Nota importante: Escrito até o lançamento do episódio 08 do anime. Fatos que ocorrerem depois disso serão devidamente ignorados.


Silêncio

Hilf Mir Fliegen
Venha e me ajude a voar. Empreste-me suas asas; vou trocá-las pelo mundo.
Por tudo o que tenho.

"Meu sonho é voar."

A voz de Shun quebrou o silêncio de horas. Sua voz saiu cortada, rouca, entreouvida por tanto tempo sem uso. Yuki, em raros momentos, perguntava-se porque Shun gostava tanto de passar horas com ele quando tudo o que compartilhavam era o silêncio. Silêncio sufocador e irreparável. Era nisso que a relação deles se baseava.

Shun, aos seus onze anos de idade, passava horas sentado no teto da casa de Yuki e Yuta, observando o gêmeo calado ler seus mangás tediosos e cheios de lutas. Uma coisa que Shun nunca entenderia, mesmo anos depois, é porque o amigo conseguia gostar tanto assim de mangás enquanto havia tantas outras coisas interessantes no mundo. Como entender porque nós, seres humanos, não conseguimos voar.

"É um castigo divino, Shun." Yuki respondeu algum tempo depois que o garoto expôs sua dúvida, e os olhos grandes e curiosos de Shun ergueram-se para fitar os âmbares dele, sempre tão sérios. "Nós somos seres impuros."

Algumas horas depois, deitado em sua cama, Yuki percebeu que aquela não era uma resposta que deveria dar para alguém como Shun. Shun era puro demais, inocente demais, frágil demais, e sempre levava as palavras dos amigos a sério demais. Tomar dezenas de banhos, como Shun imaginou, não resolveria o problema.

"Você sabe por que nós não podemos voar, Shun?" A voz de Yuki era um sussurro contra a orelha dele. Estavam em pé sobre o telhado, e Shun tremia levemente contra os braços de Yuki, que o segurava por trás com força calculada, impedindo-o de se desequilibrar. Os cabelos macios e rosados cheiravam a infância, a inocência, a amizade. Mesmo muito tempo depois, Yuki ligaria esse cheiro a felicidade simples e pura.

"Por quê?" Perguntou Shun no mesmo sussurro, e a voz ligeiramente histérica denunciava o medo de cair.

"Porque nós só podemos fazer aquilo que acreditamos." Murmurou, observando Shun fechar os olhos e respirar fundo. Talvez aquela não fosse uma boa maneira de reparar o que havia falado, mas era uma boa opção e Yuki iria se arriscar. Mostrar a Shun que ele não era impuro parecia, de repente, algo necessário. "Você acredita que se eu te empurrar daqui agora, vai conseguir voar?"

"Não." A resposta de Shun veio sem nenhuma hesitação, e ele segurou-se com força nos braços de Yuki, que o rodeava a cintura, como se estivesse com medo que o amigo o soltasse. "Eu não acredito."

"É por isso que não conseguimos voar, Shun, por não acreditarmos."

Demorou algum tempo até que Yuki percebesse que havia dado asas a Shun, e sentiu-se um pouco mal quando ele tentou voar do telhado da própria casa e torceu o tornozelo. Imaginou que ele não seria tolo o suficiente para fazer algo assim. Mas esqueceu-se o que ele sempre falava: que as palavras de Yuki eram as coisas que ele mais guardava e as únicas que realmente ouvia.

Mas quando estava no hospital, sentado em uma poltrona ao lado de um Shun que dormia profundamente com metade da perna engessada, e teve a mão presa entre dedos finos e pequenos, perguntou-se como alguém poderia ser tão encantadoramente inocente.