Título:Ame no Orchestra
Autora: RyekoDono
Resumo: Mello e Near. Duas personalidades distintas e de emoções tão variadas quanto os instrumentos de uma sinfonia.
Nota: RyekoDono aqui! Minha segunda bateria de Cookies escritos para o Livejournal. Nesse arquivo serão reunidas ficlets sobre o relacionamento complexo e interessante do Mello e do Near. O título foi escolhido randomicamente, mas a música do Mucc (De tradução: Orquestra da chuva) vale a pena ser escutada.
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29. Primeiro
No seu primeiro dia no orfanato, Near sentiu um aperto no peito e um arrepio enregelar sua espinha. As crianças encaravam com cochichos aquele de maior QI, o gênio de um lar destruído pela prostituição. Até os elogios eram estranhos para o rapaz, que olhava para todas aquelas crianças como se pertencem a mundos diferentes.
A primeira aula de Mello trouxe uma vida desconhecida a seus olhos azuis. As palavras dos professores eram um desafio que ele sempre desejou, secretamente, durante os anos medíocres de colégio público. O loiro não esperou a segunda pergunta para erguer a mão, exultante, com a resposta correta na ponta da língua.
A primeira nota máxima trouxe alívio para o albino, e o olhar de aprovação do professor de direito. A nota perfeita reluzia no papel em suas mãos e trazia a primeira palavra desde que cruzou os portões da Wammy's House. "Obrigado." – Agradeceu Near, sentindo-se finalmente digno de estar no orfanato.
O primeiro lugar surtiu em Mello um efeito inesperado. O rapaz, tão certo de seu talento, viu no topo da lista o peso inédito da responsabilidade. Cabisbaixo, o loiro repreendeu a alegria juvenil que a vitória trazia e conheceu sua primeira barra de chocolate.
A primeira vez que Near viu uma calça de vinil ela atraiu sua atenção de um castelo de cartas. Diferente do couro, a textura brilhante daquela roupa quase o fez derrubar uma das frágeis fileiras. Foi também a primeira vez que seus olhos se cruzaram, e a primeira reação do loiro foi a de ignorar aquele estranho garoto albino. Near, sentindo pela primeira vez a indiferença, decidiu que ela também seria a última.
A primeira visita de L trouxe noites desagradáveis, e tardes lotadas na biblioteca do orfanato. Mello descobriu o café como uma alternativa a ser considerada, e Near derrubou uma torre de dados pela primeira vez em toda a sua vida.
Quando o primeiro lugar trocou de mãos não houve surpresas entre os alunos. Mello, que já havia previsto aquela substituição, se viu passado para trás por um rapaz insociável e frágil. Na primeira chance que teve sozinho com o garoto, o loiro marcou a pele sem melanina com um soco não muito bom. Na primeira noite de castigo, compartilhada com uma barra de chocolate meio-amargo e dois vidros quebrados, Mello decidiu ela também seria a última.
Na primeira disputa de xadrez, o loiro sentiu a frustração escorrer pelo canto de seus lábios, roubada por um bispo traiçoeiro. Foi o primeiro movimento daquela peça em toda a partida e também o avanço decisivo. Um xeque-mate que levou a platéia a discreta ovação. Naquela tarde de primavera foi a primeira vez que Near enxergou o ódio nos olhos azuis, ainda mais brilhante do que o vinil.
Não era a primeira vez que ficavam sozinhos, mas talvez o único momento de cumplicidade antes da tempestade semestral de avaliações. Atrás de livros e passatempos lógicos, foi Mello quem primeiro quebrou o silêncio: "É fácil demais odiar você." E nenhum deles gostava de desafios fáceis.
A primeira pessoa a perceber quando o ódio se tornou obsessão foi Matt. Indiferente a aparentemente tudo que não fosse virtual, o amigo desvendou, na sua primeira e última tentativa de entender Mello, todos os seus anos de disputa com Near. "Ele é a primeira pessoa que te faz passar uma noite em claro".
À primeira vista, na tranqüilidade de seus brinquedos, Near parecia intocável e insatisfeito. A verdade era que, apesar da capacidade inata de resolver passatempos lógicos, o albino se sentia freqüentemente entediado. As barras de chocolate se tornaram um desafio mais intrigante, ainda que o rapaz detestasse seu gosto açucarado.
Foi no primeiro inverno sem neve que Mello perdeu o controle. Com a terceira derrota seguida, o loiro sentiu uma vontade irresistível de prender a gola do gênio calado na estante de livros. O primeiro beijo foi apenas uma conseqüência inesperada, e fez o albino reconsiderar sua primeira impressão sobre o chocolate.
Com o passar dos meses se tornou difícil saber se disputavam o primeiro lugar ou a primeira discussão que se transformasse em toques proibidos. Uma única coisa parecia definida: Mello era sempre o primeiro a desistir das palavras.
Os primeiros rumores de Kira criaram uma atmosfera de preocupação em todo o orfanato. Mello e Near se empenhavam secretamente em descobrir informações sobre o assassino, preocupados com a atenção que a mídia passou a dedicar a L. Entre jornais, banco de dados e um semestre de pesquisas infrutíferas, aquela foi a primeira vez que Mello não se importou por ficar em segundo no ranking das médias.
A primeira semana de Dezembro trazia um alívio generalizado ao orfanato. Passado o período de provas, a calmaria costumava ser seguida de esculturas de neve, leituras acompanhadas de chocolate quente e médias alcançadas. Pela primeira vez em toda a história do orfanato a neve do jardim permaneceu intacta. Como em luto, toda a instituição tornou-se silenciosa. A expressão de horror no rosto de Mello e a calma inalterada de Near ilustraram uma desconfiança que ambos já possuíam.
Não foi a primeira promessa, nem a primeira discussão. Na última vez que o loiro cruzou os portões do orfanato, o mundo se abria em um leque de possibilidades ameaçadoras. Não houve viela que não lembrasse ao garoto o quanto ele precisaria subir para alcançar seu objetivo.
Na primeira noite após o anúncio, Near entrou na biblioteca e encontrou uma barra de chocolate esquecida. O albino sentiu no amargo da lembrança a soma de todas as primeiras vezes, primeiras chances e desilusões. No primeiro esforço de exprimir a relação com Mello, - a ausência -, Near sentiu-se completamente incapaz de começar de novo.
Sem amadorismos, os dois sabiam que a primeira chance que eles teriam de voltar atrás, - de se arrepender - , seria também a última.
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