Chimaera
Abandonar tudo agora não seria uma má ideia.
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Antes mesmo de abrir os olhos, você soube que era um novo lugar. O cheiro doce das flores, os zumbidos sutis da natureza, a espuma delicada do mar, tudo isso lhe indicava que você estava onde não sabia estar. Era tão diferenciado da tensão a que estava acostumado, que você até se sentiu desprotegido.
Mas até para isso havia solução lá naquele lugar que você não sabia onde ficava. Uma voz suave, uma carícia, emprestou-lhe paz. Descanse, meu valente. Nenhum perigo o alcançará aqui. Eu sou Calypso. Você adormeceu aninhado a ela.
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Pouco tempo depois, você estava conversando com uma pessoa que você não conhecia, em alguma ilha que você também não podia localizar. Entretanto, ao invés de se assustar ou de tentar fugir, você apenas desejou permanecer lá, trocando palavras com uma pessoa desconhecida, num lugar que você nunca tinha visto antes.
Era fácil e confortável deixar-se ser inundado pelas vibrações quase impensáveis de tudo ali, incluindo ela. A razão escorregava para fora da mente, as lembranças se esqueciam num canto qualquer, como sendo as coisas desimportantes que são.
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Aos poucos, você foi conhecendo mais do que apenas o nome dela. Ela gostava de enlaces lunares. Gostava de olhar em seus olhos. Gostava de você, dos seus gestos, da sua voz. (mas isso você só compreendeu muito depois)
O que você sabia agora era que você não era mais Perseus, Filho do Senhor dos Mares, Semi-Deus, Herói. Ela o chamara simplesmente de valente. Ela não esperava que você salvasse o mundo. Ela não implorava que você fizesse a escolha certa. Ela não tinha a vida em suas mãos. Ela – por mais difícil que fosse aceitar – não era uma quimera.
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Se ela fosse de fato mais um monstro, talvez tudo se tornasse mais fácil. Seria apenas uma questão de uma espada, um golpe, e -bum!- poeira mitológica pelos ares. Mas não era assim. A besta a ser enfrentada não estava nela, e sim numa pergunta. Talvez – certamente – a mais importante de sua vida, e não era sobre mitologia grega.
Era sobre o valente, era sobre sentimentos. E com isso você nunca soube lidar. Mas não se preocupe, ela não chegará a lhe questionar. Porque ela sabia – e você tinha certeza – que a resposta seria sim.
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O mesmo sim que você disse quando se perguntou se estava arrependido de tê-la deixado.
