – Mas daí ele fugiu numa moto, que a propósito ele roubou de alguém. Então precisei pegar um carro... emprestado.
– Emprestado? - Byakuya retrucou em tom inquisitivo.
– Droga, nii-san, não dá pra explicar direito agora! O miserável tá fugindo! Ele está indo em direção ao centro, pela Avenida Hale. Eu preciso de reforços!
– Você vai precisar é de um médico quando eu botar minhas mãos em você, sua desmiolada! Mas tudo bem, isso pode esperar. Estou avisando o capitão Ichimaru, ele deve estar pela região.
– Não, o capitão Ichimaru, não! Qualquer um menos ele.
Rukia não recebeu resposta, pois seu irmão cortou a ligação.
– Inferno! - ela praguejou e sua raiva foi tanta que tomou o celular da mão de um desconcertado Ichigo e o jogou no chão do carro.
Ichigo ficou perplexo, sem saber o que pensar ou dizer. Foi então que voltou seu olhar para frente e finalmente percebeu um motoqueiro ziguezagueando entre os carros, alguns metros mais à frente. Se aquela loucura toda fosse verdade, aquele só podia ser o tal matador. Engoliu em seco, e quando seu instinto de preservação o convenceu de que poderia ser muito perigoso estar por perto quando aquela baixinha invocada fosse peitar o sujeito ele ficou bastante apreensivo.
Subitamente, os dois escutaram o barulho de sirene e logo uma viatura estava no encalço do motoqueiro.
– Maldito Ichimaru! Eu que vou prender esse sem vergonha! - esbravejou ela, pisando mais fundo no acelerador, mas foi em vão.
A viatura atravessou na frente do motoqueiro e um homem que não estava de farda, mas sim usando terno e gravata, saiu do veículo com um revolver apontado e rapidamente rendeu o sujeito. Ichigo não pôde deixar de reparar na peculiar aparência daquele homem, que devia ser o tal capitão Ichimaru; ele tinha uma expressão jovial, mas seus cabelos, curtos e bem lisos, sob a luz do sol, pareciam totalmente brancos.
Parando o carro de Ichigo e largando-o mais ou menos no meio da rua, a baixinha saiu correndo. Passado quase um minuto, Ichigo, reagindo sem pensar, acabou indo atrás dela. Ainda a uma meia distância, ele viu o dos cabelos brancos lançar um largo sorriso à mulher baixinha, que pareceu ainda mais baixinha perto do homem, que era bastante alto. Mas pela expressão de completa fúria dela, ele deduziu que ela não estava nada contente com a presença daquele homem ali, tanto isso era verdade que ela passou a apontar e gesticular como quem estivesse fazendo mil e uma reclamações.
Reparando no estado exaltado dela, Ichigo, sensatamente, achou melhor permanecer onde estava. Ele viu então o motoqueiro ser empurrado para o banco de trás da viatura pelo cara dos cabelos brancos, que depois de bater a porta de trás, abriu a porta da frente do lado do carona para a pequena. Ela entrou na viatura sem parar de reclamar, o homem dos cabelos brancos não parou de sorrir e no matador Ichigo nem reparou. Assim, em mais alguns instantes, os dois ditos policiais se foram sem dizerem uma única palavra ao jovem Kurosaki, que só pôde ficar lá parado na rua com cara de bobo.
Passado um tempo, uma buzinada o fez lembrar que não devia ficar ali. Voltou correndo ao Mazda 3, deu uma rápida inspecionada para ver se estava tudo bem, se não tinha nenhum risco ou arranhado, mas não pôde gastar muito tempo na inspeção pois aquela era uma via muito movimentada, então tratou logo de se mandar.
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Cerca de quinze minutos depois, Ichigo finalmente chegou ao campus universitário. Ainda estava muito estarrecido com tudo que tinha acontecido. Inspirou fundo, tirou o cinto e só então percebeu o celular caído ali. Justo no momento em que se abaixou para pegar o aparelho, ele ouviu a voz bem conhecida de uma amiga sua saudá-lo:
– Bom dia, Kurosaki-kun!
