Capítulo 1. O Presente de Aniversário
Harry estava sentado no quintal enquanto brincava com um graveto, fazendo o "voar" sobre os arbustos, imaginando que era a moto voadora que sobrevoava alguma floresta, como no seu último sonho. Ele fazia barulhinhos com a boca, tentando imitar o motor de uma moto, ou pelo menos o que ele achava ser o motor de uma moto, enquanto apertava com a mãozinha o graveto, tentando ergue-lo o máximo que seus braços magros podiam chegar.
Era um dos poucos momentos que ele tinha de fato para brincar, onde não era obrigado a ir para escola, ou ajudar sua tia em casa, ou ouvir seu tio resmungar algum comentário ofensivo. Tia Petunia, a esta hora, estava fofocando com alguma vizinha, enquanto podava cuidadosamente o jardim da frente, onde Harry era terminantemente proibido de brincar. Tio Valter ainda não havia chegado do trabalho, e Duda odiava ter o primo do lado quando começava a assistir TV.
Então Harry ia para o quintal dos fundos ou, quando chovia, para o seu pequeno armário, com aquilo que pudesse pegar para brincar. Hoje não havia sido um dia de sorte, geralmente podia-se contar com Duda para quebrar algum brinquedo, seja por sentar em cima deles, ou por jogá-los na parede.
Harry era muito rápido em salvar estes brinquedos do destino terrível que era o lixo de tia Petúnia, mas não hoje, não depois da limpeza anual dela. Onde ela jogara fora todos os brinquedos quebrados de Duda, sejam aqueles que estavam perdidos no quarto de dormir do filho, no quarto de brinquedos e até mesmo no pequeno armário de Harry.
Ele havia contado que Duda espernearia por perder algum brinquedo, mesmo que ele não brincasse há anos com eles. E de fato o primo não o decepcionou, os gritos de Duda, quando Petúnia o informara que ela jogaria tudo aquilo fora, podiam ser ouvidos até no fim da rua. Mas Harry subestimou a inteligência da sua tia, ou o fato de ela saber lhe dar com seu filho. Petúnia prometeu a Duda que, a cada brinquedo quebrado que era jogado fora, Duda ganharia um novo e moderno.
Pronto, Duda até mesmo ajudou a arranjar os brinquedos quebrados, Harry suspeitou que ele tinha quebrado alguns de propósito. Ele também havia denunciado a coleção preciosa de Harry. Tia Petúnia fora impiedosa com ele, recolhendo até mesmo o conjunto de soldadinhos de chumbo que Harry herdara, depois que Duda os rechaçou por perder um ou dois. O menino sabia que, ao contrário de Duda, não ganharia nada novo, teria que esperar o primo enjoar ou quebrar os novos brinquedos que ganhara.
Portanto hoje, ele só teria o galho para brincar, torcendo para que não começasse a chover e com isso seria obrigado a voltar para seu armário. Ele estava fingindo fugir da grande ameaça de uma lagarta (ou de um dragão, como costumava imaginar) quando ouviu o barulho. O barulho que mudaria sua vida. Ele parou apenas ouvindo, e reconheceu o farfalhar de alguém andando em sua direção.
Ele olhou para trás e viu uma mulher que nunca havia visto antes. Ela usava uma capa extravagante da cor das folhas das arvores no verão, que ia até a ponta das botas, estas eram feitas de algo parecido com escamas, do roxo mais brilhante que Harry já vira. Em cima do cabelo loiro havia um chapéu pontudo, com folhas pregadas em sua extensão. A moça sorria para ele, apesar de ter lágrimas em seus olhos. Ela caminhou tranquilamente em direção a ele, e Harry não se moveu, apenas olhava para a estranha.
- Olá, querido. – disse ela com a voz tremula – Você continua muito parecido com seu pai, sabia?
Harry balançou a cabeça em um sinal negativo. A moça riu, passando as cotas da sua mão, de forma carinhosa , na bochecha de Harry.
- Mas seus olhos são iguais aos de Lily, sua mãe – disse ela sacodindo o cabelo dele – E acredito que seu gênio também seja dela.
- Você é alguma coisa minha? – disse o menino esperançoso.
- Não, querido – a moça ficou triste enquanto o examinava melhor – Eu adoraria, mas eu era apenas amiga de seus pais. Eu não pude ficar com você. Eu disse a Dumbledore que ela não ia cuidar de você... Lily não iria querer isso... Mas ninguém me ouviu, não, ninguém me ouviu. Mas não mais...
Ela começou a falar sozinha e Harry a olhava espantado. Ela não só se vestia estranhamente quando se perdia em seus pensamentos. Então ela pareceu perceber que Harry continuava ali, e sorriu novamente.
- Mas isso não importa, não é mesmo? – disse a moça – Importa que hoje é seu aniversário, querido.
