Essa fic é um presente de aniversário (cofcoffcofffsuperatrasadocofcoffcofff) para a Ana Hakubi.


Aninha, tomara que não esteja bizarro demais XD
De qualquer maneira, já tava mais do que na hora de eu postar fics novas o.o" Espero que esta esteja boa.

Boa leitura a todos ! \o


O teatro das Moiras

Uma entusiástica salva de palmas irrompe da platéia para o pequeno palco ao centro, cercado por cortinas vermelhas de cetim. Olhando de perto, talvez se reparasse o quão comidas pelas traças estavam, mas de longe, aquele parecia ser o cenário perfeito.

Um silêncio ansioso segue a euforia.

Muitas marionetes caem, fazendo ressoar o barulho de madeira ecoado.

Dois dos bonecos levantam-se.

E tornam a cair.

As cabeças de madeira apontam uma na direção da outra, os olhos vidrados na expressão vazia logo à frente. Matando a si próprias com o olhar, na impossibilidade do movimento.

A platéia ri.

Dois bonecos.

Um possuía olhos escancarados como janelões, e era confeccionado com madeira branca.

O outro escondia a face dura atrás de uma máscara negra e de um sorriso permanentemente afável.

Como numa comédia, o primeiro aponta o dedo em riste para o outro.

-Você é Kira – anuncia.

-Você é o mal – o mascarado retruca.

-Vou arrancar tal disfarce.

-Eu vou matar você.

Os fios repuxam-se e logo os dois estão de pé, encarando-se ininterruptamente.

O primeiro movimento é do mascarado. Ele contorna o grupo, sem jamais tocá-lo, fazendo, de alguma maneira notável, as frágeis marionetes caírem pateticamente sob os fios transparentes que uma vez as mantinham de pé. A platéia ergue o olhar.

O que vê é uma tesoura trabalhando violentamente suas lâminas em inúmeros fios.

Os títeres caem, caem e caem...

Como uma cascata de desespero.

O mascarado não pára jamais. Sua gargalhada se potencializa a cada corpo que tomba. Cada som abafado soa como uma nota de uma música de vitória.

Seu peito está manchado. Seria tinta?

O mascarado não se importa pois, afinal, ele ganharia o melhor dos mundos.

Intacta, a marionete de madeira branca permanece contemplativa. Protegido pela muralha de corpos derrubados pelo outro, o boneco sabe que jamais poderá capturá-lo caso permaneça de tal maneira.

Há um buraco onde seu coração deveria existir.

Mas ele não se interessa pois, afinal, aquilo não machuca nem um pouco.

Toma uma decisão. Sobe nos corpos e anuncia:

-Eu sou L.

O outro pára sua correria calculada com a expressão surpresa, mas logo retoma a rigidez. Aceita o desafio e dá um passo. Dois, três, quatro... Até que ambos estão pisando em corpos de madeira velha a apodrecer.

-Você não me enganará – responde o mascarado. - Estará morto em breve.

O trabalho dos titereiros faz seus fios se entrelaçarem. Inegavelmente próximos e solitários, sentados mais alto que quaisquer outros. Aqueles que estão lá embaixo nada podem fazer além de lhes acenarem, sempre distantes.

A platéia prende a respiração, imaginando se por ventura tal aproximação os fará metamorfosear. Quem sabe... Quem sabe...?

Mas o mascarado possui sempre palavras doces e venenosas, um sorriso engatilhado,
e o coração manchado.

E o pálido expõe as olheiras como provas do valor de sua determinação, a carapaça dura como a madeira de que era feito,
e o peito oco.

Pouco importa para eles se são os derrotados que permitem que continuem a se elevarem. Para um a morte é também a representação de uma nova era; para o outro a subjugação do culpado é essencial para que seu dever seja cumprido.

As frases são pronunciadas como mantras, ininterruptamente:

-Você é Kira.

-Você é o mal.

O peito oco do boneco L e o coração manchado do mascarado permanecem distantes, mas ambos são, como que solidariamente, profanados igualmente pelo desafio divertido. Se existia algo que um podia amar no outro, era meramente o fato de ser aquele que baniu o tédio habitual.

Ódio pela maldade, convicção absoluta, desafio propagado, certeza da vitória...

Nenhum dos dois está disposto a perder.

Momentos de luta, encontros e desencontros são insuficientes para sequer arranharem a superfície de suas carapaças. Os movimentos são cada vez mais comprimidos, conforme as linhas se embolam em nós cegos. Apenas com o rompimento de um dos lados o outro poderá se libertar e eles, em suas genialidades, sabem disso.

Voltando a sobrevoar suas cabeças, a tesoura desliza com maciez seu fio nas linhas transparentes.

É a última aposta dentre as muitas celebradas entre eles.

Então, um punhado de cordas cai.

Primeiro um braço esquerdo pende molemente. Então, o outro também cai. Sucumbem as pernas, o tronco, a cabeça, até todo o corpo estar completamente prostrado no palco envernizado.

O boneco L está no chão.

O mascarado aproxima-se com um sorriso diferente do dócil que lhe era a marca registrada: a madeira parece que se partirá com o esforço que ele faz para não gargalhar abertamente.

