Watanuki assustou-se ao escutar a campainha do colégio, anunciando que as aulas haviam terminado.

Percebeu uma sombra surgir sobre si e ergueu o rosto, que apoiara sobre a mão.

- Você está bem? Ficou a aula inteira olhando algo pela janela... Nem respondeu quando a professora o chamou.

- Ahn? É, estou bem...

Embora pouco convencido com a resposta, Doumeki afastou-se.

Watanuki ainda demorou alguns minutos para se levantar, quando a sala de aula já estava vazia.

Os últimos estudantes deixavam a escola. O rapaz se encaminhou para a rua. Atravessou-a e foi em direção à loja de Yuuko. Caminhava distraído, de forma que se assustou quando se viu já defronte a seu destino. Suspirou e entrou.

- Watanuki chegou! Watanuki chegou! - Maru e Moro anunciaram.

- Oi, Watanuki! - Mokona veio pulando até ele, que lhe colocou sobre o ombro – Tá distraído, Watanuki! O que aconteceu, Watanuki?

O rapaz cerrou os dentes, fazendo careta.

- Não precisa ficar repetindo meu nome assim, Mokona.

- Sua cara fica engraçada quando está bravo, Watanuki! Mas está distraído, Watanuki! O que houve?

- Ahn? Hmmm... não aconteceu nada...

Yuuko aproximou-se, andando a passos largos e ritmados. Trajava um quimono vermelho e amarelo, e enfeites no cabelo.

- Seu "nada" significa que aconteceu algo. Ou melhor... que logo acontecerá.

- Do que está falando, Yuuko-san?

Mas ela não respondeu e, após esboçar um sorriso, retornou para dentro da loja.

o.o.o.o.o.o.o

O rapaz achegou-se na varanda e ali ficou alguns instantes em silenciosa contemplação.

Sentou-se, para descansar. Estava cansado, sim; embora nada tivesse feito de tanto naquele dia que mal começara.

Mal começara... E já estava cansado. Por que sentia-se tão estranho?

Ergueu o rosto para observar um casal de pássaros assentados em um dos galhos da árvore defronte à loja.

Era domingo, 8:30hs.

Pousara na loja, como parte do trabalho de meio período. Ou seria período inteiro? Mas fazia parte do pagamento pelo desejo que Yuuko realizaria. Não mais veria espíritos.

Ela logo acordaria. E solicitaria seu café da manhã.

Ergueu-se e, devagar, encaminhou-se para a cozinha.

o.o.o.o.o.o

- Está avoado, Watanuki. - comentou a Bruxa, sentada à varanda, enquanto saboreava um pouco de chá.

- Avoado, avoado! - repetiram Maru e Moro.

- Estava observando... as plantas.

- E qual seu interesse nelas? - questionou a mulher, após outro gole de chá.

- Acho interessante que... em uma terra igual... existam duas árvores diferentes. E que flores sejam tão diversas no seu formato e no colorido.

- Watanuki está poético hoje! - Mokona riu, sendo carregado por Maru e Moro feito um faraó.

- Poético, poético!

- Ah, não seja chato. - ralhou Watanuki, levantando-se.

- O dia está encantador... Descanse um pouco, Watanuki. - Yuuko sugeriu, sem levantar-se – Vá passear um pouco e se distrair...

- Posso mesmo? - Watanuki sorriu, animando-se.

- É claro que isto será debitado. - Yuuko sorriu também.

- Mas não perdoa nunca, hein, Yuuko-san... - murmurou ele, sentindo-se murchar.

- Não, não... - ela riu de leve.

o.o.o.o.o.o.o

Imediatamente após sair da loja, o rapaz espiou em redor.

Nenhuma Ayakashi.

Suspirou aliviado.

Começou a andar, sem rumo. Não prestava atenção aos próprios passos ou à paisagem. Apenas andava.

Quando deu por isso, estava já dentro de um parque.

Olhou em redor e viu um banco vazio à sombra.

Sentou-se e baixou a cabeça, distraído. Deu de topa com um laguinho.

Ficou alguns minutos ali, observando os peixes nadarem de cá pra lá naquele pequeno lago.

Espiou pro lado, em direção ao jardim. Um casal de pássaros, limpando as penas do outro cuidadosamente com o bico.

Olhou pra cima. Esquilos iam e viam pelas árvores.

Uma bola de futebol parou a seus pés.

- Hm?

Um garotinho aproximou-se, pegou a bola, e saiu chutando-a, chamando os coleguinhas.

Watanuki voltou a baixar o rosto e fechou os olhos.

Alguém se sentou na ponta do banco. Mas não deu atenção, pois o banco era de todos, igual ao sol.

Quando sentiu câimbra no pescoço, voltou a uma posição mais plana e olhou quem se sentara.

A seu lado estava um velho, de cabelos brancos e rosto muito calmo. Sorria para ele.

Correspondeu ao sorriso de simpatia.

Sem querer reparou seu traje típico. Vestia uma roupa japonesa toda preta e enfeitada com desenhos em vermelho e amarelo. De certo estava indo para alguma reunião ou... Mas de manhã, num parque?

O velho suspirou.

- Que menino desanimado, hein.

- Hm?

- É. Estou falando a seu respeito.

- Desanimado?

- Só fica aí, parado, contemplando a paisagem. Invés de estar junto aos amigos, divertindo-se. Tem corpo de criança e mente de ancião. É assim que eu o vejo.

O jovem fechou os olhos, sem saber o que responder. Seria chamado de louco se contasse metade de suas experiências "anormais".

O velho recomeçou a falar, mas Watanuki permanecia de olhos fechados.

- Eu entendo. Também gosto dessa praça. Os seus pássaros, as suas árvores, as suas crianças. E sobretudo o Palácio Japonês.

Watanuki abriu os olhos, espantado.

- Um palácio aqui? Foi o que o senhor disse?

- Isso mesmo que acabou de ouvir.

Mas nas poucas ocasiões em que visitara a praça, nunca vira um palácio.

- Bem ali. - o velho apontou – Mas poucas pessoas podem vê-lo.

- E eu, poderei?

- Quer tentar?

- Por favor. - Watanuki segurou as mãos do velho e implorou - Deixe-me ver o Palácio Japonês.

- Mesmo que quisesse mostrar... - O velho riu - Não é dado a todo mundo a maravilha de ver todas as maravilhas.

O velho tomou-lhe a mão esquerda e o guiou. Em dado momento pediu que fechasse os olhos e largou-lhe a mão. Watanuki ouviu o ruído de leves palmas.

Ali havia um portal espiritual, pintado em vermelho. Watanuki titubeou mas, seguindo o velho, passou sob a madeira.

E lá estava... um palacete de dois andares. Watanuki estranhou o fato de não haverem guardas ou portões.

Quando deu por si, estava sozinho. Olhou em redor, mas nada do velho que o guiara.