Ela nunca havia visto um inverno tão rigoroso.

Era isso o que Cuddy pensava enquanto se debruçava sobre a lareira e jogava algumas toras sobre o fogo ameno. Ela olhou para as pontas dos dedos, que agora estavam num misto de roxo e esbranquiçado. Na lista de coisas a fazer, havia uma interminável procissão de relatórios financeiros, análises médicas, processos contra erros médicos, cláusulas de convênio e mais uma tonelada de burocracia administrativa.

Mas não essa noite. Tudo que ela queria era o calor da sua cama e uma boa noite de sono. O suficiente para eliminar as malditas olheiras que haviam se instalado na parte inferior de seus belos olhos verdes.

Ela andou pela casa e entrou no quarto de Rachel, apenas para se assegurar que sua pequena princesa estava devidamente coberta. Um sorriso maternal brotou em sua face quando ela deslizou os dedos pelos cabelos lisos e castanhos da pequenina.

Faltava apenas um mês para a guarda permanente dela. Ela havia se esforçado tanto, lutado tanto e não se arrependera em nada. Ter a filha em seus braços era a coisa mais recompensadora do mundo.

Seus pés começaram a doer, o que fez com que ela considerasse como imprudente ter decidido não colocar os chinelos ao levantar da cama. Debruçando-se sobre a pequena cama, Cuddy beijou docemente a testa de sua filha e saiu do quarto, encostando a porta suavemente.

Ela apagou a luz do corredor e se dirigiu ao seu quarto. Retirou da sua cama as papeladas e colocou-as sobre o criado mudo, deixando seu refúgio seguro pronto para ser habitado. Ela deitou-se e fixou o olhar no teto, lembrando da pessoa que sempre ocupava seus pensamentos, mesmo que ela jamais fosse admitir isso.

House.

Desde o beijo quando ela perdera Joy, as coisas tinham mudado de figura. Havia algo mal resolvido entre eles, quer fosse mera atração sexual ou algo mais. Isso a deixava inquieta. Cuddy não tinha a mínima intenção de abordá-lo para resolver essa história, mas no fundo ela desejava saber se era só aquilo ou havia mais sobre a fachada arrogante dele.

Ela lembrou-se dos olhos azuis desafiadores e deu um meio sorriso, fechando os olhos em seguida. Segundos depois, o telefone tocou. Cuddy abriu os olhos com certa irritabilidade e estendeu o braço pegando o telefone no criado-mudo. Graças a Deus ela tivera essa idéia, imagine levantar nesse frio e ir até a sala de estar para atender um telefone?

Um rouco metálico tinia do outro lado e ela teve que se concentrar para ouvir.

- Alô?

- Doutora Cuddy. É um prazer falar com você.

A voz estava sendo adulterada por um dispositivo próprio para isso. Cuddy sentiu uma pontada de pânico.

- House? Isso é alguma brincadeira de mau gosto?

- Ai, ai, Doutora. É nisso que você pensa o tempo todo? Naquele manquinho?

- Eu vou chamar a polícia.

- Chame. E então explique para eles o que aconteceu naquela manhã de 15 de setembro.

Cuddy ficou estática. Ela não sabia que seu segredo havia sido descoberto, e agora sequer sabia quantas pessoas já sabiam disso. Era o seu fim.

- O que você quer?

Cuddy podia ouvir um suspiro orgulhoso do outro lado da linha. Era isso o que a pessoa, quem quer que seja, esperava. A voz metálica soou ainda mais fria.

- É o seguinte, doutora. Você vai fazer o que eu mandar, e eu recomendo que você não tente ir á policia nem contar para ninguém sobre essa ligação. E se você ainda se pergunta porque deve me obedecer, irá chegar uma mensagem no seu celular logo após eu desligar essa chamada para acabar com as suas dúvidas. Tenha uma boa noite e coloque mais lenha na lareira. As toras que você jogou foram poucas.

Cuddy olhou em volta, sem respirar. O pânico havia tomado conta dela e demorou para o ar retornar aos seus pulmões, fazendo-a engasgar e ficar ofegante. Ela estava perdida, sob a chantagem de alguém que ela não imaginava quem fosse.

Seu celular vibrou.

Uma nova mensagem de 'restrito'.

Quando Cuddy clicou em abrir, seu coração deu um pulo, enquanto todas as suas terminações nervosas entravam em um estado de imobilidade.

Era uma foto de Rachel, tirada de dentro do quarto enquanto ela dormia. Embaixo dela, havia uma legenda.

"Você tem muito a perder, não é Cuddy?"