Capítulo 1 ~ Negação

A noite estava tão linda do lado de fora da janela que não pode resistir. Trajando apenas um leve vestido branco, deixou a mansão descalça, sem se importar com os avisos dos criados. A escuridão a envolveu como o abraço de um amante, tão terno, protegido, como se tudo que quisesse pudesse ali realizar. E assim prosseguiu com seus passos leves, mal pareciam tocar a grama, como pés de fada. Chegando no portão, tentou abri-lo e, tendo suas tentativas frustradas, lembrou-se das ordens específicas de seus pais aos subordinados, para que não deixassem a garota sair após as dez horas.

Todo torpor disfarçado de alegria pareceu sumir como fumaça, enquanto encostava o corpo contra a grade, querendo ter o máximo de visão possível do mar. Ela o desejava, era como se a chamasse. O brilho da lua refletido na superfície a lembrava coisas boas, e coisas tristes. Foi nesta mistura de sentimentos que um aperto no peito a lembrou de ter deixado algo muito importante dentro de casa.

Retornou imediatamente, os passos rápidos a faziam se confundir com um vulto fantasmagórico, enquanto apenas um pensamento dominava sua mente: Como estaria Haruka? Precisava se certificar, a final, seus pressentimentos dificilmente estavam errados. Será que o mar a havia chamado para dar este terrível aviso? Que ser traiçoeiro, a levando para longe para avisar da tragédia iminente.

Rumou imediatamente para o quarto de visitas, esperando encontrar ali a companheira. Bateu na porta com certa urgência, repetidamente, mas não obteve nenhuma resposta. Adentrou então mesmo sem convite, constatando que o cômodo estava mesmo vazio. Aonde Haruka teria ido tão tarde? Não poderia estar além dos limites de sua propriedade, isto era fato.

Com a mente em turbilhão, seguiu para o próprio quarto, a final, Haruka poderia ter ido vê-la. No caminho, encontrou uma de suas criadas, pela qual certamente passaria se esta não lhe tivesse dirigido a palavra:

- Senhorita, se está procurando a senhorita Tenoh, ela está na cozinha.

- Obrigada – agradeceu Michiru de forma breve, dando meia-volta e andando o mais rápido que sua educação para não correr dentro de casa permitia.

Parou subitamente junto à porta da cozinha e respirou fundo. Não ia agir sem pensar, isto não era de seu feitio. Antes deveria calcular cada movimento e prever todas as opções do que poderia acontecer. Seu coração batia muito rápido, atrapalhando a audição quando aproximou o ouvido da fechadura.

Por alguns instantes, não ouviu nada, apenas um silêncio assustador que dominava todo seu corpo. Então um calafrio: O estilhaçar de vidro sobre o chão. Não agüentou mais esperar, deveria agir naquele momento, Haruka precisava dela. Abriu a porta com violência, entrando imediatamente na cozinha.

- Haruka! – Chamou desesperada.

Mas logo toda a excitação passou. Seus olhos pousaram vidrados nas duas moças a sua frente. Uma das garotas era pequena, tinha a mesma idade que Michiru, mas não era tão desenvolvida, parecia ainda menor por vestir o uniforme de empregada européia, visivelmente um número maior do que ela. Acabara de se abaixar no chão, uma mão cobrindo o rosto muito vermelho, catando com as mãos os pedaços do prato espatifado à sua frente. Já a outra moça, se é que podia ser chamada assim, era bem alta e usava roupas masculinas. Estava apoiada com uma mão na bancada, a outra passava por entre os cabelos, parecendo muito desconcertada. Não foi necessário pensar muito para Michiru entender, a final, isto era tão típico.

- Com licença – disse dando as costas e deixando o cômodo.

Então este era o seu pressentimento? Que cruel, que decadente! Ver aquela pessoa que significava para ela mais do que a própria vida se engraçando com outra. Sabia que isto era um hábito como de Haruka, flertar com meninas bonitas, aparentemente indefesas, mas nunca imaginou que o faria sob seu teto, com uma subordinada. Isto era demais, o cúmulo do desrespeito. Será que chegara a beija-la? A toca-la? As duas pareciam tão constrangidas, visivelmente culpadas, que não poderia deduzir diferente.

Enquanto ainda encontrava-se com os sentidos inebriados, já próxima a seu quarto, sentiu-se ser puxada pela mão para retornar à realidade. Foi então abraçada, envolvida em intenso carinho, que retribuiu com frieza e indiferença, movendo os braços molemente para que se afastasse.

- Michiru, eu não sei o que está pensando, mas teve uma impressão equivocada – defendeu-se Haruka, as palavras saiam entre sua respiração arfante, de quem correra o máximo para alcança-la.

- Fique longe de mim, quero ficar sozinha – foi a resposta cortante. – Não vou discutir isso aqui, nem agora. Apenas me deixe.

Sabendo que não haveria como convence-la do contrário, e concordando que conversar com os acontecimentos tão recentes não valeria a pena, deixou que Michiru lhe escapasse por entre os dedos, refugiando-se no quarto, deixando à Haruka apenas o som do deslizar da tranca.

Não trocaram nem mais uma palavra àquela noite.

N.A.: Muito obrigada aos que leram este primeiro capítulo. É a primeira estória que eu escrevo, então sejam pacientes. ^^' Adoro reviews, então podem escrever à vontade. XD Beijos, até o próximo capítulo. =**