O peito manchado parece ainda mais negro quando comparado à fruta vermelha rubi que ele morde, em comemoração.

A vitória tem gosto de maçã.

Os olhos como janelas espiam, censurando o mascarado. O boneco L mexe a boca, uma última vez:

-Eu sempre soube que você era Kira.

Jogando fora desleixadamente o que sobrara da maçã, respondeu:

-Você foi o mal. Mas agora não é nada.

Todos os vínculos estão cortados. O mascarado é o único de pé. Continua a sorrir encantador, desinteressado pela mancha crescente no peito. Tudo o que lhe resta agora é voltar para o monte de cadáveres que o tornava mais alto que qualquer outro.

Olha, então, para o corpo sem vida do inimigo e reflete se deveria utilizá-lo como pedestal. Se seu maligno rival deveria, junto com os demais, fazer parte da pilha que o erguia à altura das divindades era uma questão interessante.

Após muita ponderação, coloca-o solitário, escondido atrás da cortina vermelha do palco. Seus olhos de janelas nunca mais poderiam censurá-lo.

-Apesar de tudo, você era digno de estar sobre eles ao meu lado.

Voltou sozinho ao monte.

Sem repouso, o mascarado retorna às suas atividades e a tesoura corta, um a um, os fios de cada inimigo ou obstáculo. Sem exceções, foram sendo utilizados como plataformas, até que ele gloriosamente alcançasse o topo.

Empecilho ou mal-feitor... Qual a diferença?

Para quem este mundo está sendo construído, mesmo?

Ele continua a subir mais e mais. Que momento esplêndido é este, quando se percebe alcançando o topo.

O coração cada vez mais manchado, o sorriso cada vez mais largo, a ponto de fazer rachar a madeira. Mal pode enxergar os tolos lá de baixo e solta uma gargalhada triunfal.

No primeiro descuido de uma vida regrada, sua máscara desliza pelo rosto, revelando a face bela e juvenil.

-Raito Yagami – uma das marionetes "inferiores" aponta em riste o dedo em sua direção, de modo idêntico a como o antigo inimigo faria.

Então, uma dolorosa fisgada no coração manchado...

Sem a menor consideração pelo esforço de anos, o monte simplesmente desmorona. Tão alto, tão próximo do topo... E nada.

A marionete Yagami não aceita cair. Agarra-se com tudo que pode aos fios que o mantém no alto. Debate-se. Luta até o fim. Mas logo o pilar que o ergueria aos céus está em pedaços, e ele, enganchado, asfixiando-se em sua própria corda.

-Bem feito – diz o boneco que lhe descobriu a face. - Você merecia, criminoso. Venci.

Morrendo, queimando de humilhação e com o rosto despido, Yagami volta a cabeça na direção onde sabe estar seu velho inimigo. Invadido por uma inimaginável nostalgia, deseja que a cortina, que lhe protegia do olhar de censura do outro, desapareça.

Queria ter uma última pessoa para observá-lo morrer.

Exigia que o seu sorriso engatilhado se tornasse tão eterno quanto os olhos de janela.

Mas ele sabe que jamais poderia rever aqueles olhos. Ele mesmo os havia ocultado muito bem.

-Você foi o mal – disse, sentindo calafrios ante o toque da tesoura nas linhas de sua vida. - Sua ausência me tornou desprecavido. Todos eram inferiores...

"Você era o meu mal."

Finalmente, as cordas se rompem e ele cai estático. A cabeça ainda voltada para a cortina de cetim vermelha, os olhos eternamente vidrados no vazio.

Morto.

Tudo terminara igualmente como tivera início.

Os bonecos de madeira esparramados pelo chão encaravam-se estáticos.

As cabeças apontadas, inertes.

Então... Aplausos na platéia. Os panos sobem e os titereiros, os feitores da peça, finalmente se revelam.

A mão pálida da pureza carrega a marionete Yagami.

A verde obstinação traz com cuidado o boneco L.

Contentes com trabalho bem feito, elas se cumprimentam entusiasticamente banhadas pelo júbilo de um público invisível.

Que número fantástico havia sido aquele teatro de marionetes, afinal...!

FIM


N.A.: Bem, enfim... Antes que perguntem: não, eu não ingeri álcool ou drogas de qualquer gênero antes de escrever essa fic, por mais estranha que pareça o.o"Acontece que é aquele negócio: cismei que escreveria uma versão "Death Note com marionetes" e... voilá! Foi mais forte do que eu XD

E só por desencargo de consciência: as "Moiras" a que me refiro no título são mesmo aquelas deusas gregas, responsáveis pelo tecer do fio da vida. Como a história era de marionetes, que só se movimentam graças aos seus fios, achei que essa associação seria interessante.
Na verdade, penei muito antes de decidir postar, mas como o fandom está meio parado nesses últimos dias, pensei que seria uma boa mandar uma coisa diferente, só para variar.

Ana, my dear, espero que a fic esteja à sua altura! \o/

Kissus a todos que leram!\o

E reviews de qualquer gênero são sempre bem-vindos! XDD