– Bom dia, Inoue - ele respondeu, endireitando-se, com o objeto na mão.
– O que foi? - perguntou ela. ¬– Tinha deixado cair o celular?
– Foi... - ele confirmou meio sem jeito, torcendo para que ela não notasse a capinha do aparelho com motivos de flores de cerejeira e coelhos. Contudo, era precisamente o chamativo objeto que a moça, que era ruiva e de seios avantajados, parecia fitar. Antes que ela fizesse alguma pergunta, Ichigo se pôs de pé, meteu o celular no bolso de trás da calça e perguntou:
– E aí? O que achou do meu carro novo?
Abandonando a desconfiança, a ruivinha respondeu:
– Uau! Muito maneiro! Bem que Kurosaki-kun comentou que ganharia um presente especial dos seus pais por ocasião de seu aniversário.
– Meu Deus, parece até meu avô falando... Vem cá, quantas vezes vou ter que pedir para não me chamar mais desse jeito?
– Ah, não briga comigo, Kurosaki-kun, digo, Kurosaki. É a força do hábito.
– Eu sei, mas chega uma hora que temos que abandonar velhos hábitos. Não estamos mais no Colégio Karakura, tem gente de todo canto do país aqui e até de outros países. Sabia? Já é um saco ter que explicar toda hora porque um cara de cabelo laranja como eu tem nome e sobrenome japonês.
A garota deu risada.
– Tudo bem, Kurosaki. Eu vou tentar me lembrar de não te chamar mais assim.
– Eu não entendo... Com você não é a mesma coisa?
– Até é, mas eu não me incomodo. Ainda chamo a Tatsuki-chan, de Tatsuki-chan, o Ishida-kun, de Ishida-kun, o Sado-kun...
– Tá, tá, já deu pra entender! Pelo jeito, mesmo tendo essa cara de europeia, você vai querer manter os costumes dos nossos ancestrais nipônicos para sempre.
– Pois falou tudo. É isso mesmo!
Ichigo deu de ombros e lançou um sorriso compreensivo à amiga, e logo eles estavam a caminho de suas respectivas salas. Porém, naquele dia, durante as aulas de programação, o pensamento de Ichigo esteve muito longe dali, ou melhor, esteve voltado para uma pessoa: a tenente baixinha, Kuchiki Rukia.
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Cerca de uma hora depois que o serial killer havia sido encarcerado, Rukia e Ichimaru foram chamados à sala do diretor daquele departamento de polícia, o major Jushiro Ukitake.
– Meus parabéns pelo bom trabalho, capitão Ichimaru! - congratulou o major.
– Mas fui eu que encontrei o cara! - contestou Rukia, inconformada.
– Kuchiki, minha pequena travessa, você se apropriou de um bem alheio, colocou a vida de um civil em risco, isso sem falar da sua própria, foi pega por dois radares por excesso de velocidade e realmente espera receber congratulações? Eu devia dar-lhe uma suspensão, isso sim.
Ela ficou tensa e pálida com a ameaça. Vendo-a tão acuada, Jushiro se arrependeu da reprimenda, ainda que essa tenha sido feita em um tom muitíssimo brando - ele simplesmente não conseguia ser severo com seus subordinados.
– Ah, não faça essa cara... Eu não vou te suspender.
Rukia voltou a respirar e Ichimaru não conteve um discreto riso.
– Mas eu devia - retomou Ukitake –, porque graças a você, o pequeno progresso que minha bondosa médica tinha conseguido no tratamento dessa minha úlcera eterna ficou todo perdido, já que seu irmão, tão superprotetor, colocou todo mundo aqui em um estado de nervos horrível. Consegue imaginar?
– Eu acho que sim... - ela retrucou cabisbaixa. – Mas aonde ele está agora?
– Ele precisou sair para atender a um chamado urgente, mas talvez volte ainda hoje.
