Aconselho a ler "encontros e desencontros" primeiro, pois algumas vezes há alusões a passagens dela.
NO HOSPITAL
Carter chega para mais um plantão. A última noite foi particularmente difícil. Ele dá uma olhada geral antes de entrar. Mais um dia de trabalho. Pensa. Sabe que tem uma longa jornada pela frente. Não só no trabalho. A solidão também pesa. Nunca senti tanta falta da minha avó quanto no ano que passou...
Ele sabe que pode contar com seus amigos. Graças a eles, a luta contra o vício não acabou comigo. Abby e Luka... Tratam-me como se eu fosse da família. Ele adorava as crianças. Era padrinho da mais nova. O tio Carter...
Mesmo assim Carter não pode evitar a solidão... A sensação de que falta algo.
Carter respira fundo e entra. Weaver o atola com vários prontuários e ele, só a muito custo, consegue ir trocar de roupa. Encontra Abby que se prepara pra sair
Carter – Você saindo e eu entrando... É a vida.
Abby (sorri) – É... O Luka está me esperando, vou dar o cano na Weaver e sair meia hora mais cedo. Tive uma noite de cão... Os dentinhos da Melissa. Ela está super enjoadinha estes dias. Vou pra casa lamber minha cria. (Olha pra Carter). E você... Não me parece muito bem.
Carter – Alguns dias são mais difíceis que outros; você sabe... Mas estou bem.
Abby – Passa lá em casa amanhã pra jantar. O Joe tem perguntado por você.
Carter concorda com a cabeça e Abby sai.
Abby encontra-se com Luka na saída do PS. Estão se dirigindo ao carro quando ela ouve uma voz – Abigail!
Pronto! Pensa Luka – Seja quem for está com os dias contados... Todo mundo sabe que ela detesta ser chamada pelo nome...
Abby vira-se e, ao contrário do que Luka imaginava, abre um sorriso. Ela caminha em direção a pessoa. Luka olha e vê uma das mulheres mais bonitas que ele já viu... Baixinha. Mais ou menos do tamanho de Abby. Cabelos castanhos e olhos azuis.
Elas abraçam-se e começam a conversar. Luka aproxima-seAbby – Luka. Está é Clara. Foi minha colega da faculdade. Ela fazia as festas mais malucas que você pode imaginar. Luka, meu marido.
Luka – Muito prazer...
Clara – O prazer é meu. Não ligue para o que ela fala. Nem eram tão malucas assim!
Luka sorri.
Abby – E você. O que faz por aqui?
Clara – Fiquei sabendo que havia uma vaga. Vim ser entrevistada. Sai do Mercy no mês passado, se tudo der certo começo logo, logo.
Antes que Abby pudesse falar alguma coisa Neela chegaNeela – Eu sei que vocês estão de saída, mas precisamos de ajuda. Tem uma garotinha lá dentro sozinha, falando uma língua estranha, português eu acho, e chorando. Ninguém consegue entender o que ela diz. Deve estar sentindo muitas dores.
Clara vai em direção ao PS como uma bala. Luka e Abby, sem entender nada, olham um para o outro e seguem-na.
Ela chega perto da menina, que além de Neela, mobilizou a atenção de um médico e três enfermeiros.
Clara – Muito prazer! (fala dirigindo-se a todos) Sou a doutora Clara. E esta garotinha que fala perfeitamente o inglês e não está sentindo absolutamente nada é minha filha Louise que hoje tirou o dia pra testar a minha paciência. Desculpem. (Olha para garotinha com cara de poucos amigos). Será que eu não posso deixar você sozinha nem por um segundo?
A menina, que deve ter uns quatro ou cinco anos, dá uma olhada para a mãe que não está com cara de quem gostou da brincadeira e diz baixando os olhos – Desculpa!
Abby (sussurra olhando pra Luka que está segurando o riso) – Me lembre de nunca deixar que ela e o Joe se encontrem.
Clara (olhando para a filha) – Depois nós conversamos (para Abby e Luka) não se preocupem, ela raramente vem comigo, como hoje ela não tem aula tive que trazer...
Sam entra – Luka, ainda bem que te encontrei. A Weaver pediu pra você ir à sala dela. Disse que é coisa rápida.
Abby – Te espero na lanchonete. (para Clara) Vamos tomar um café?
Clara – Ótimo! Assim podemos conversar.
NA LANCHONETE
Abby e Clara estão tomando café. A menina toma um chocolate, quieta. Sabe que a mãe não está pra brincadeiras
Abby – Quanto tempo faz? Uns dez ou doze anos?
Clara – Mais... Só não me obrigue a fazer as contas.
Abby – Você sumiu... Quando saí da faculdade acabamos perdendo o contato.
Clara – Depois da formatura fui para o Brasil. Não sei se você lembra, meu pai é brasileiro. Morei lá dez anos...
Abby escuta em silêncio. Clara continuaClara – Voltei quando meu marido morreu. Fiquei sem trabalhar uns tempos... Foi muito difícil.
Abby – Sinto muito
Clara (suspirando) – Sofri muito, mas dei a volta por cima.
Abby (sorrindo) – Quer dizer que agora você tomou juízo? Por que saiu do Mercy?
Louise (interrompendo) – A mamãe deu uma festa lá!
Abby engasgaClara olha pra filha – Benzinho. Você não quer jogar fliperama?
A menina solta um gritinho de alegria e vaiClara olha pra Abby que continua sem entender nada – Calma! Não foi uma festa! As crianças que estavam internadas estavam tristinhas por não poder sair no dia das bruxas e eu organizei uma festinha...
Abby (sorrindo) – Pelo que eu te conheço você nunca foi de organizar "festinhas".
Clara – Ta bom. Confesso que exagerei um pouquinho, mas as crianças adoraram. O problema é que o diretor já estava pegando no meu pé há tempos... Só precisava de um pretexto.
Abby – E ele te demitiu...
Clara – Antes fosse. O filho da mãe teve a coragem de me chamar e falar que minha ficha estava suja, mas que se eu fosse boazinha com ele, ele daria um jeito.
Abby (chocada) – E você o processou por assédio...
Clara – Não... Meti a mão na cara dele e saí. Duvido que ele vá colocar alguma coisa na minha ficha. O safado me perseguia há tempos.
Abby (rindo) – Você continua louquinha...
Clara – Bem menos agora. Tenho uma filha pra criar. Preciso dar o exemplo.
Elas continuam conversando. Luka chegaLuka – Vamos?
Abby levanta-se – Você vai fazer alguma coisa amanhã à noite?
Clara – Nada. A não ser que você chame desempacotar caixas de programa.
Abby – Venha jantar conosco. Traga a sua filha, assim ela conhece o Joe. São quase da mesma idade.
Clara – Tudo bem. Eu levo a sobremesa. Me passa o endereço
Abby – Anota aí
Abby e Luka dirigem-se ao carro.
Abby – O que a Weaver queria?
Luka – Me falar da sua amiga. Pediu que ficasse de olho. Ela é meio maluquinha, não?
Abby (rindo) – Dizer que a Clara é meio maluquinha é o mesmo que dizer que Bin Laden é meio terrorista... Mas é ótima pessoa. Você vai ver amanhã. Ah! Chamei o Carter pra jantar com a gente também. Achei-o meio triste.
Luka – Ótimo, faz tempo que não conversamos.