- Meu? – o garotinho perguntou confuso, ele sabia o que aniversários eram, Duda tinha um, tio Valter e tia Petúnia também tinham, com menos presentes que os de Duda, mas tinham. Porém Harry nunca tivera. Nunca tivera um bolo, ou presentes embrulhados em papeis bonitos, não era isso que era aniversário?
- O seu, pequenino – disse a moça com animação – E eu te trouxe um presente, Harry.
Harry piscou seus grandes olhos verdes que brilhavam por trás das lentes de seus óculos. Nunca havia ganho um presente, não que se lembrasse, não que contasse, tudo que ganhava eram as roupas velhas de Duda. Provavelmente a única coisa que fora comprada especificamente para ele fora seus óculos, afinal ninguém daquela casa usava um, mas ultimamente estava tão remendado que Harry nem se lembrava como eles deveriam parecer quando novos.
A mulher retirou um fino colar de seu pescoço e pôs no pescoço de Harry. O garoto percebeu que tinha algo na ponta da corrente e parecia girar preguiçosamente.
- Fui eu quem o fiz, não funciona como os outros – disse a moça animada – E disseram que era um erro. Ele funciona com a intenção de quem o enfeitiçou. Deve funcionar em alguns minutos depois que eu for e te levar para um tempo e lugar onde você vai estar seguro.
Harry Piscou os olhos para o objeto confuso, aquela mulher não fazia sentido nenhum. Antes que ele percebesse a mulher se levantou.
- Acho melhor você colocar um casaco, Harry – disse ela com um sorriso – Para onde você vai é frio. Feliz aniversário, querido.
E a moça sumiu. De repente, como se nunca tivesse estado lá. O pequeno Harry piscou e ela desaparecera. O menino de fato achou que tinha imaginado aquilo, então viu a fina corrente com o talismã na ponta girando lentamente.
Ele se levantou, limpando as mãozinhas na lateral de suas calças cumpridas demais e entrou. Por algum motivo acreditou na moça, se ela disse para pegar um casaco ele pegaria um casaco. Era a pessoa mais perto de gostar dele que ele havia conhecido em seus tenros cinco anos. Ou pelo menos, que ele se lembrava de conhecer. Por que Harry sinceramente achava que seus pais, mesmo sem saber como eles eram ou se pareciam, gostavam dele, antes de morrer obviamente.
Ele estava indo em direção ao banheiro, no andar de cima, afim de limpar um pouco antes de pegar um casaco, porque se Tia Petúnia o visse naquele estado, provavelmente ia trancá-lo no armário. Mas permitir que Harry fizesse isso não estava nos planos de Duda.
O garoto mais velho parou Harry no topo da escada com o rosto envolto em uma perversidade rara vista em uma criança.
- Onde você arrumou isso? – o garoto mais velho perguntou enquanto apontava para o peito do primo.
- É um presente – disse Harry segurando a corrente com as duas mãozinhas – De aniversário. Eu ganhei, é meu.
- Não é seu aniversário – disse Duda fechando a cara – Você não faz aniversário.
Duda tinha um ponto, pensou Harry, mas a moça havia garantido que era o aniversário dele e que aquele colar estranho era um presente para ele e que ele deveria vestir uma blusa, não importava se estivesse com calor.
-Faço sim – disse Harry impondo a voz.
- Me dá – disse Duda apontando para o colar de Harry.
- Não! – Harry brigou, não ia se desfazer de seu único presente tão fácil assim – É meu.
- Me dá ou eu vou te bater – disse Duda indo para cima de Harry.
O garoto menor tentou se defender, mas esqueceu que estava no topo da escada e deu um passo em falso ao tentar se esquivar do primo. Então o mundo começou girar. O menino tinha perdido o equilíbrio quando seu pé não encontrou a continuação do degrau que ele estava, então ele caiu, batendo suas costas magras nos degraus de baixo e seu corpo continuou rolando e batendo na parede e no corrimão.
Harry teve um último vislumbre de um Duda assustado, antes de achar que pousaria no térreo da casa. Porém suas costas não encontraram o piso minuciosamente encerado de tia Petúnia, e sim um piso frio de pedra escura. Ele sentiu a ponte de seus óculos se partirem mais uma vez. Seu tio iria lhe matar se pedisse mais vez para ele concerta-los.
O menino piscou tentando se acostumar ao breu que acometeu sua visão, ou ele estava maluco ou aquela não era mais a casa de seus tios. Ele olhou perdido e meio cego com a falta dos óculos, estava em um corredor frio todo em pedra, atrás de si um tapete que parecia ter no mínimo uns cem anos de idade. O menino se lembrou do que a moça dissera, que ele iria para um lugar que ele estaria seguro, mas ele não estava se sentindo muito seguro no momento.
O garoto olhou para seu colar e percebeu que o pingente não girava mais, estava parado, fixo. Harry sentou-se no chão, recostou na parede, as lágrimas caindo sem que conseguisse segurar. Ele estava em um lugar estranho, frio, sozinho e para piorar quebrara o único presente que ganhara na vida.
