Tô sonhando? Tudo tão... escuro. Debra não pára de gritar com um nítido pavor no timbre de voz. Quero ajudar, mas em que direção tenho que ir? Sirenes. O quê diabos tá acontecendo?

– Dex, pode me ouvir? – Reconheço essa voz, mas não sei exatamente de quem é. – Dexter? – Rita. Tento falar o nome dela, mas nada acontece. Agonia. Dor. Frio. Calafrio.

– Moça, se afaste. – Voz desconhecida, e masculina. Desconforto.

Quero dizer "sim, consigo". Desconforto mais dor mais frio mais calafrio. Devo estar morrendo. Ri por dentro. Jamais me perdoaria morrer sem colocar aquele filho da puta na minha mesa. Agonia mais frio mais desconforto mais desconforto.

Era um sonho. Não importa o que tenha me acontecido enquanto eu dormia ou que eu tenha acordado duas antes horas do despertador tocar, ainda era um sonho, Rita falou comigo. Minha mente criando peças, engraçado. Rita ganhou uma passagem só de ida já faz um ano, dois meses e quatro dias.


– Porcaria de espelho sujo. – Humor matinal.

– Falou comigo?

– Não, baby, pode voltar a dormir. To xingando o espelho. – Revirei os olhos.

– Só não esquece que o espelho reflete tudo o que nele é espelhado.

– Porra, são – olho o relógio – 7 horas da manhã, tu nem acordou direito e já vem com uma dessas?

– Relaxa o corpinho, gato. Daqui a pouco te acompanho no banho.

– Não vou tomar banho. – Saí do quarto pra não ter que jogar Rachel pela janela, de tanta raiva.

Café. Cafeteira. Água. Geladeira. Rádio-tagarela. O quê essa menina tem na cabeça? Melhor! O que eu tenho pra me relacionar desse jeito com uma menina? O que me consola é que, pelo menos, ela seja maior de idade e já responda pelos próprios atos. Ou quase isso. É filha única.

– Acordou com o humor bem "exótico" hoje, hum? – Bocejo.

– Não começa. – Humor exótico, de acordo com ela, é sinônimo de dizer que alguém tá com a macaca Chita, que tá de mal humor, que tá com cara de quem chupou limão, comeu e não gostou, como preferir, não entendo dessas expressões escrotas, mas "de maneira delicada". Bobagem.

– Vem cá, vem?

– Hoje não, vai. Tenho uma reunião importante.

– Hm. Então é nervosismo?

– Não. – Orgulho.

– Orgulhoso. Vou fazer torradas. – Como ela podia ser tão bem humorada e sexy, ao mesmo tempo, às 7h?


Uma hora de ônibus pra vir a um escritório de engomados que servem café em mini xícaras de plástico. Que ridículo...

– Sr. Morgan? Já pode passar. – Secretária loira, laranja e engomada, de cabelo preso. Aposto que é uma baita safada entre quatro paredes. Mas não pago pra ver.

Três horas preso em um escritório tentando mudar a opinião de um comprador que já tinha 97% batido o martelo sobre comprar ou não minha linha de produtos. O que eu tava fazendo ali mesmo? Propostas... Acordos... Gerente-quente. Sair de cabeça baixa depois de todo aquele flerte de olhares, com ela, seria golpe baixo demais? Pra amanhecer com ela é vale-tudo.

– Lamento, não consegui convencer os caras lá de cima. – Se referia aos "super-chefes".

– Num dia a gente ganha, no outro a gente perde, não é mesmo? – Sorriso triste.

– É... – Pausa. "Ding" em cima da porta do elevador. – Mas quem sabe as duas coisas em um dia só?

– Desculpa, não entendi. – Claro que eu entendi, mas ouvir esse tipo de coisa sempre acaricia o ego de um homem, ou de uma lésbica. – Térreo, por favor.

– Moro não muito longe daqui.

– Que andar desejas, senhorita?

– Podemos almoçar e depois dar uma passada por lá... – Enrubesceu. – Acompanharei o cavalheiro.

– Parece uma proposta interessante, mas precisa ser nessa ordem?