– Espero que não... - ela murmurou consigo mesma.
– O que? Você disse alguma coisa?
– Não! Não, senhor.
– Pois muito bem, me deixem trabalhar agora.
– Claro, major - disse Ichimaru. – Tenha uma boa tarde, ah, e desejo-lhe mais sorte com essa úlcera - e se dirigiu à porta da sala, mas antes de sair, ele acrescentou: – E, Rukia-chan, se precisar de ajuda para enfrentar seu irmãozinho, me liga.
– Não me chame desse jeito, seu miserável! - vociferou a pequena. – Vou ligar sim, pode esperar, vou ligar pra sua noiva! E contar pra ela o quanto você é sem vergonha!
Ukitake a interrompeu em toda sua brandura:
– Não caia na provocação dele, Kuchiki.
Endireitando o corpo, ela respondeu:
– Claro que não, senhor! Me desculpe por essa cena, senhor. Isso não vai...
– Preciso terminar esses relatórios, mocinha - interrompeu novamente o major.
– Ah, sim, já estou de saída - e depois de fazer uma exagerada reverência, ela finalmente deixou a sala.
Ao chegar a sua própria sala, Rukia encontrou seu parceiro de trabalho, Renji Abarai, olhando-a com um ar de completa reprovação.
– Nem uma palavra - adiantou-se ela.
– Longe de mim - ele retrucou com ironia. – Tenho certeza que seu irmão vai arrancar seu coro, quando você chegar na sua casa.
Renji era um rapaz muito alto, tatuado e de cabelos compridos, pintados de vermelho sangue. O fato de ele ser um gênio da computação fora a razão de lhe ter sido permitido manter um visual tão atípico de oficiais da lei. Balançando levemente a cabeça em negação, com um leve sorriso nos lábios, ele comentou:
– Você se mete em cada uma.
Rukia olhou na direção dele e então eles trocaram um fraterno olhar de camaradagem até que ela falou:
– Meu irmão é a última pessoa no mundo que eu quero ver hoje.
Mal ela terminou de dizer aquilo e os dois ficaram totalmente assombrados e aparvalhados quando como quem houvesse se materializado direto do além, o dito cujo falou:
– Não quer nem me ver, tenente Rukia? Então essa deve ser a razão de você não estar mais atendendo a droga do celular. Ou estou enganado?
Enquanto Renji se perguntava como Byakuya conseguia ser tão sorrateiro, Rukia, depois de se recobrar do tremendo susto e conseguir processar toda a indagação, chacoalhou a cabeça e finalmente respondeu:
– Mas meu celular nem tocou... - e só ao apertar a mão nos peitos miúdos que ela percebeu que o aparelho não estava ali. – Ah, não. Mais que merda!
CONTINUA...
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Olá pessoal! Depois de muito muito tempo essa ficwriter aqui ao invés de terminar o que ainda tem pendente resolveu voltar à ativa ao Nyah, depois de um ano e três meses, com um novo projeto de Bleach.
Sempre quis escrever uma UA e essa é minha tentativa, vamos ver no que vai dar... O que posso adiantar desse novo projeto? Vai ter mais gente e mais sacanagem do que em *Escondida no coração*, mas tanto drama e tantas complicações quanto. Alguns personagens ficarão bem OOC, espero que não se chateiem muito com isso.
Pois muito bem, obrigada a todos que vierem a ler e até o próximo capítulo!
05-04-2014.
Vocabulário.
-san - sufixo de tratamento, equivalente em português para senhor ou senhora.
-kun - sufixo de tratamento usado normalmente para meninos ou rapazes.
-chan - sufixo de tratamento usado normalmente para crianças ou entre meninas.
Ojii-san - Avô.
Nii-san - Abreviação de onii, que significa irmão.
Nota Técnica.
O distrito de Seireitei é fictício, claro, porém as localidades referentes às cidades da Austrália são verdadeiras e foram consultadas no Google Maps (Fantástico!)
